07 Novembro 2024
Os aliados dos Estados Unidos irão tremer com esse resultado, e parte de nosso ethos democrático implica promover a democracia no exterior.
O artigo é de Michael Sean Winters, jornalista e escritor, publicado por National Catholic Reporter, 06-11-2024.
Estou chocado, mas não surpreso.
Sabíamos que aproximadamente metade do país, por várias razões, apoiaria o ex-presidente Donald Trump. Sabíamos disso. Mas ver a contagem de votos chegando e os estados no mapa da TV ficando vermelhos torna a realidade muito mais horrível do que o esperado.
A realidade é a seguinte: o maior desafio para uma democracia é lidar com um demagogo que explora com sucesso meios democráticos para alcançar fins antidemocráticos. As ideias repulsivas de Trump agora têm o peso do endosso popular.
Não acredito por um segundo que a maioria dos americanos realmente queira ver deportações em massa, opositores políticos presos ou novos cortes de impostos para bilionários. Mas eles estavam dispostos a ignorar esses males para apoiar alguém que canaliza sua raiva, que reacende sua raiva quando ela diminui e que se reveste dela para realizar coisas verdadeiramente terríveis.
A questão para aqueles de nós que temem esse resultado é simples: como proteger a democracia?
A separação de poderes foi criada pelos fundadores para frustrar ambições tirânicas. Ainda não está claro qual partido controlará a Câmara dos Deputados, mas parece que os republicanos terão o controle do Senado por uma margem estreita. O poder constitucional do Senado de recusar a confirmação das nomeações de Trump estará em jogo e, como observei anteriormente, no caso de nomeações de oficiais militares, a consequência de uma falha do Partido Republicano em recusar a confirmação de nomeados perigosos é potencialmente catastrófica. Nada é mais assustador do que ver o exército dos EUA sendo politizado.
A terceira instância do governo, o Judiciário, pode ser a barreira mais importante contra o poder de Trump. A decisão da Suprema Corte no caso Trump v. United States concedeu ampla imunidade a um presidente, mas esse caso foi amplamente teórico e não foi tão prejudicial quanto alguns analistas alarmistas afirmaram.
Quando a questão se tornar concreta, e os juízes tiverem um caso em que normas democráticas essenciais estejam em jogo, não vejo o Presidente da Suprema Corte, John Roberts, nem a juíza Amy Coney Barrett sacrificando a democracia. Se, por exemplo, Trump realmente agir contra Liz Cheney, não acredito que a Suprema Corte o apoiará.
A democracia não diz respeito apenas a colocar limites ao exercício do poder. Trata-se de valores, e de um valor específico: a dignidade humana. A democracia concede um voto a cada pessoa. Ninguém possui mais valor inerente do que outro. De fato, as limitações ao poder do governo foram projetadas para garantir a liberdade dos indivíduos e grupos para se autogovernarem na maioria das áreas da vida social. Democracias saudáveis honram a dignidade de todos os cidadãos, não apenas nas urnas, mas também no código tributário, na distribuição de benefícios governamentais, nas proteções para os enfermos e idosos, nas leis contra a discriminação e nos subsídios para ampliar as oportunidades.
Conforme nos preparamos para o retorno de Trump à Casa Branca, há grupos específicos cuja dignidade está ameaçada e que merecem nossa proteção. Aqui, a Igreja pode desempenhar um papel especial. Imigrantes estarão aterrorizados. Trump já foi explícito sobre seu desejo de deportações em massa. A Igreja Católica tem defendido seu mandato bíblico e doutrinal de proteger os migrantes e já processou governos estaduais que tentaram obstruir nossos ministérios aos migrantes. A Conferência dos Bispos Católicos dos EUA deve começar a preparar documentos para combater qualquer esforço de deportação em massa em nível nacional.
As consequências para a política climática são desastrosas e potencialmente irreversíveis.
Provavelmente, há muito pouco que se possa fazer para salvar a dignidade humana e a liberdade do corajoso povo da Ucrânia. Ninguém está mais feliz com o resultado da eleição do que o ditador russo Vladimir Putin. Trump afirmou que trará paz à Ucrânia em um dia. Isso pode ser uma afirmação absurda, mas é duvidoso que ele mantenha o nível de apoio à Ucrânia que Biden deu. O governo ucraniano precisa pensar sobre qual seria a opção menos terrível.
Os aliados dos Estados Unidos irão tremer com esse resultado, e parte de nosso ethos democrático implica promover a democracia no exterior.
"A grande maioria do público francês preferia Kamala Harris, e a vitória de Trump assusta o establishment político," disse-me Antoine de Tarle, colaborador da revista católica francesa Etudes, via e-mail. "Uma das principais razões para essa reação é a Ucrânia. O país está próximo às fronteiras francesas e a maioria das pessoas teme um acordo entre Trump e Putin que ameace vários membros da União Europeia, incluindo Polônia e os Estados Bálticos."
De Tarle também se preocupa com as consequências da vitória de Trump para a política francesa. "O Rassemblement National, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, sempre apoiou Putin e Trump, mas seus líderes sabem que essa posição não é popular e evitam o tema," disse ele. "Contudo, eles poderiam mudar sua postura em caso de uma vitória de Trump."
O Partido Democrata precisa agora começar uma profunda reflexão. Isso é assunto para outro dia.
A palavra que continua surgindo em minha mente é "catastrófico". A nação está irada, e a ira encontrou seu campeão. Infelizmente, o povo americano fez desse campeão a pessoa mais poderosa do mundo. As consequências previsíveis são aterrorizantes. As consequências imprevisíveis podem ser ainda piores. Sobrevivemos a um mandato. Podemos sobreviver a um segundo?
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Podemos sobreviver a outro mandato de Trump? Artigo de Michael Sean Winters - Instituto Humanitas Unisinos - IHU