A imagem que Lula negou a Raoni

Foto: Tânia Rego | Agência Brasil

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03 Agosto 2023

"Ao não corresponder ao gesto da maior liderança indígena do Brasil, o presidente sinaliza o tamanho da pressão do Congresso anti-indígena", escreve Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista, em artigo publicado por El país, 02-08-2023.

Eis o artigo.

Na política, os gestos importam. Entre os dias 24 e 28 de julho, os mais quentes registrados no planeta em 120 mil anos, o maior líder indígena do Brasil, Raoni Metuktire, recebeu na Amazônia, na aldeia de seu povo, os Mebêngôkre-Kayapó, representantes de 54 povos originários dos seis biomas do país. Eles haviam atendido ao chamado para um “encontro dos líderes guardiões da Mãe Terra”, uma demonstração de união no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E também uma prova para saber se o político, em seu terceiro mandato, está sendo sincero em relação à proteção da maior floresta tropical do mundo e destes povos.

No dia 1º de janeiro, na posse de Lula, Raoni subiu a rampa do Palácio do Planalto com o presidente, um sinal de apoio bem difícil para o ancião. No segundo mandato de Lula (2007-2010), Raoni e a maioria dos líderes indígenas se sentiram traídos quando o então presidente decidiu construir a desastrosa hidrelétrica central de Belo Monte, apesar de todos os protestos dos dois povos da selva amazônica. Foi um voto de confiança. Mais um. Cuidadosamente planejada, a imagem de Raoni e Lula, ao lado de outros representantes de minorias massacradas durante o governo de seu antecessor, serviu para mostrar que o país brutalizado pelo extremista de direita Jair Bolsonaro voltava não apenas à democracia como também à civilidade.

Lula, porém, não retribuiu o gesto. Em 26 de julho, o presidente foi submetido a um procedimento paliativo para aliviar uma dor no quadril que causa osteoartrite. A expectativa é que até o fim do ano seja realizada uma intervenção cirúrgica para solucionar o problema. Como explica o próprio Lula, faz um tempo que ele convive como esta dor. Mas escolheu justamente a histórica semana de Raoni para realizar o procedimento.

É difícil criticar as alegações de problemas de saúde que parecem insensíveis ou desumanas, principalmente quando se trata de um presidente de 77 anos. Mas Raoni, que supostamente tem 91 anos — sua identidade é incerta —, não aceitou as desculpas. Nesse mesmo dia, enviou a seguinte mensagem para ele: “Não sou criança, somos da mesma geração, somos adultos, antes de ficarmos muito velhos, temos que falar sobre terras indígenas para que garimpeiros e madeireiros não não as invadam. É por isso que você tem que vir".

Mas Lula não enviou ministros não indígenas de seu governo para a aldeia. A única era Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, uma presença óbvia. Tudo começou quando, no último dia do encontro, 28 de julho, Lula publicou em suas redes sociais uma foto como padrinho do casamento do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues. O senador, que se destacou como político “ecologista”, foi o que mais surpreender há alguns meses, ao atacar a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, e defendeu a exploração de petróleo na região do rio Amazonas.

Assediado por um Congresso hostil, formado em grande parte por destruidores da natureza, Lula deu a Rodrigues a imagem que negava a Raoni. Estamos apenas na primeira metade do primeiro ano de governo. Significativo.

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