26 Agosto 2020
Pescadores e operadores do Crescente Vermelho recolhem os cadáveres nas praias perto de Trípoli. A denúncia: quatro massacres em menos de uma semana, mais de 100 mortos e 160 desaparecidos. Levados pela ressaca, os cadáveres são arrastados para as praias perto de Trípoli. Os pescadores e os operadores do Crescente Vermelho misericordiosamente os fecham em sacos plásticos pretos. Também dessa vez foram necessários vários sacos pequenos e brancos. Quatro massacres em menos de uma semana: mais de 100 mortos e outras 160 pessoas desapareceram após o embarque. Enquanto chega um dossiê do Departamento de Estado dos EUA que mais uma vez acusa o governo central de ter feito vista grossa e, não raro, até de cooperar com os traficantes.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 25-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mapa da Líbia. (Foto: Wikipédia)
Sobre o futuro pesa a trégua anunciada há poucos dias. As forças armadas lideradas pelo general Khalifa Haftar, expressão do governo não reconhecido de Tobruk, rejeitaram a proposta de cessar-fogo. Um anúncio que soa como um acerto de contas interno, entre o parlamento de Tobruk, que aceitou a proposta de transição para as eleições apresentada pelo governo reconhecido de Trípoli, e o general para o qual parece não haver futuro como líder conforme ele pretendia. Na incerteza, milícias e traficantes continuam como de costume.
“O primeiro desastre, que ocorreu entre os dias 16 e 17 de agosto – denuncia o Alarm Phone – não foi apenas um naufrágio. Pessoas foram baleadas por um grupo de 5 homens e seu barco pegou fogo: 45 foram mortos. Aqueles que sobreviveram só estão vivos porque um pescador local os salvou”.
O segundo ocorreu apenas um dia depois. Eles haviam ligado para a linha de emergência de um bote branco. Os voluntários ouviram uma explosão, que depois se revelou ser a de um tubular que não resistiu à força do mar. Mais uma vez foi um barco pesqueiro líbio que recolheu os 65 que ainda estavam à tona, mas 30 não conseguiram. O terceiro caso seria na verdade de alguns dias anteriores. Foi sinalizado o que parece ser o único sobrevivente, trazido a bordo por um pescador. De acordo com seu depoimento em 15 de agosto, o barco afundou logo após ter zarpado. No momento da partida, eram 40.
O último incidente ocorreu em 18 de agosto, o único que não teve nada a ver com a Líbia: 18 pessoas haviam saído de Jdareya, na Tunísia, não muito longe de Zarzis, quando o barco virou e 3 migrantes afogaram-se antes que a Guarda Costeira resgatasse os demais. “Temos que nos apressar, já é um massacre”, repetem as equipes de resgate da Open Arms e Mediterranea, que se preparam para partir para aquele mar onde já estão em ação os ativistas da Sea Watch e do barco-patrulha civil Louise Michelle. A sua intervenção permitiu resgatar cerca de 200 pessoas em três intervenções distintas.
Mapa de Ilhas, Itália (Foto: Wikimedia Commons)
E em breve o cabo-de-guerra entre Malta e a Itália começará novamente para obter um porto de desembarque. Enquanto isso, ninguém está buscando os assassinos. As promessas de investigações e prisões na Líbia contra traficantes se revelaram um fracasso. Há poucos dias, o Departamento de Estado dos EUA concluiu seu relatório anual sobre o tráfico de pessoas no mundo. “O governo de Trípoli – lê-se no duro capítulo sobre a Líbia – não informou se processou ou sentenciou pessoas envolvidas na investigação de 205 supostos traficantes iniciada pela Procuradoria Geral”. E embora seja verdade que "os observadores internacionais continuaram a relatar a cumplicidade de funcionários do governo envolvidos em operações de tráfico humano e contrabando de migrantes, incluindo funcionários da Guarda Costeira da Líbia, funcionários da imigração, funcionários da segurança, funcionários do Ministério da Defesa, membros de grupos armados formalmente integrados em instituições estatais", agora está estabelecido que "vários grupos armados, milícias e redes criminosas se infiltraram nas fileiras administrativas do governo e abusaram de suas posições para se envolver em atividades ilegais, incluindo o tráfico de seres humanos".
Segundo funcionários do Departamento dos EUA, “algumas unidades da Guarda Costeira da Líbia (Lcg), sob a autoridade do Ministério da Defesa, são presumivelmente formadas por ex-traficantes e contrabandistas de pessoas”. Em particular, também durante 2019, período a que se refere o dossiê, "a unidade da guarda costeira líbia (Lcg) da cidade de Zawiyah continuou a ter amplas ligações com o líder da milícia da Brigada dos Mártires al-Nasr, conhecida por cometer violações contra os direitos humanos, que dirigia o Centro de Detenção de Migrantes de Zawiyah”. Trata-se da milícia a que pertence o comandante al-Milad, conhecido como Bija. “Os membros da milícia que dirigem o centro de detenção – continua o dossiê – abusaram fisicamente dos migrantes detidos e venderam algumas mulheres migrantes para escravidão sexual. No final de 2019, o centro foi transformado em um quartel do exército para as milícias, colocando ainda mais em risco os imigrantes detidos e as vítimas do tráfico”.
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Um rastro de morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU