14 Dezembro 2022
"No sábado, 10 de dezembro, se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizada em Paris em 1948. Como se sabe, o documento, que nasceu após o fim da guerra mundial, foi concebido para evitar que aquele drama voltasse a acontecer. Na Argentina o nunca más, depois da tragédia dos desaparecidos, gritado em setembro de 1984, havia ressoado antes ainda na tribuna das Nações Unidas pela voz do Papa Paulo VI, com seu 'Nunca mais guerra!'", escreve Mauro Armanino, missionário, doutor em antropologia cultural e etnologia. O artigo foi publicado por Avvenire, 13-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A banalidade do bem é aquela que se manifesta nas melhores ocasiões e circunstâncias. Muitas (demais?) coisas são feitas em nome do bem. Há quem justifique a tomada de poder por tempo indeterminado, quem tente enquadrar o mundo para salvá-lo de uma pandemia gerenciável, quem fabrique remédios, doenças, armas, munições e guerras pelo bem de uma causa e quem, com o propósito do bem, lembra de que existe um Deus a obedecer e um inferno, em algum lugar, a evitar.
Assim como acontece com o mal, os caminhos dos que fazem o bem são infinitos. As escolas foram inventadas exatamente por isso: o propósito do bem. Ideologias e às vezes religiões enviaram para o abate as melhores juventudes da história em nome do bem, e migrantes pobres e aventureiros, sempre pelo bem, são aconselhados a ficar “em sua própria casa”. Morrer no mar, no deserto ou em campos de detenção e tortura não é o máximo que a vida pode lhes oferecer. Sim, mas o que a natureza produz precisa de correções, melhorias e ajustes estruturais, justamente como acontece com a economia.
Sempre em nome do bem, uma das criações de maior sucesso é a categoria, agora universalmente aceita e promovida, das “vítimas”. De fato, pelo bem, criam-se, organizam-se e sustentam-se as divisões dos necessitados em categorias humanas e sociais.
Tudo pelo bem com o propósito de responder da melhor forma às necessidades das “vítimas”. No sábado, 10 de dezembro, se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizada em Paris em 1948. Como se sabe, o documento, que nasceu após o fim da guerra mundial, foi concebido para evitar que aquele drama voltasse a acontecer. Na Argentina o nunca más, depois da tragédia dos desaparecidos, gritado em setembro de 1984, havia ressoado antes ainda na tribuna das Nações Unidas pela voz do Papa Paulo VI, com seu "Nunca mais a guerra!"
Era 4 de outubro de 1965, estavam sendo comemorados São Francisco de Assis e os vinte anos da criação das Nações Unidas, naturalmente em nome do bem. Há vítimas dignas e outras que não merecem nenhuma consideração por parte das instituições especialmente criadas para reconhecê-las. Os abusos contra os direitos humanos têm geometrias variáveis dependendo das relações de forças, das opções e dos interesses geopolíticos do momento. Até as guerras podem ser, com o propósito do bem, humanitárias se servirem para levar a democracia e sobretudo para abrir (e ocupar) outros mercados para o capitalismo global.
Os direitos de quase todas as categorias são reconhecidos e, se necessário, novas são inventadas e aqueles que são completamente indefesos, começo e fim da vida, para seu próprio bem, são suprimidos e, logo em seguida, tornados invisíveis. Depois, há os estados do bem e aceitáveis e aqueles não recomendados, mas também, no que diz respeito ao comércio e aos interesses, regras que estabelecem que tudo corra bem para o bem de todos. Talvez o pensador-profeta Ivan Illich tivesse razão: “Ao diabo com as boas intenções. Um provérbio irlandês diz que o inferno está cheio de boas intenções, só para colocar o assunto de forma teológica”. Era 20 de abril de 1968 e desde então se continuou a fazer das "boas intenções" a nova religião.
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A banalidade do bem de que o inferno está cheio. Artigo de Mauro Armanino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU