14 Dezembro 2023
"No início dos anos 90, o ideólogo da intifada, o professor Sari Nusseibeh, e um grande acadêmico de estudos estratégicos israelense, Mark Heller, concordaram, apesar de muitas resistências, em se sentar um diante do outro, tentando definir um plano de paz: e conseguiram", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 12-12-2023.
Quando se lê que, até mesmo para o Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, Gaza está reduzida como e pior do que a Alemanha devastada no fim da Segunda Guerra Mundial, surge a pergunta que gostaríamos de poder remover: qual pode ser o papel, o esforço, de quem quer viver esta guerra sem se curvar à tendência predominante de aceitar o derramamento de mais combustível, e sangue, no incêndio furioso e desumanizante da desumanização?
Minha reação, instintiva, é recuperar memórias, agora distantes, na tentativa de fazer saber, pelo menos a alguém, que houve, no passado, a vontade e a capacidade de entender a outra parte: de aceitar até mesmo o inimigo histórico. Eu gostaria de dar crédito a quem quis fazer isso, de ambos os lados. Mas isso pode ajudar hoje? As nuvens da dor me parecem tão ameaçadoras que até mesmo esse exercício de memória poderia parecer uma pose do jornalista: caligrafia na areia de uma terra desolada. Mas como a razão é mais forte que as emoções, não será assim.
Eu me deparei com uma daquelas definições que parecem fatais: o mecanismo dramático que prevaleceu. Ontem, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, segundo relatos da imprensa local, disse: "O objetivo da Autoridade Palestina é nos destruir. O Hamas quer fazer isso aqui e agora, enquanto a Autoridade Palestina quer fazer em etapas".
Ele disse isso para reiterar sua convicção: após a guerra, a Autoridade Palestina não poderá voltar a Gaza. Qual é, então, o objetivo de Netanyahu com a operação militar em andamento? Há algo em ambas as partes que deseja que a outra desapareça. Mas a realidade é que ela existe. E essa consciência, às vezes, consegue emergir, embora no furor da guerra os extremos gritem: do Jordão ao Mediterrâneo, a Terra é nossa.
Então, é a justiça que atormenta? Para os israelenses, pelo menos para muitos, a razão é bíblica e, ao mesmo tempo, histórico-patriótica, dada a história e o fato de que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza foram ocupadas após uma guerra de agressão. Para os palestinos, a razão histórica está registrada nos documentos de propriedade de suas terras e casas, que não podem ser divididos ao meio. A certeza de possuir o direito justo afasta profundamente uns dos argumentos dos outros. O custo de tudo isso? Viver em um cemitério ou ao lado dele. Viver em uma prisão a céu aberto ou ao lado dela. Mas se todos pudessem apenas superar suas paixões, usando a expressão de Francisco, e se perguntar: isso tudo faz sentido?!
Estamos nas horas em que a ONU volta a votar pelo cessar-fogo em Gaza, após o choque do voto do Conselho de Segurança, com 85% da população palestina agora sem qualquer proteção, praticamente privada de alimentação diária. Com esse pensamento, encontro motivo para lembrar o que alguns, no passado, tiveram a coragem de fazer, escolhendo o possível em vez do certo em suas mentes. Volto ao ponto de partida. Com um exemplo.
No início dos anos 90, o ideólogo da intifada, o professor Sari Nusseibeh, e um grande acadêmico de estudos estratégicos israelense, Mark Heller, concordaram, apesar de muitas resistências, em se sentar um diante do outro, tentando definir um plano de paz: e conseguiram.
O que faz sentido evocar aqui não são os termos exatos históricos de seu compromisso. Interessa, antes, trazer à tona as coordenadas mentais que permitiram elaborar esse compromisso. Essas coordenadas foram escritas em duas prefácios paralelos. Acredito que ainda nos digam muito.
Nusseibeh escreveu sobre sua condição emocional no início do encontro: o impulso de rebelião diante da contraparte israelense, fosse quem fosse representada, mas também a consciência de que o futuro de seu povo só poderia estar diante dessa contraparte. Começar a partir da realidade, seja qual for, é sempre a única maneira de mudá-la. Para os palestinos, observou Nusseibeh, os benefícios seriam imediatos, enquanto para os israelenses seriam projetados para o futuro deles.
Justamente naquela época, Nusseibeh se perguntava como Israel poderia viver, por exemplo, em uma constante tensão demográfica com a Palestina, comprometendo-se a absorver uma população crescente de ascendência judaica de todo o mundo. Na época, os palestinos em Gaza e na Cisjordânia eram 1.700.000, hoje são cerca de cinco milhões.
Aqui está, então, a força de uma razão, não isenta de sentimentos, que soube ousar a negociação e chegar a um compromisso, como alternativa às paixões que só levam ao confronto em nome do que é considerado absolutamente certo, mas com o pano de fundo do medo da destruição a ser sofrida a qualquer momento: o mesmo sentimento sentido, intimamente, por ambos os povos. À espera da justiça melhor, mas impossível, Nusseibeh concordou em se sentar para conversar e negociar com Heller.
Heller também conseguiu fazer o mesmo, apostando em um futuro diferente para seu país. Ele avaliou o risco do desaparecimento de Israel como mínimo, como escreveu. Enquanto lhe parecia claro e imediato o preço a ser pago se não concordasse em renunciar a algo de Israel. Mesmo uma paz fria, como a com o Egito, teria produzido benefícios significativos. Heller percebeu que uma paz desse tipo poderia não ser estável, definitiva, mas entendeu que os recursos desviados do conflito, e direcionados para o desenvolvimento, teriam trazido um benefício inegável para Israel, e também para os palestinos. E assim, de certa forma, as coisas seguiram por um tempo. Vale a pena lembrar disso hoje.
Há algo mais que faz refletir hoje, olhando para esse passado. Naquele texto, há, de fato, uma novidade histórica, ignorada até então e que não deixa de me surpreender. Nusseibeh revelou que seu pai foi autorizado pelo Mufti da época, o arqui-inimigo de Israel, Haj Amin al Husseini, a investigar a possibilidade de envolver os britânicos na mediação sobre a implementação do plano de partição da Palestina: estávamos em 1947. O plano falhou por uma indiscrição da imprensa que revelou o segredo muito cedo. Isso também deveria ensinar algo para hoje.
O plano de paz Heller-Nusseibeh mereceria ser lido novamente, não apenas e não tanto pelas soluções concretas que conseguiram vislumbrar, mas principalmente pelas razões pelas quais chegaram ao diálogo e pelos critérios pelos quais foi conduzido: pela escolha da paz, mesmo que fria, em vez do uso insensato das armas, em busca da justiça final. A justiça não pode ser uma ideologia, mas é sempre a constante e paciente busca do possível, nos desastres já cometidos na realidade. Quem sabe algo assim não volte hoje da Assembleia da ONU!
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Diário de guerra (14). Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU