18 Mai 2012
"Algo está errado: temos a 3ª população carcerária, e só 8% dos homicídios esclarecidos. Um dos erros foi reproduzir o modelo do Exército na polícia", escrevem Luiz Eduardo Soares, antropólogo, e Ricardo Balestreri, educador especializado em direitos humanos, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 18-05-2012.
Segundo eles, é "inadiável a inclusão da reforma institucional da segurança pública na agenda política, em nome, sobretudo, da vida, mais do que partidos e eleições".
Eis o artigo.
A situação da segurança pública no país permanece grave, a despeito de respeitáveis esforços pontuais. Aconteceram avanços regionais, mas o resultado nacional segue inalterado, pois os problemas se disseminaram para o interior e a insegurança cresceu em algumas regiões.
Os cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano tornam o Brasil o segundo país mais violento do mundo em números absolutos. Apenas 8% desses casos são esclarecidos -ou seja, 92% ficam impunes.
A brutalidade de segmentos da polícia bate recordes. Por outro lado, temos a terceira população carcerária do mundo e a que cresce mais rápido, pois prendemos muito e mal.
Na outra ponta, policiais não são valorizados. Em geral, os salários são insuficientes. As condições de trabalho, inadequadas. A consequência é a adesão ilegal ao segundo emprego na segurança privada informal.
Para evitar o colapso do orçamento público, as autoridades se calam. Preferem conviver com a ilegalidade na base do sistema. Resultado: os turnos de trabalho irracionais não podem ser ajustados; a dupla lealdade obsta a execução das rotinas; a disciplina interna é contaminada pela vinculação com o ilícito; e a impunidade estimula a formação de grupos de interesse cuja expressão extrema são as milícias.
Na raiz dos problemas, está a arquitetura institucional da segurança pública legada pela ditadura, que encontrou abrigo na Constituição.
O artigo 144 atribui grande responsabilidade aos Estados e às suas polícias, cujo ciclo de trabalho é, irracionalmente, dividido entre militares e civis. Ele confere papel apenas coadjuvante à União e esquece os municípios, na contramão do que ocorre com as demais políticas públicas -enquanto isso, as guardas municipais estão em um limbo legal.
As PMs são definidas como força reserva do Exército e forçadas a adotar um modelo organizacional concebido à sua imagem e semelhança.
Ora, sabemos que a boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento de suas funções. Pois a missão das polícias no Estado de Direito é muito diferente daquela conferida ao Exército.
O dever das polícias é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da lei -ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões.
O funcionamento usual das instituições policiais, com presença fardada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dados a variedade e o dinamismo dos problemas, alguns atributos que hoje estão excluídos pela rigidez da organização.
Exemplos: descentralização, flexibilidade no processo decisório (nos limites da legalidade), respeito aos direitos humanos e aos princípios internacionais que regem o uso comedido da força, adaptação às especificidades locais, capacidade de interlocução, mediação e diagnóstico, liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e até mesmo outros setores governamentais.
Idealmente, o policial na esquina é um microgestor da segurança em escala territorial limitada, com ampla comunicação com outras unidades e outras instituições públicas.
Assim, consideramos inadiável a inclusão da reforma institucional da segurança pública na agenda política, em nome, sobretudo, da vida, mais do que partidos e eleições.
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A raiz dos nossos problemas de segurança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU