19 Dezembro 2024
As negociações foram retomadas este mês, com a mediação do Catar e dos Estados Unidos, na esperança de alcançar um cessar-fogo até 20 de janeiro, dia em que Donald Trump reassumirá o comando em Washington.
A reportagem é de Francesca Cicardi, publicada por El Salto, 18-12-2024.
Todos os olhos e os holofotes estão voltados para a Síria desde que, em 8 de dezembro, o regime de Bashar Al Assad colapsou, dando lugar a uma incerta transição política liderada por uma amalgama de grupos armados comandados pelo islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS), originado do antigo braço da Al-Qaeda neste país.
A comunidade internacional está preocupada com o que pode acontecer na Síria e empenhada em estabelecer contatos com as novas autoridades em Damasco, além de se posicionar no novo cenário sírio, onde muitos interesses competem e onde a Turquia assumiu a liderança.
Enquanto isso, a guerra em Gaza continua, como um ruído de fundo ao qual nos acostumamos e, à medida que as semanas e os meses passam (já são mais de 14 meses, com mais de 45 mil palestinos mortos), os apelos por um cessar-fogo se tornam menos frequentes, assim como os esforços e as pressões internacionais para alcançá-lo.
Na semana passada, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, com uma maioria esmagadora – apenas nove países votaram contra – uma resolução exigindo "um cessar-fogo imediato, incondicional e permanente em Gaza, assim como a libertação imediata e incondicional de todos os reféns", mas o pedido caiu, mais uma vez, em ouvidos surdos.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, viajou novamente ao Oriente Médio no último fim de semana, mas os acontecimentos na Síria ofuscaram as discussões sobre Gaza, além das declarações oficiais. Além disso, a administração que Blinken representa deixará a Casa Branca em um mês, sendo substituída pelo presidente eleito Donald Trump, que prometeu acabar com as guerras, incluindo a de Gaza.
Trump encarregou sua equipe de alcançar um acordo para a libertação dos reféns israelenses em poder do Hamas antes de sua posse, em 20 de janeiro – caso contrário, ele ameaçou com sérias repercussões no Oriente Médio e para aqueles que "cometeram essas atrocidades contra a humanidade". No entanto, até o momento, isso parece pouco provável. O enviado especial para o Oriente Médio do presidente eleito, Steve Witkoff, viajou a Israel e ao Catar no final de novembro para estabelecer contatos com as duas partes: Israel como parte beligerante e o Catar como mediador e facilitador de contatos indiretos com o grupo islamista Hamas.
O diretor da CIA, William Burns, está em Doha nesta quinta-feira para se reunir com o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, segundo confirmou ao elDiario.es uma fonte com conhecimento das conversas. No início da semana, a equipe negociadora israelense esteve em Doha para conversar também com os mediadores catarianos, de acordo com a mesma fonte.
O Catar retomou os contatos com as partes neste dezembro, depois de suspender sua mediação em meados de novembro devido à falta de "seriedade" de Israel e do Hamas. Chegou-se até a especular que as autoridades catarianas haviam pedido aos islamistas que deixassem Doha, mas o escritório do Hamas na capital não foi fechado, e seus representantes continuam no país.
O Hamas está mais apressado do que nunca para alcançar um acordo antes do retorno de Trump ao poder, ciente de que o mandatário não será benevolente e já demonstrou de forma inequívoca seu apoio a Israel com a nomeação de vários integrantes de sua administração marcadamente pró-israelenses e sionistas. Por outro lado, acredita-se que o novo presidente possa exercer mais pressão sobre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para que aceite um acordo, mas não em condições impostas pelo Hamas ou consideradas minimamente favoráveis ao movimento islamista.
Atualmente, as partes estão negociando um acordo baseado na proposta feita em maio pelo presidente Joe Biden, que previa várias fases. Na primeira, com duração de seis semanas, haveria um "cessar-fogo total e completo", acompanhado da "retirada das forças israelenses de todas as áreas povoadas de Gaza", conforme detalhado por Washington na época. O Hamas libertaria as "mulheres, idosos e feridos" mantidos como reféns em Gaza, em troca da libertação de centenas de prisioneiros palestinos. Um dos obstáculos é justamente concordar com uma lista de palestinos que Israel estaria disposto a libertar e uma lista dos reféns, já que nem todos estão em poder do Hamas, mas de outros grupos palestinos, e atualmente não há certeza de quantos ainda estão vivos.
Em uma segunda fase, seriam libertados todos os reféns, incluindo os soldados israelenses, em troca de outros prisioneiros palestinos. A trégua se transformaria em um cessar permanente das hostilidades, e Israel teria que se retirar de toda a faixa costeira, algo que o governo de Netanyahu já deixou claro – em declarações e ações – que não está disposto a fazer.
Segundo fontes citadas pelo jornal israelense Jerusalem Post, o Hamas pediu garantias sobre o cessar-fogo porque teme que, quando Trump tomar posse, Netanyahu obtenha sua aprovação para retomar a ofensiva em Gaza ao final da primeira fase de seis semanas. Duas fontes oficiais bem informadas asseguraram ao jornal que há "progressos significativos" nas negociações e que um acordo pode ser alcançado "em um mês" – pouco antes de Trump assumir o cargo.
Por sua vez, o colunista israelense Amos Harel advertiu para a cautela ao falar sobre progressos nas negociações. Em uma análise publicada nesta quarta-feira no jornal de esquerda Haaretz, ele explicou que "todos os envolvidos sabem que Netanyahu quer retomar a guerra e que não tem intenção de completar a segunda fase [do acordo], que implica uma retirada total de Gaza". No entanto, "os mediadores garantiram ao Hamas que, no momento em que Israel aceitar um acordo, será difícil para o governo recuar da fase dois, tanto pela pressão dos EUA quanto pela pressão local das famílias dos reféns".
O Fórum das Famílias dos Reféns está se mobilizando diante do que parece ser uma oportunidade de alcançar um acordo de troca entre reféns e prisioneiros palestinos no contexto de um cessar-fogo. Além das mobilizações nas ruas, que ocorreram ao longo do ano com maior ou menor participação, o Fórum organizou vários eventos para chamar a atenção da comunidade internacional. Nesta quarta-feira, Michael Levy, irmão de um dos sequestrados no festival de música Nova, no sul de Israel, discursou no Conselho de Segurança da ONU, onde criticou os líderes mundiais: "Seu silêncio é ensurdecedor! Sua inação é sufocante!".
Em Israel, centenas de estudantes de cerca de 200 escolas de todo o país protestaram nesta quarta-feira para exigir um acordo com o Hamas que permita a libertação dos reféns, informou a Agência EFE. Trata-se de uma iniciativa dos conselhos estudantis que coincide com o 25º aniversário do refém Matan Zangauker, que, em 8 de dezembro, apareceu em um dos vídeos divulgados pelo Hamas por seus canais de propaganda.
Na terça-feira, a noiva do refém israelense Matan Zangauker, Ilana Gritzewsky – que também esteve sequestrada entre outubro e novembro de 2023 e foi libertada graças ao único acordo de troca entre o Hamas e Israel no final de novembro daquele ano –, fez um apelo direto a Trump, na Praça dos Reféns, em Tel Aviv. "Presidente Trump, o senhor é um líder que sabe como vencer, como mudar o rumo quando toda esperança parece perdida. Agora é o momento de provar isso. Cem reféns (homens, mulheres e crianças) ainda estão presos nas profundezas do inferno. Meu parceiro, meus amigos e inúmeras vidas inocentes estão sendo consumidas enquanto o mundo permanece em silêncio. Esta é sua chance de mudar a história: intervenha. Acabe com esta guerra. Traga os reféns para casa. Sem palavras, sem promessas, apenas com ações", disse ela, conforme comunicado divulgado pelo Fórum.
As pressões das famílias dos reféns ainda não levaram Netanyahu a aceitar um acordo com o Hamas, mas o grupo espera que isso possa mudar com a chegada de Trump. O próprio Netanyahu espera mudanças, mas a seu favor, na Cisjordânia e em outros fronts nos quais seu governo de extrema-direita pretende expandir a ocupação ilegal e a presença israelense.
Na terça-feira, o primeiro-ministro visitou pela primeira vez território sírio desde a queda de Al Assad, em 8 de dezembro. Do lado sírio do monte Hermon – localizado na zona desmilitarizada das Colinas de Golã, ocupadas por Israel desde 1967 –, afirmou que suas tropas permanecerão nesse território "até que outro acordo garanta a segurança" de Israel. Netanyahu considera que o acordo de separação com a Síria não é mais válido após a queda do regime de Al Assad, com quem selou esse pacto, mediado pelas Nações Unidas, em 1974.
Desde o Catar – país que atua como mediador e oferece um espaço para as negociações indiretas entre as partes –, o governo confirmou neste mês que já está trabalhando com a equipe de Trump sobre Gaza, ao mesmo tempo que mantém sua colaboração com a administração de Biden, que está de saída. Cerca de dez dias atrás, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, Majed Al Ansari, afirmou em Doha a um grupo de meios de comunicação – entre eles o elDiario.es – que havia "um impulso" nas negociações para encerrar a guerra na Faixa de Gaza.
"Precisamos que ambas partes façam concessões, precisamos que as posturas anteriores sejam um pouco suavizadas para que possamos avançar nas conversas", disse Al Ansari naquele momento. Atualmente, as negociações buscam reduzir as diferenças entre as duas partes, segundo uma fonte familiarizada com as conversas que estão ocorrendo de forma indireta na capital do Catar.