Apesar de comandar pela segunda vez um dos estados campeões de desmatamento, garimpo ilegal e fogos criminosos, o herdeiro político do clã Barbalho, uma das mais poderosas oligarquias do Brasil, tem conseguido vender a imagem de ‘governador verde’.
A reportagem é de Malu Delgado, publicada por Samaúma, 28-08-2023.
Reeleito no primeiro turno para o governo do Pará em 2022 com um resultado acachapante – 70,41% dos votos válidos, o maior percentual entre os governadores eleitos do Brasil –, Helder Barbalho (MDB) percebeu que a Amazônia é seu passe para ganhar espaço nos cenários interno e externo. O político associa sua imagem à defesa da “sustentabilidade”, da “bioeconomia” e da “floresta em pé” – essa última, aliás, vista por ele como um “ativo econômico” do estado. Herdeiro de uma oligarquia que no passado esteve ligada a denúncias de corrupção e grilagem (apropriação de terras públicas), Helder quer ser visto como “governador verde” – um plano que conduz com competência sobretudo porque sua família controla boa parte da mídia impressa, televisiva e radiofônica do Pará.
Até agora, Helder tem se equilibrado numa arquitetura que poderia parecer impossível: ao mesmo tempo que faz um discurso pró-meio ambiente, em especial no cenário internacional, o governador apoia os garimpeiros – até sancionou, em outubro de 2021, a lei que criou o Dia do Garimpeiro, 11 de dezembro – e a mineração transnacional dentro do Pará. Ao aliar-se a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e conseguir levar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30) para Belém, em 2025, aumentou seu cacife político e projeção nacional.
Lula e Helder juntos no anúncio de Belém como sede do maior evento sobre o clima do planeta. O elo entre os dois está mais forte. (Foto: Sumaúma | Alessandro Falco)
A Cúpula da Amazônia, realizada na capital paraense nos dias 8 e 9 de agosto, evento que, na prática, acabou sendo uma preparação para a COP, terminou sem o compromisso oficial dos oito países com florestas tropicais para zerar o desmatamento e barrar o avanço da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia. Como anfitrião, Helder Barbalho aproveitou a cena para repetir, em várias das entrevistas que deu às principais TVs do Brasil, que, sem combinar os três lados da sustentabilidade (ambiental, social e econômico), o mundo não vai conseguir implantar um novo modelo de desenvolvimento. Mas, para além da badalação midiática, o governador foi cobrado, pela sociedade civil e pelo movimento indígena, por mais um atentado violento no estado: três pessoas do povo Tembé foram baleadas no município de Tomé-Açu, a 200 quilômetros de Belém, na véspera da cúpula.
Com planos ambiciosos para seu futuro político, o “rei do norte” vai precisar explicar por que o Pará é um dos campeões em desmatamento e segue como um dos estados mais violentos da Amazônia. O apelido “rei do norte” surgiu durante a pandemia de covid-19 em memes que associavam Helder Barbalho ao personagem Jon Snow, líder do Reino do Norte nos livros e na série Game of Thrones. Viralizaram na internet frases do governador em confronto com o então presidente Jair Bolsonaro, negacionista na crise que matou mais de 700 mil brasileiros. Com presença marcante nas redes, sobretudo em defesa das vacinas, Helder criou uma estratégia de comunicação que lhe rendeu engajamento e votos. Atualmente, só no Instagram, ele tem quase 650 mil seguidores.
Uma das principais críticas de ambientalistas e especialistas em clima às políticas ambientais do governo do Pará é justamente o fato de não haver compromisso com o desmatamento zero, meta já assumida por Lula e uma das pautas que dominaram os debates da Cúpula da Amazônia. “Setenta por cento das áreas do estado são de responsabilidade da União, e sem uma cooperação forte não conseguiremos atingir esse objetivo”, justificou o governador a SUMAÚMA, por e-mail. Enquanto Helder alega que o estado não pode fiscalizar terras indígenas ou unidades de conservação federais, nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) advertia, no ano passado, que, “apesar de uma porção considerável do desmatamento se localizar em terras públicas, principalmente federais, a governança ambiental na Amazônia carece de atuação em todos os níveis federativos e privados”.
O governador, que se apresenta como conectado à agenda climática global, defende pesquisas para a exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas. Para isso, usa a tática de dizer que avançar com esse projeto ainda é “só pesquisa” e não significa exploração. É o discurso dominante da classe política na Amazônia. “O momento não é de autorização para exploração, mas sim de autorização de perfuração para estudo. É claro que essa exploração só deve ocorrer caso os estudos ambientais demonstrem inequivocamente a ausência de prejuízo aos ecossistemas locais”, afirmou o governador à reportagem em mensagem por escrito.
Por 17 anos consecutivos, de 2006 a 2022 – período que inclui o primeiro mandato de Helder –, o Pará liderou as taxas de desmatamento no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em toda a série histórica do Inpe para medir o desmatamento, iniciada em 1988, o Pará roubou do planeta cerca de 167 mil quilômetros quadrados de vegetação. É quase como se tivesse eliminado do mapa um país do tamanho de Portugal, e isso por duas vezes.
Há outras estatísticas estarrecedoras. O estado foi o campeão, no Brasil, de violações a direitos humanos cometidas entre 2019 a 2022, segundo o último relatório das organizações Justiça Global e Terra de Direitos, que monitoram esses ataques, divulgado em junho deste ano. No período analisado, que coincide com o do primeiro mandato de Helder, houve 19 assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos no Pará, num total de 143 violações – que incluem, além dos assassinatos, ameaças, atentados, importunação sexual, criminalização e suicídio.
Também é no Pará que se encontra a segunda maior quantidade de pistas de pouso e garimpo na Amazônia (o líder é Mato Grosso), entre regulares e irregulares: são 883, conforme mapeamento divulgado em fevereiro deste ano pelo MapBiomas, rede colaborativa que monitora o uso do solo no Brasil. Os quatro municípios brasileiros que mais abrigam pistas de pouso para o garimpo estão no Pará: Itaituba (255), São Félix do Xingu (86), Altamira (83) e Jacareacanga (53). Das cinco terras indígenas com maior número de pistas e áreas garimpadas, duas estão no Pará: Kayapó e Munduruku. O garimpo, pela lei brasileira, é considerado ilegal se praticado em terras indígenas, unidades de conservação e áreas públicas destinadas a fins incompatíveis com a mineração.
Na região Norte, o Pará é o estado em que mais foram mapeados conflitos fundiários, em disputas violentas por terras, de acordo com dados nacionais da Comissão Pastoral da Terra divulgados no ano passado. Em 2019, quando houve o premeditado “Dia do Fogo” para destruir as florestas (10 de agosto), o Inpe registrou no Pará, apenas em 10 e 11 de agosto, 1.457 focos de calor e um crescimento de 1.923% no número de queimadas – em comparação com os mesmos dois dias de 2018. Considerando o ano inteiro, a coisa piorou nos anos seguintes. Com exceção de 2021 (22.876), todos tiveram registros de focos de calor ainda maiores do que 2019 (30.165). Em 2020, foram 38.603. Em 2022, 41.421.
Imagem apareceu nas redes sociais na época da pandemia de covid-19, quando Helder Barbalho enfrentou o negacionismo de Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)
Queimadas na Amazônia em agosto de 2020: a destruição da floresta teve recorde nos anos Bolsonaro. (Foto: Christian Braga | Greenpeace)
Ao longo de um mês, SUMAÚMA testemunhou a blindagem midiática e política montada para evitar abalos à imagem que Helder quer – e tem conseguido – construir. A reportagem solicitou entrevistas ao governador, a secretários, políticos e aliados, bem como a servidores de órgãos públicos que lidam com a agenda ambiental. Nenhum pedido foi atendido. Em 21 de julho houve uma confirmação de que o governador falaria, por escrito, com SUMAÚMA. Todas as frases de Helder Barbalho reproduzidas nesta reportagem são, portanto, respostas escritas – não foram ditas numa entrevista em que ele pudesse ser diretamente confrontado.
Helder Barbalho chegou ao governo em janeiro de 2019, aos 39 anos. A despeito das contradições que rondam sua administração, sustenta a fama de “rei do norte” sem arranhões profundos graças a poderosas alianças políticas e econômicas. O apelido, para seus apoiadores, é um elogio ao seu desempenho e à sua personalidade forte. Para os críticos, é usado em tom jocoso e reflete os poderes imperiais de sua gestão e de sua família, além de um antigo modo de agir da oligarquia Barbalho, agora com roupagem mais moderna e progressista.
Em seu “reinado”, Helder consegue se apresentar como defensor de povos indígenas, populações tradicionais e quilombolas ao mesmo tempo que apoia a mineração sem constrangimento, abraça o “garimpo legal”, faz inúmeros acenos ao setor da agropecuária – do qual ele mesmo faz parte – e mantém uma convivência mais do que cordial com grandes proprietários de terra, muitos deles com terras originadas de grilagem, ainda que seja rechaçado pela ala bolsonarista do agronegócio, conhecida por seu ímpeto predatório.
É palpável o clima de receio entre servidores, profissionais da comunicação e políticos quando o assunto é a gestão de Helder Barbalho. Sob reserva, cinco jornalistas de Belém relataram as dificuldades cotidianas para conseguir informações sobre atos do governo e a agenda do governador. Ao contrário de Lula e outros líderes, Helder quase não revela onde vai estar ou quem vai receber. No site oficial de notícias do governo, apenas alguns eventos são divulgados.
Para um opositor, “o governador não aceita críticas, tem um projeto claro de poder e cerca seus inimigos”. Um correligionário esquivou-se de conceder entrevista alegando “cautela”. Nas palavras de um colaborador, outro que não quis ser identificado, Helder exige entregas, dá prazos e estabelece metas. “É o melhor marqueteiro do Pará”, afirmou um comunicador que também só concordou em falar se não tivesse a identidade revelada.
“Esse é o rei do norte, tem que respeitar”, gritava um mototaxista no auditório do Detran, o Departamento de Trânsito de Belém, inaugurado com a presença de Helder Barbalho – ele chegou com quase duas horas de atraso, cercado de aliados e assessores. O que era para ser a entrega da sede revitalizada e modernizada do Detran virou um ato político: os mototaxistas, que guiam o principal meio de transporte das pessoas de baixa renda no estado, lotaram o auditório. Um deles, escolhido como porta-voz do grupo, contou que em 2022 lhe haviam prometido uma moto nova se não apoiasse a reeleição do governador. “Mas eu sou é Helder”, bradou. A assessoria do governador sabia que SUMAÚMA acompanhava o evento. Helder encontrou um jeito de puxar a pauta ambiental para a rotina administrativa. Ao assinar uma linha de crédito para os mototaxistas, avisou: “Precisa ser moto que tenha redução de emissões de gás carbônico na atmosfera. Um estado que será sede da COP-30 não pode financiar a ampliação das emissões que causam transtornos ao meio ambiente”.
Na Assembleia Legislativa do Pará, entre os 41 deputados estaduais apenas um, bolsonarista, declara ser da “frente de oposição”. É Rogério Barra (PL), do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Barra é filho do deputado federal bolsonarista Delegado Éder Mauro (PL) e foi secretário de Justiça no primeiro mandato de Helder, mas rompeu com ele. O deputado Toni Cunha filiou-se ao PL no fim de maio e agora também promete uma postura crítica ao governador. A ampla base de apoio dá a Helder tranquilidade para governar e aprovar o que bem entender na Assembleia, hoje sob o comando do deputado Chicão (MDB). “Ele [Chicão] é o operador político dos Barbalho”, definiu a SUMAÚMA um político da velha guarda do estado que pediu anonimato. O presidente da Assembleia cancelou uma entrevista com a reportagem, alegando ter que representar o governador em um evento.
O relacionamento com a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará é umbilical, sendo o presidente da instituição, Carlos Xavier, figura com trânsito livre no governo. Uma das principais bandeiras da federação é a defesa do batalhão rural, criado por Helder para “garantir o direito à terra, à segurança jurídica e a paz no campo”. Na declaração de bens à Justiça Eleitoral, em 2022, Helder informou ser dono de gado bovino (6.176 reses, com valor aproximado de 12,3 milhões de reais) e listou também sua participação na Agropecuária Rio Branco, uma “quota” avaliada em 1,85 milhão de reais. No total, o patrimônio registrado soma 18,75 milhões de reais.
À esquerda, Helder Barbalho na abertura da campanha de vacinação do rebanho paraense. (Foto: Marcelo Seabra | Agência Pará);
À direita, fiscalização do Icmbio na reserva biológica nascentes da serra do cachimbo, no Pará, em 2013: foram retiradas 2.354 cabeças de gado. (Foto: Virgílio Ferraz | Icmbio)
Há ainda um clima mais do que amistoso com o Tribunal de Contas, para o qual o governador avalizou a indicação de sua mulher, Daniela Barbalho, como conselheira. O ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania) ajuizou ação popular questionando a nomeação, por óbvio nepotismo. Houve suspensão temporária do ato, por decisão judicial, mas o Tribunal de Justiça do Pará em seguida abriu as portas para que a esposa do governador tivesse cargo vitalício. Com salário mensal de 35 mil reais, ela agora vai julgar as contas do próprio marido como conselheira do tribunal.
A defesa da pauta ambiental, retórica contundente em seu segundo mandato, permitiu que o nome de Helder fosse ventilado em rodas da política nacional como opção ao cargo de vice-presidente na chapa de Lula em 2026, caso o petista tente a reeleição e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), decida tentar retornar ao governo de São Paulo. Se o plano não prosperar, a candidatura de Helder ao Senado é dada como certa. “O plano dele, mesmo, é ser presidente do Senado”, arriscou um veterano político paraense.
Em resposta por escrito, Helder disse: “Sinceramente? Este não é um tema para agora. Minha preocupação é entregar ao povo do Pará todos os compromissos que fizemos, e eles não são pequenos, são ambiciosos. O fato de a gente ter conseguido trazer a COP-30 para Belém é uma grande vitória, mas também uma grande responsabilidade”.
Helder e a oligarquia Barbalho estão cada vez mais próximos do presidente Lula, ainda que o governador não tenha trabalhado pela eleição do petista no primeiro turno de 2022, já que a candidata do MDB era Simone Tebet. O irmão de Helder, Jader Filho, virou ministro das Cidades e está à frente das entregas nacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, cujo potencial político-eleitoral é imenso. Jader Filho também preside o MDB do Pará e cuida do contato com os prefeitos do estado. O MDB governa 61 (ou 42%) dos 144 municípios do estado. Considerada a frente política que o apoiou e reelegeu, mais de uma centena de prefeitos está ao lado do governador. A candidatura de Jader Filho à prefeitura de Belém, em 2024, ou ao governo do Pará, em 2026, está no radar do clã Barbalho para enfrentar algum nome forte do bolsonarismo na região.
O elo com Lula intensificou-se em 2022, quando Helder articulou, pelo Consórcio Amazônia Legal, o convite para que o presidente, já eleito, integrasse a comitiva à COP-27, em Sharm el-Sheikh, no Egito. No maior evento climático do planeta, os governadores da Amazônia Legal, liderados por Helder e com apoio de Lula, levaram à ONU a candidatura de Belém à COP-30. Colou.
O prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), tem uma relação de parceria com Helder, sobretudo por causa da COP-30. Na capital, é visto como uma sombra do governador, o que desgosta seus eleitores à esquerda. Nas redes sociais, a população brinca que ele, Helder, é o verdadeiro prefeito. A razão central para a prefeitura orbitar em torno do estado pode ser econômica. Belém não conta com o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) da mineração, que dá ao Pará uma arrecadação privilegiada.
Helder não se envolveu diretamente na eleição da capital, em 2020, mas era estratégico derrotar o candidato bolsonarista, o delegado Everaldo Jorge Martins Eguchi (à época no Patriota e hoje no PL). “Se o prefeito fosse bolsonarista, com a presença do Bolsonaro aqui em Belém, o Zequinha [Marinho, senador bolsonarista] teria ido para o segundo turno [na eleição para o governo do estado, em 2022]”, disse Edmilson Rodrigues em entrevista a SUMAÚMA em seu gabinete, no bairro Nazaré, centro da cidade. “Da mesma forma, se o governador fosse hostil comigo e eu tivesse virado o cavalo do cão, mesmo sendo Belém uma prefeitura pobre, as minhas dificuldades seriam enormes, mas a capacidade de estrago na imagem do estado também seria.”
Segundo Edmilson, o governador sabe que é inadmissível o Pará desmatar mais: “Helder já desistiu do lado radical do agronegócio. Talvez por isso seja positiva, entre aspas, a esquerdização do Helder”. A “esquerdização” à qual o prefeito se refere é a aproximação de Helder a Lula e partidos como PT, PSOL e Rede, uma estratégia para que o governador barre o avanço do bolsonarismo no estado e se movimente em um intrincado xadrez político.
Helder Barbalho e o general Pazuello, ex-ministro da Saúde: o contraponto do governador ao negacionismo bolsonarista na pandemia lhe gerou dividendos políticos. (Foto: Alessandro Falco | Sumaúma)
Desde que Lula foi eleito, o senador Zequinha Marinho (Podemos) tem feito reuniões no Pará em polos de grilagem e desmatamento, como a cidade de Altamira, buscando manter a extrema direita mobilizada até a próxima eleição presidencial. E o ex-ministro de governos do PT Aldo Rebelo (PDT) faz uma cruzada “agromilitar” em todos os estados amazônicos, onde defende o garimpo e se articula com fazendeiros, como mostrou SUMAÚMA.
Helder já planejou sua sucessão. A vice-governadora, Hana Ghassan Tuma (MDB), servidora pública de carreira que carece de carisma político, está sendo preparada para assumir o cargo. Além disso, ela foi nomeada presidente do comitê para a realização da COP. Se não empolgar o eleitorado, o plano poderá seguir com Jader Filho.
Antes de deixar o cargo de ministro da Integração Nacional no governo de Michel Temer, em abril de 2018, Helder chamou a Brasília Ricardo Balestreri, que tinha ocupado o posto de secretário nacional de Segurança Pública no segundo mandato de Lula. Balestreri foi presidente da Anistia Internacional no Brasil e hoje é coordenador de segurança pública e territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper, instituição de ensino superior em São Paulo.
“Helder me chamou a Brasília e me fez uma pergunta: ‘Como é que eu posso transformar a segurança pública do Pará de maneira sustentável?’. Ele disse que a situação era trágica, dramática. E era mesmo. E ele sabia que seria eleito”, contou Balestreri a SUMAÚMA numa tarde de calor sufocante do verão amazônico em Belém, quatro meses depois de ter sido exonerado pelo governador, sem comunicado prévio, do cargo de secretário de Articulação da Cidadania.
Dados divulgados em 2019 mostravam que o Pará ocupava o quarto lugar no ranking nacional de mortes violentas intencionais, conforme o relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De 2014 a 2017, as mortes violentas aumentaram 19,3%. Belém era a terceira capital mais violenta do país, atrás de Rio Branco, no Acre, e Fortaleza, no Ceará. Logo no dia de sua posse, em 1º de janeiro de 2019, Helder teve que lidar com uma chacina. Em menos de 18 minutos, cinco jovens foram executados com tiros à queima-roupa no bairro Cabanagem, na periferia de Belém. No mesmo ano, o governador teve que gerir a maior crise do sistema carcerário depois do massacre do Carandiru: uma rebelião no Centro de Recuperação Regional de Altamira deixou 58 mortos. Num confronto entre facções criminosas, 16 detentos foram decapitados. No dia seguinte, outros quatro presidiários foram assassinados na transferência para Marabá.
Uma das principais explicações para a vitória estrondosa de Helder em 2022, num estado em que Bolsonaro conseguiu 45,25% dos votos e Lula, 54,75%, foi o projeto social Territórios pela Paz (TerPaz) e as chamadas Usinas da Paz, a política pública criada por Balestreri. Os índices de violência e criminalidade nas áreas em que o TerPaz foi implantado tiveram reduções significativas no primeiro governo, o que é considerado, até por oposicionistas, o principal acerto de Helder. Hoje o governador tenta vender as Usinas da Paz ao governo federal e a administrações estaduais como uma “política social-modelo”.
O problema, porém, são as estatísticas gerais do Pará. Houve queda no número de mortes violentas e intencionais na região Norte, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. Mas não no estado, onde esse número subiu: de 2.964 mortes em 2021 para 2.997 em 2022. Das 50 cidades mais violentas do país, sete estão no Pará: Altamira, Itaituba, Marabá, Paragominas, Parauapebas, Castanhal e Marituba. O Pará ainda é o sexto estado mais violento do Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ou seja, o quadro exige uma ação efetiva do governo.
Ao lado do pai, Jader Barbalho – senador da República e por duas vezes governador do Pará (1983-1987 e 1991-1994) –, e da mãe, Elcione Barbalho – no sétimo mandato como deputada federal –, Helder assumiu o primeiro mandato consciente de que precisaria criar uma marca própria e se distanciar do passado paterno, associado à corrupção. Apostou na segurança pública e teve que prometer “honestidade e transparência”.
Jader, o patriarca da oligarquia Barbalho, foi condenado em 2013 a devolver mais de 2 milhões de reais que teriam sido desviados da antiga Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). No Supremo Tribunal Federal tramitaram ações penais contra ele por apropriação indevida de recursos do Banpará e por desapropriação de terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na década de 1980. O caso do Banpará chegou ao STF pela primeira vez em 1984 e teve idas e vindas. Em 2015, o Supremo arquivou três ações contra Jader, por prescrição. Outros casos também prescreveram após o senador completar 70 anos. Em resumo: não houve julgamento em instância superior. Jader sempre negou as acusações, mas no Pará esta frase é popular: “Nunca dê a chave do cofre a um Barbalho”.
Em paralelo à promessa de honestidade, Helder anunciou, na primeira posse, que criaria a Secretaria de Cidadania, levando todos os órgãos do governo às áreas mais violentas do estado. Era esse o projeto que Balestreri conduziria. “Entramos primeiro com a polícia protetiva, entrar para ficar, e criamos a ambiência para entrar depois com todo o bloco de secretarias.”
A saída de Balestreri do cargo ocorreu por questões políticas. Helder colocou no lugar dele um primo, Igor Normando (Podemos), por ora o nome escolhido pelos Barbalho para ser candidato à prefeitura de Belém em 2024. O flagrante uso político do programa pelo novo secretário já causa desconforto entre servidores e a área técnica do projeto. O governador poderá desistir da candidatura do parente caso enxergue que seu cartão de visita na área social corre riscos.
Helder Barbalho é genérico quando instado a responder sobre como gestou a candidatura de Belém à COP: “O mundo sempre discutiu a Amazônia e a sua importância no equilíbrio do planeta, mas pouco se conheceu de fato sobre os desafios de viver e se desenvolver na Amazônia. Nada mais justo que tentássemos trazer o maior evento geopolítico do planeta para cá, de forma que pudéssemos sentir como a floresta pode ser um ativo nessa luta contra as mudanças climáticas”. A resposta aponta ao menos duas direções: a floresta vista como mercadoria/ativo econômico e a alusão à ideia de que sua proteção não pode impedir o desenvolvimento. A primeira é muito popular entre investidores do Sudeste do Brasil e de outros países; a segunda, difundida entre as elites econômicas extrativas da Amazônia, que costumam justificar a depredação do bioma como “desenvolvimento”.
Indagado se acredita em um novo paradigma em que a extração mineral e o garimpo deixarão de ser protagonistas no Pará, Helder afirma que seu governo nada tem contra o “garimpo feito dentro das leis, das regras e da responsabilidade”, mas que “o garimpo ilegal nós não toleramos”. De janeiro a junho deste ano, o Pará arrecadou 565,2 milhões de reais com a cobrança de ICMS do setor da mineração (quase 6% da arrecadação global do imposto no estado), segundo dados do Portal da Transparência estadual.
Operação contra o garimpo ilegal conduzida pelo Ibama na terra indígena de Kayapó. (Foto: Ascom | Ibama)
O relacionamento do governo do Pará com a mineradora transnacional Vale, responsável pelas duas maiores catástrofes ambientais da história do Brasil, Mariana e Brumadinho, é um capítulo à parte. A Vale, ao lado da Hydro (multinacional norueguesa que produz alumínio), financiou a construção das Usinas da Paz, o projeto social que alavancou a imagem de Helder. Cada unidade teve custo médio estimado em 35 milhões de reais, afirma Balestreri. Nove delas já foram construídas e estão em atividade. O governador anunciou, em maio, a meta de implantar outras 40 no estado. “O governador é um homem pé no chão. Ele trabalha com a lógica de que estamos inseridos num sistema capitalista e o segmento da mineração vai ter primazia. A riqueza do Pará se deve em grande parte à mineração”, sintetiza Balestreri, o pai das Usinas da Paz.
Com esse raciocínio, Helder cobra, sem constrangimento, investimentos da Vale e de outras empresas nos projetos do governo. “A Vale está no Pará há quase 40 anos. Suas operações existem e continuarão a existir, o governo do estado fazendo parcerias ou não”, escreveu ele a SUMAÚMA. “Nada mais justo do que ela pegar parte de seus enormes lucros e aplicar em benefícios para o povo paraense, devolver um pouco da enorme riqueza que leva daqui.”
A Vale, além do financiamento das Usinas da Paz, já anunciou a injeção de pelo menos 670 milhões de reais em obras para a COP-30, como mostrou SUMAÚMA. Para justificar por que aceita como fato consumado a exploração predatória contínua de uma das mais notórias destruidoras da floresta no estado do Pará, desde que ela continue financiando obras e projetos de seu governo, Helder Barbalho recorre a um malabarismo retórico: “Estamos usando o recurso da parceria com a Vale para diminuir a dependência econômica de um modelo baseado na mineração e no agro. Uma economia mais verde. Nada disso significa que vamos baixar a guarda no que diz respeito à obediência às leis e regras da mineração legal”.
Em maio de 2021, a Assembleia Legislativa do Pará instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Vale. A classe política parece estabelecer um relacionamento intimidatório com a transnacional para que continue a sugar a floresta e mantenha no estado o maior complexo minerador do Brasil. Como resultado da CPI, a Vale assinou um acordo de contrapartidas de aproximadamente 3 bilhões de reais, que ajudariam a financiar a Ferrovia do Pará, um hospital regional, novas Usinas da Paz e um Polo Metal Mecânico em Marabá.
Helder admite que a economia do Pará “está baseada em dois pilares: mineração e agro”. Mas diz que é preciso ter alternativas econômicas “sustentáveis”. Para o governador, “não é justo que os países ricos amarrem a regulamentação do mercado de carbono ao mesmo tempo que falam de preservação da Amazônia”. E continua: “Por isso é fundamental que eles venham aqui conhecer o lugar de que falam tanto. Ver que aqui moram mais de 25 milhões de brasileiros, que precisam de renda e desenvolvimento social. É crucial regular o mercado de baixo carbono de uma vez por todas”. Será “muito frustrante”, complementa, se a regulamentação do mercado de carbono não sair até a COP-30.
Defensor da mineração, Helder Barbalho participa de evento com a Hydro, em Bacarena, em 2020, ainda na pandemia. (Foto: Marcos Santos | Agência Pará)
Nesse tema controverso, o governador conta com um aliado e porta-voz estratégico no Congresso: o próprio pai. Jader Barbalho é autor de um projeto de lei para regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) no Brasil. O assunto gera tanto interesse em Brasília que houve a fusão de várias proposições de parlamentares, que passaram a tramitar em conjunto, agora sob a avaliação da Comissão de Meio Ambiente do Senado.
O patriarca da oligarquia Barbalho cita o Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), do Pará, como exemplo de visão estratégica de longo prazo para reduzir as emissões. Até 2030, as emissões deverão cair 37%. O governador já mencionou a possibilidade de elevar a meta para 43% até 2035. Procurado por intermédio de sua assessoria, Jader foi mais um que não respondeu ao pedido de entrevista de SUMAÚMA.
O Plano Amazônia Agora, instituído em 2020, está ancorado na Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, explica Gabriela Savian, diretora adjunta de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que trabalha em parceria com o governo do Pará: “O Amazônia Agora é uma revisão do Plano Estadual de Prevenção, Controle e Alternativas ao Desmatamento, criado lá atrás [2009], só que com uma outra perspectiva, não só de combate ao desmatamento, mas também de desenvolvimento econômico”.
Helder Barbalho lançou o Amazônia Agora em Madrid, num evento paralelo da COP-25. Foi um contraponto à agenda antiambiental de Bolsonaro. O plano, visto com bons olhos por atores internacionais, estabelece que, em 2036, o Pará atingirá a neutralidade de carbono. O conceito significa que é preciso encontrar um equilíbrio entre o que se emite de gases causadores do efeito estufa e o que os sistemas naturais absorvem de CO2. O problema é que esse modelo da neutralidade traz consigo a lógica de que um grande emissor de gases, por exemplo, não necessariamente reduzirá suas emissões; ele poderá compensá-las ou reduzi-las em parte, mas não radicalmente.
O Pará sairia na frente se desse prioridade a um programa para o pagamento de serviços ambientais, remunerando as comunidades indígenas, de assentamentos extrativistas e de desenvolvimento sustentável que realmente ajudam a manter a floresta em pé, afirma Brenda Brito, pesquisadora associada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e doutora em ciência do direito pela Universidade Stanford (EUA). Até 2021 o Pará era o estado brasileiro que mais desmatava e mais emitia gases do efeito estufa, recorda Brenda. As metas do Plano Estadual Amazônia Agora, diz ela, são hoje insuficientes, sob o ponto de vista científico, e tímidas diante do compromisso do governo federal de atingir o desmatamento zero em 2030. “Como é que vamos ter desmatamento zero se o Pará diz que, sozinho, vai desmatar 1.500 quilômetros quadrados até 2030?”, questiona.
A Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, afirma Gabriela Savian, prevê redução média de 6% do desmatamento de 2019 a 2036: “É uma redução gradual até se alcançar a neutralidade climática”. Gabriela admite que o ideal seria “barrar imediatamente o desmatamento”, mas isso só ocorrerá, segundo ela, quando houver uma transição que “permita que a população encontre outras formas de economia que não seja aquela mais devastadora, por soja ou agropecuária, ou pela própria degradação da floresta”.
“No último ano reduzimos em 21% o desmatamento e neste ano estamos trabalhando para também reduzir de forma significativa em relação ao último ano”, prometeu Helder. Os dados que ele cita são do projeto Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que mede o desmatamento no Brasil.
A Lei de Terras do Pará, que teve tramitação e aprovação relâmpagos na Assembleia Legislativa, é outro aspecto polêmico na gestão de Helder que pode ter impactos negativos no desmatamento, na visão de ambientalistas. Quando foi aprovada, em 2019, cerca de 60 instituições da sociedade civil se organizaram para pedir o veto da legislação ao governador. O temor era que a lei desse terra a grileiros ou a desmatadores, pois as travas e o controle social para evitar que isso acontecesse eram frágeis e não havia garantias de que a Constituição seria obedecida. Ou seja, não havia certeza de que a destinação de terras públicas e devolutas obedeceria a critérios hierárquicos que privilegiam territórios indígenas, quilombolas e tradicionais.
Um ano depois da aprovação da lei, quando o governo de Helder elaborou o decreto que a regulamentaria, algumas sugestões da sociedade civil foram incorporadas. Mas há especialistas que ainda criticam a falta de transparência sobre quem compra terra pública do estado e para quê.
Em março deste ano, Eliane Moreira, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, e Ana Carolina Haliuc Bragança, procuradora da República no Amazonas, escreveram um artigo, na plataforma JOTA, em que mostram, com argumentos técnicos, como as políticas públicas fundiárias e ambientais sob Helder Barbalho estão favorecendo a grilagem de terras públicas. “Temos assistido à composição de políticas públicas fundiárias, engendradas a partir de um arsenal legislativo, administrativo e judicial, que tem caminhado no sentido de privilegiar a destinação de terras públicas a particulares e até mesmo convalidar ocupações ilegais ou não autorizadas pelo poder público”, alertaram.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Imazon pediu ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) os dados de quem está recebendo títulos e os arquivos dos mapas desses imóveis (shapes). A lista com o nome das pessoas foi fornecida, mas não os mapas, o que dificulta o controle social e o monitoramento dos processos de regularização fundiária. SUMAÚMA solicitou uma entrevista ao Iterpa, mas também não obteve resposta. O mesmo ocorreu na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará.
Helder Barbalho criou a Secretaria dos Povos Indígenas no segundo mandato, depois de Lula criar o Ministério dos Povos Indígenas. “A gente tem feito um trabalho de reflorestar as mentes do estado, institucionalmente”, disse a secretária de Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé, que enviou áudio a SUMAÚMA após alegar que sua agenda inviabilizaria uma entrevista. A indicação de Puyr está longe de significar a pacificação entre os indígenas e o governo do Pará.
Puyr Tembé, secretária dos Povos Indígenas do Governo do Estado. (Foto: David Alves | Agência Pará)
“A gente vê o crescimento das plantações de soja, a gente vê tantas madeiras retiradas da floresta, a gente vê o garimpo, que cada vez avança mais. E agora a gente vê os projetos e como tudo isso vai afetar a todos nós”, denunciou uma liderança que terá a identidade protegida por já ter sofrido atentados contra sua vida e ser alvo constante de ameaças de morte por parte de grileiros e chefes de garimpos ilegais. “Não existe consulta aos povos indígenas. O que está havendo é a conversa com algumas lideranças em Belém. Não tem uma conversa na base, com o povo que sofre com falta de água, com invasão do garimpo, com água contaminada por garimpo, com contaminação por agrotóxicos, que sofre porque não tem políticas públicas nas comunidades.”
A secretária dos Povos Indígenas admite que há “um problemaço bem desafiador, que é o garimpo nas terras indígenas, o desmatamento, a grilagem, que tira a paz dos territórios, dos povos indígenas, e tira a paz inclusive de quem governa”.
Lideranças indígenas assistem com apreensão ao avanço da Ferrovia do Pará, projeto visto como prioritário pelo governo do estado e que vai ligar Marabá ao porto de Vila do Conde, em Barcarena, região já fortemente atingida pelas atividades mineradoras da norueguesa Hydro. Em abril, o governador assinou em Pequim um memorando de entendimento com a maior construtora chinesa (Communications Construction Company) e a Vale para a realização da obra. Outros temores dos indígenas são as consequências dos projetos de construção de 44 grandes hidrelétricas na bacia do Tapajós e da Ferrogrão, ferrovia que ligaria o Pará a Mato Grosso.
Ferrovia em Canaã dos Carajás, no estado do Pará: comunidades indígenas se preocupam com grandes obras na região. (Foto: Ricardo Teles | Agência Pará)
“Tem essa promessa de juntar desenvolvimento com sustentabilidade. Mas, para nós, isso não existe”, diz essa liderança indígena ameaçada de morte. “Se não tiver o envolvimento dos povos indígenas, das crianças, dos caciques e das mulheres, para nós isso não importa.” Para esse líder, faltam ao governo de Helder “sensibilidade, abertura ao diálogo, escuta e compreensão da realidade”.
Entre as muitas contradições e desafios que Helder Barbalho enfrenta no Pará, o mais recente e preocupante é a nova dinâmica da criminalidade que se espalha no Norte e Nordeste do Brasil. Regiões da floresta amazônica passaram a “ser parte de fenômenos criminais surpreendentes, que envolvem desde facções de drogas famosas no Sudeste até microcriminalidades como roubos de motos, furtos de celulares, disputas simbólicas por mando territorial, combinadas com presença de arma de fogo e violências interpessoais”, destaca o relatório de 2023 produzido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Aldeias indígenas e populações tradicionais são as maiores vítimas desse fenômeno que atinge em cheio a Amazônia, aponta o estudo. No Pará é mais evidente a conexão do crime organizado com os crimes ambientais, alerta Aiala Colares, geógrafo especialista em planejamento urbano e desenvolvimento socioambiental.
“A fixação das facções criminosas não se deu apenas pela dinâmica do tráfico de drogas, mas também pela exploração ilegal de madeira, contrabando de manganês e cassiterita, grilagem de terras e avanço do garimpo ilegal em terras indígenas no Vale do rio Tapajós”, diz Colares. O desmatamento criminoso e o garimpo têm elos com trabalho análogo à escravidão, violência contra as mulheres, exploração sexual e narcotráfico. Os crimes ambientais estão sendo incorporados aos crimes do tráfico de drogas na região, afirma.
Não há mais tempo para negociações sobre ações concretas para preservar as florestas tropicais, como reconhece o próprio governador a SUMAÚMA. O tempo escasso ao qual se refere poderá ser inimigo de suas próprias pretensões políticas futuras. Para preservar o feudo de poder da família na corda bamba em que se equilibra, já é evidente a tentação de repetir políticas fisiológicas do passado, que nada têm a ver com a imagem progressista de político “sustentável” que o governador tenta vender ao Brasil e ao mundo. Helder Barbalho ainda não fez uma opção clara pela floresta e pelos povos que a mantêm em pé, muitas vezes à custa da própria vida. O principal herdeiro político da oligarquia corre o risco de assistir ao fim do seu reinado: não por inabilidade política, mas pela resposta da natureza num planeta em mutação climática cujo futuro próximo depende da conservação da Amazônia.
Desmatamento na terra indígena Alto Rio Guamá, no Pará, para comércio de madeira, um registro recorrente na região. (Foto: Victor Moriyama | Greenpeace)