08 Março 2023
"O inimigo será sempre o elo mais fraco da sociedade, neste caso os migrantes 'informais' de origem subsaariana. Assim como não será acidental a pressão da Itália por um maior 'controle' dos movimentos migratórios em direção ao Bel Paese. Tudo verdade e, no entanto, nas palavras do Presidente da Tunísia, existe o mesmo princípio que existe e opera do outro lado do Mediterrâneo. O 'mundo novo' que o presidente espera assemelha-se àquele que a política italiana, a seu modo, aplica com determinação e, infelizmente, mortal coerência. A ditadura do capitalismo financeiro e do mercado global é o apartheid", escreve Mauro Armanino, missionário, doutor em antropologia cultural e etnologia, em artigo publicado por Avvenire, 07-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Imigrantes e refugiados que morreram abandonados e afogados nas costas italianas não são uma simples fatalidade do destino. Eles não são uma nota post-scriptum ao livro que, assim que é impresso, já faz parte do retorno para o futuro. O admirável mundo novo é o título de um romance distópico de ficção científica escrito em 1932 pelo escritor inglês Aldous Huxley. Visto do distante Sahel, o que aconteceu na costa do mar Mediterrâneo revela o horror do "mundo novo" esboçado por Huxley em suas famosas páginas.
Que país, que condado, que política, que traição foram tornados possíveis quando, apenas poucos meses atrás, a Primeira-Ministra convidava os cidadãos italianos a fazerem o presépio por ocasião da festa de Natal. Como foi possível, no cerne da civilização ocidental, amplamente marcada por dois mil anos de antropologia humanística, condenar à morte inocentes como crianças? Os caixões enfileirados e, ironia da hipocrisia, enfeitados com uma coroa de flores, marcam a colocação no caixão da nossa política.
Num acontecimento não aleatório, quase contemporâneo, o presidente da vizinha Tunísia, Kais Saied, levantou-se contra as "hordas" de migrantes da África subsaariana presentes no país, acusando-os de serem instrumentos nas mãos de quem quer transformar a identidade árabe-muçulmana do país. Certamente encontrar um bode expiatório para a crise econômica e política na Tunísia não é algo inédito.
O inimigo será sempre o elo mais fraco da sociedade, neste caso os migrantes "informais" de origem subsaariana. Assim como não será acidental a pressão da Itália por um maior “controle” dos movimentos migratórios em direção ao Bel Paese. Tudo verdade e, no entanto, nas palavras do Presidente da Tunísia, existe o mesmo princípio que existe e opera do outro lado do Mediterrâneo. O "mundo novo" que o presidente espera assemelha-se àquele que a política italiana, a seu modo, aplica com determinação e, infelizmente, mortal coerência. A ditadura do capitalismo financeiro e do mercado global é o apartheid.
Exatamente como na África do Sul de sua época, e ainda hoje em Israel, autêntico laboratório em que costumam se inspirar os promotores do "mundo novo", são três as estratégias aplicadas para colocar em funcionamento o apartheid. A primeira é isolar, selecionar, catalogar... separar. A segunda é reduzir, limitar, controlar a mobilidade das pessoas (dinheiro e mercadorias, ao contrário, viajam livremente). E, finalmente, a terceira opção, aplicada cotidianamente aos migrantes e às categorias pobres em geral, é a repressão militar que tortura, espanca e mata. Esses são os elementos do mundo novo que permitem ao apartheid global funcionar. Walter Benjamin, recorda num artigo recente o amigo Turi Palidda, reconhecia a única redenção dos contemporâneos nos desesperados: “Só em nome dos desesperados ainda nos é dada uma esperança”.
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O mundo novo visto de longe. Artigo de Mauro Armanino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU