03 Mai 2023
Eram esperadas 13 homologações, mas presidente afirma que processo é “demorado”; duas são da Amazônia, TI Arara do Rio Amônia (AC) e TI Uneiuxi (AM).
A reportagem é de Cristina Ávila, publicada por Amazônia Real, 28-04-2023.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou a homologação de seis Terras Indígenas nesta sexta-feira (28), último dia do Acampamento Terra Livre (ATL). A maioria deles aguardava há pelo menos 10 anos pela assinatura de um presidente da República. A que aguardava mais tempo era a TI Avá-Canoeiro, em Goiás, cuja portaria declaratória é de 1996. Oficialmente, há 13 territórios aguardando a homologação. Em nota divulgada nas redes sociais, onde elogia a iniciativa do presidente, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) destacou que ainda faltam sete e que cerca de 600 estão pendentes de demarcação.
As outras são TI Arara do Rio Amônia (AC), com portaria declaratória do ano de 2009, TI Kariri-Xocó (AL), com portaria de 2006, TI Rio dos Índios (RS), portaria declaratória de 2004, TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), com portaria declaratória de 2015, e TI Uneiuxi (AM), com portaria de 2006.
“Mas são 1.393 territórios reivindicados pelos povos indígenas. Não vamos parar até conquistar cada um deles. Com o governo democrático, temos a certeza que nossa luta trará mais conquistas, porque lutamos também pela proteção de nossos biomas. Pela desintrusão dos nossos territórios”, diz a Apib, em sua conta no Twitter.
Entre os que aguardam que o processo de demarcação chegue está o povo Manoki, da Terra Indígena Manoki Irantxe, no Mato Grosso. Tipuici Manoki, liderança que esteve presente no ATL, realizado desde 2004 em Brasília, profetizou um futuro pessimista. “Quando a homologação chegar, nossa terra estará devastada. Ela está sendo loteada por fazendeiros, com ruas mostradas em mapas de georreferenciamento. Neste momento, fazendeiros estão lá plantando, criando gado e tirando madeira”, afirmou Tipuici Manoki da TI Manoki Irantxe, município de Brasnorte, a noroeste de Mato Grosso.As primeiras palavras do presidente Lula, que chegou ao ATL por volta das 10 horas, foram respostas para esse sentimento que preocupa indígenas de todo o Brasil. “Não quero deixar uma Terra Indígena sem estar demarcada. Vamos fazer em quatro anos mais do que fizemos em oito”, prometeu o presidente, que não explicou por que homologou apenas seis TIs. Dirigindo-se à plenária, ele pediu paciência. “Vamos fazer tudo o que falamos na campanha. Mas é um processo demorado, feito a muitas mãos.”
Após o presidente se retirar com a primeira-dama Janja, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, deu uma rápida entrevista cuja sonora foi retransmitida em todo o acampamento. “Acreditamos que até o final do ano sejam homologadas outras áreas”, disse.
Ainda durante o governo de transição, foram anunciadas 13 terras indígenas prontas para homologação, e a expectativa era que isso acontecesse no início de governo. Neste ano, o tema do ATL é “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”.
Durante os dias de ATL, o líder Megaron Txucarramãe também demonstrou preocupação com as iniciativas do governo federal. “A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o Ministério do Povos Indígenas ainda vão enfrentar muitas resistências”, comentou ele com a Amazônia Real. Sobrinho de Raoni Metuktire, ele e o tio são lideranças fundamentais na organização indígena, e tiveram importante participação nas negociações da Assembleia Nacional Constituinte (1987/88).
Lula com Cacique Raoni durante o ATL 2023 (Foto: Ricardo Stukcert | PR)
“Ainda enfrentamos muitas ameaças bolsonaristas”, continuou. Ele calcula que a garantia de territórios e proteção contra garimpos ilegais de fato não acontecerão antes de “um ou dois anos”. E enfatizou a necessidade de recursos para a Funai e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O tio, que subiu a rampa na posse de Lula e o apoiou em todas as campanhas presidenciais esteve nesta sexta-feira novamente no palanque com ele, disse na plenária que cobrou a vigilância dos territórios, além de recursos pra saúde e para que os próprios indígenas defendam seus direitos nas estruturas de governo.
Lula disse que vai cumprir o compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia, “pra isso vamos precisar de vocês”. Enquanto falava, se ouviam gritos de “plano de carreira, plano de carreira”, e o presidente respondeu: “Precisamos cuidar do plano de carreira (dos servidores) da Funai, que é um dos piores da estrutura de governo do país”.
A questão territorial trouxe a Brasília a maior comitiva de indígenas Xokleng da história dos ATL. Eles vieram em três ônibus, cada um com cerca de 40 pessoas, da TI Ibirama-La Klãnõ, que é objeto de julgamento do marco temporal, com repercussão geral para todas os territórios indígenas do País. E se organizam para voltar para o julgamento que retorna à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) em 7 de junho.
“Nossa terra estava em fase de demarcação e o processo parou há 32 anos”, relata o cacique Woia Xokleng. A TI Ibirama-La Klãnõ sofreu diversos processos judiciais ao longo dos anos, até o governo de Santa Catarina usar como um dos argumentos a tese do marco temporal em seu pedido de reintegração de posse contra os indígenas, justificando assim que somente teriam direito à demarcação de territórios os povos que os ocupassem ou disputassem, física ou judicialmente, antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Os Xokleng fizeram vigília na frente do STF na terça-feira (25). “Esse ato é para que outros povos saibam quem somos”, disse o cacique Woia, que pretende levar o maior número possível de representantes dos povos originários para manifestações em junho. Ele disse que, com outras lideranças, os Xokleng estiveram vários dias das semanas que antecederam o ATL com ministros do Supremo e que a data do julgamento foi uma resposta ao movimento indígena.
O presidente Lula fez vários anúncios que animaram a plenária do ATL, que o recebeu com gritos de “Lula lá”. Entre eles a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que institui o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, uma das reivindicações dos povos para a recuperação, conservação e uso sustentável de recursos naturais.
Lula enfatizou que “a população indígena dobrou” nos últimos anos e assim cresceram também as demandas por territórios demarcados e por recursos para áreas como saúde e educação.
“A Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente) sabe que não queremos transformar a Amazônia em um santuário, pois é habitada por 25 milhões de pessoas que precisam comer e ter acesso a benefícios. Para isso precisamos estudar a riqueza das florestas, ecossistemas e biodiversidade. Temos que achar um jeito de produzir para viver com dignidade. E isso vai acontecer no nosso governo”, prometeu Lula.
O presidente enfatizou que no Brasil existem 30 milhões de hectares de terras degradadas que podem ser recuperadas para produção agrícola, “sem precisar derrubar nossa floresta e contaminar nossas águas”.
Lula ressaltou a necessidade de construir nova narrativa, que contraponha mentiras de que 14% de TIs são “exagero” para os povos originários. Disse que o respeito ao território é essencial para a sobrevivência física e cultural dessas populações. O presidente contou sua indignação com a situação de fome dos Yanomami, que viu em janeiro, em Roraima. “Pessoas que não podiam se levantar por causa da fome.”
Com terras já demarcadas, os Munduruku da região do Alto Tapajós, município de Jacareacanga, estiveram no ATL com cerca de 30 pessoas, “em busca de segurança no território”. O cacique Francinildo Kaba Munduruku disse que seu povo tem conquistas importantes, mas que precisa recursos para a fiscalização do território, que tem limites onde somente se chega por meio de aeronave, sem acesso inclusive por barcos.
Segundo o cacique, por meio da Associação Pusuru, que significa andorinha e foi escolhido devido à organização dessas aves, desde sua criação em 1991 já contam com muitas conquistas, mas os Munduruku esperam do governo federal recursos para a recuperação de áreas destruídas por garimpos e em seu lugar fazer plantios de açaí, castanha e buriti. “Coisas que sirvam pra comer.” Eles pretendem ter projetos agroflorestais para melhoria da alimentação e estão interessados em saber se vale a pena a venda de créditos de carbono.
Francinildo Kaba também se queixa de problemas de saúde. Ele conta que os Munduruku do Alto Tapajós perderam oito caciques na pandemia da Covid-19, antes das vacinações. E que atualmente há muitos acometidos “de diabetes, pressão alta, porque comem coisas de branco, e doenças como malária e gripe”.
A programação da ATL contou com mais de 30 atividades divididas que aconteceram em uma plenária principal. Mas com diversos eventos paralelos como lançamento de livros, noites culturais e marchas até o Congresso, em protesto contra projetos anti-indígenas em tramitação, entre eles o PL 191/2020, de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, para abertura dos territórios tradicionais à mineração, além de outros projetos que regularizam invasões. Os principais assuntos debatidos foram sobre emergências climáticas, situação de indígenas em contexto urbano, proteção a povos isolados, por exemplo.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) realizou plenárias paralelas durante o ATL. Entre elas uma específica para “Mulheres Indígenas da Amazônia”, que reuniu lideranças femininas da região.
Durante esse evento, Tipuici Manoki andava com a réplica de uma placa de demarcação em tecido, que ressaltava a necessidade da proteção de seu próprio território, em Mato Grosso. “Guardo desde 2021, quando a Coiab a criou para chamar a atenção para os 400 territórios que esperavam por definição”.
Reclamando a demora nas definições do governo federal para os territórios da Amazônia, Tipuico afirma que na região da TI Manoki Irantxe, na bacia do Juruena, tem 170 usinas hidrelétricas projetadas, em diferentes fases, desde pedidos de viabilidade e algumas já licenciadas. Segundo ela, 10 etnias vivem nesta bacia hidrográfica. E os desmatamentos continuam. “Fizemos comparações de mapas de georreferenciamento de 2010 e de hoje e vimos que apenas 30% do nosso território está intacto.
“O desmatamento é nossa principal preocupação. Já existem pedidos de mineração nas margens do rio do Sangue, que banha a TI Manoki Irantxe. E os fazendeiros não param. Nossa preocupação é ter um território homologado, mas totalmente devastado’, contou.
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Lula homologa seis Terras Indígenas, mas lideranças cobram mais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU