28 Julho 2023
Abraçadas até o último respiro, a mãe de 30 anos e a filha de 6. Seus corpos foram descobertos dias atrás. Mas aconteceu de novo. Um pai e seu filho, agarrados um ao outro, arrancados da vida pelo árido inferno de areia e pedras. Ao lado da última garrafa de água desesperadamente vazia.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 27-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mesma latitude, mesmo fim. Os acordos Itália-UE-Tunísia têm um efeito visível: por trás de promessas de dinheiro e concessões, Túnis afasta migrantes e refugiados abandonando-os no inferno árido.
O importante é que não tentem chegar às costas europeias. Rejeitados e descartados, sem ao menos uma saída.
"É difícil tirar os olhos dessas cenas de pais que morrem ao lado de seus filhos", comenta o coletivo Refugees Libya. Eles falam de Trípoli e sabem o que significa fazer acordos entre estados sobre suas vidas. “Alguns dias atrás foi a vez de Fati Dosso e Marie, hoje foi a vez de um pai sem rosto, seu filho e outros dois companheiros cujas vidas foram injustamente roubadas”, denunciam. As imagens vêm dos Guardas de Fronteira da Líbia da 19ª Unidade, juntamente com o serviço médico de emergência da Líbia gerido pela linha direta 1412.
Fati e Marie Dosso (Foto: Focus In Africa)
Aqueles migrantes amontoados ao lado da última garrafa de plástico, antes de entrar na Tunísia haviam passado pela Líbia de onde as milícias reorganizaram o fluxo para atender os acordos com Roma, fingindo ter reduzido as saídas de suas costas, mas na realidade tendo deslocado centenas de pessoas para a Tunísia. E agora são as polícias da Líbia que acusam a Tunísia de ter criado mais uma crise humanitária. No entanto, há alguns dias, a Comissão de especialistas da ONU sobre a Líbia acusou novamente as autoridades de Trípoli por cumplicidades diretas no tráfico de seres humanos, inclusive torturas.
Fati Dosso, 30, nasceu na parte ocidental da Costa do Marfim. É assim que se chama a mulher encontrada morta ao lado da filha. O marido, também de 30 anos, apelidado de Pato, vem de Camarões e não está claro se Fati Dosso e Pato se conheceram na Líbia, onde formaram família e deram à luz a pequena Marie, que morreu com a mãe. Pelos testemunhos de seus conhecidos na Líbia foi possível apurar que após várias tentativas de travessia do Mediterrâneo nos últimos anos, a família desistiu e foi para a Tunísia, onde pretendia se estabelecer. Pato estava com a esposa e a pequena Marie quando foram barrados na fronteira entre a Tunísia e a Líbia. Algumas testemunhas contam que o pai teria se afastado em busca de água para a esposa e filha exaustas. Mas ele nunca mais voltou e não se sabe o que aconteceu com ele.
Os guardas de fronteira da Líbia “descobriram 5 corpos não identificados de migrantes ilegais de origem africana durante uma patrulha na área de Dahr al-Khass em Tawilat al-Ratba”, ao longo da fronteira com a Tunísia, lê-se no comunicado do Ministério do Interior de Trípoli. Os corpos “foram entregues às autoridades”, disse uma fonte da guarda de fronteira empenhada na missão de interceptação e resgate no deserto iniciada há dez dias. Trata-se de subsaarianos expulsos pelas autoridades tunisinas que os colocaram, segundo denúncia de Trípoli, em uma zona desabitada perto de Al Assah, cerca de 150 quilômetros a sudoeste de Trípoli. Abandonados sem água, comida ou abrigo em temperaturas superiores a 50 graus, caminharam por quilômetros, penetrando até 15 km em território líbio. Uma equipe da agência de imprensa francesa AFP conseguiu fotografar e filmar vários grupos de jovens e algumas mulheres, sentados ou deitados na areia, tentando abrigar-se debaixo das árvores.
As acusações de Trípoli contra a Tunísia por violações de direitos humanos parecem não levar em conta o que foi denunciado nos últimos dias pela comissão independente da ONU para os direitos humanos na Líbia. No relatório final, os pesquisadores das Nações Unidas acusam justamente a Líbia de fazer aos migrantes o que Túnis ordenou nos últimos dias. As deportações, nesse caso, acontecem no Sudão. "Estamos preocupados com a demora das autoridades líbias em responder aos nossos temores sobre o tráfico de migrantes e refugiados e outras graves violações dos direitos humanos, entre as quais detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, torturas e violências sexuais", declaram os especialistas da ONU. “Migrantes e refugiados, incluindo as vítimas de tráfico, foram trazidos por supostos contrabandistas da fronteira com o Sudão para a localidade de Tazirbu, onde foram detidos e submetidos a graves violações dos direitos humanos, entre as quais torturas, fome forçada e violência sexual. Vídeos de tortura e outros abusos foram enviados às famílias das vítimas pedindo resgate". Mais uma vez no meio do deserto, na terra de ninguém onde não chegam olhares indiscretos que possam ouvir as vozes dos descartados.
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Os migrantes levados para morrer no deserto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU