15 Dezembro 2023
O padre Ibrahim Faltas, vigário da Custódia da Terra Santa em Jerusalém, passou muitos anos como mediador de paz entre israelenses e palestinos. O franciscano de origem egípcia destacou-se durante os transtornos em Belém, na Cisjordânia, em 2002. A Basílica da Natividade ficou sitiada durante 39 dias pelo exército israelense durante a Segunda Intifada. Ali ele ganhou o apelido de “custódio de ferro” por ter defendido a basílica junto com os outros franciscanos, na qual estavam refugiadas cerca de 240 pessoas entre milicianos palestinos e civis, e pelos esforços destinados a pacificar a situação. Ele está na Itália e está se encontrando com fiéis de diversas dioceses para falar sobre a guerra em Gaza e a situação, cada vez mais dramática, na Cisjordânia.
A entrevista é de Giovanni Legorano, publicada por Domani, 14-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você está na Terra Santa há várias décadas. Qual é a sua percepção pessoal deste conflito?
A minha experiência pessoal de vida na Terra Santa já dura 35 anos e posso dizer que nunca vi tanto ódio e tanta violência. Vivemos longos períodos de tensão, duas intifadas, o cerco de Basílica da Natividade, mas o sofrimento desta guerra não é comparável a outras situações de conflito. Infelizmente, minha percepção inicial não mudou. Demasiados mortos e demasiada destruição.
Não vejo nenhuma mudança, infelizmente, nenhum sinal de que essa guerra possa terminar em breve.
Ibrahim Faltas. (Reprodução | Vatican News).
Como estão reagindo as pessoas em Jerusalém e na Cisjordânia?
As pessoas estão sofrendo. A situação não é tão grave como em Gaza, mas é muito difícil. Há muita tensão e as pessoas se ressentem disso em suas vidas e nas relações com os outros. Também há confrontos frequentes na Cisjordânia entre a população e o exército israelense. Houve tantos mortos, tantos feridos, tantas prisões e tantas casas destruídas. Em Jerusalém e na Cisjordânia as pessoas estão com medo e perderam a confiança. Antes, apesar das tensões e as dificuldades sociopolíticas, era possível ter um mínimo de convivência entre as duas partes.
Como estão vivendo a situação os cristãos de Belém?
Os cristãos de Belém vivem muito mal. A guerra impediu a possibilidade de ter trabalho. A maioria dos cristãos em Belém trabalha no turismo e as peregrinações traziam bastante trabalho. Depois de dois anos de pandemia, voltamos a ver a Terra Santa repleta de peregrinos. Agora novamente Belém está fechada, vazia, triste. Muitas famílias não têm mais o sustento que resulta da dignidade do trabalho. Pense nos hotéis, restaurantes, transportes, artesanato. Tudo parou e sem poder imaginar quando terminará o drama da guerra.
Em particular, o que as crianças lhe contam?
As crianças têm os olhos tristes. Não conseguem sorrir, porque diante de si só têm imagens de guerra que abalam e assustam. São as primeiras vítimas desta tragédia. Houve 7.000 crianças mortas apenas em Gaza, e muitas crianças mesmo pequenas ficaram sem pais, com um futuro incerto e já marcado. Os sobreviventes carregarão traumas que serão difíceis de superar quando tudo estiver acabado. Eu os ouço cantar e escrever pensamentos profundos sobre a necessidade de viver em paz. As crianças da Terra Santa crescem mais rápido que os seus pares, porque vivem uma realidade cheia de imagens negativas. Tentamos protegê-las, mas não é simples. A sensibilidade delas me emociona, mas estou preocupado pelo seu futuro.
Como mudaram as relações entre judeus e árabes israelenses após o início da guerra?
Mudaram para pior. Pessoas que tentavam conviver pacificamente porque eram colegas de trabalho agora não se cumprimentam nem falam umas com as outras. São situações que arruinaram as relações porque há medo, há desconfiança mútua. Será difícil reconstruir essas relações, será difícil recuperar um clima sereno entre elas.
Que papel podem ter os cristãos palestinos nesta situação?
Os cristãos sempre foram estimados e apreciados por todos pela sua capacidade de serem mediadores sábios entre as duas partes. Graças a Deus essa estima permanece. Sou responsável pela Custódia das relações com o Estado de Israel e a Autoridade Palestina e conheço bem ambas as partes. Como cristãos, podemos e devemos continuar a pedir a paz e a trabalhar para a obter na Terra Santa.
Você também está preocupado pela região de Nazaré?
O Norte de Israel é, infelizmente, uma zona quente e propensa a ser outro cenário de guerra. Os ataques do Líbano estão se tornando mais frequentes. Claro que estou preocupado porque a Terra Santa seria ainda mais oprimida pela violência da guerra. Conto sempre com a consciência dos governantes, e espero que a situação não se agrave.
Desde o início da guerra, os israelenses queixaram-se frequentemente da falta de solidariedade das opiniões públicas em relação a eles, dizendo que a solidariedade internacional é agora toda para os palestinos. O que você gostaria de dizer a eles?
Sempre defendi a vida que é sagrada, como diz o Papa Francisco. Os mortos e feridos, o sofrimento de crianças, mulheres, homens, idosos, portadores de deficiência, para mim não têm distinção de raça, nacionalidade, religião. Eu nem olharia para o número de vítimas de ambos os lados. Penso que a Palestina pagou agora um preço muito alto pelo ataque do Hamas. No entanto, é o lado mais fraco e é preciso parar de usar as armas contra os civis inermes e indefesos de ambos os lados.
O que deve ser feito para alcançar a convivência pacífica na Terra Santa?
O único caminho a seguir é aquele que conduz à paz e é preciso percorrê-la com o diálogo. Aqueles que têm o poder agora devem cessar o fogo, devem ter e sentir a responsabilidade por tantas vidas perdidas. Devem fazer isso porque, apesar de tanta dor, devemos acreditar que a paz ainda seja possível.
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Para o vice-custódio da Terra Santa, um frágil equilíbrio foi quebrado: “Nunca vi tanto ódio”. Entrevista com Ibrahim Faltas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU