29 Outubro 2024
"Uma Europa mais forte também ajudaria a estabilizar o Oriente Médio. Uma UE mais dividida, na qual há uma minoria muçulmana em revolta em cada país, poderia se tornar rapidamente um novo foco de radicalismo islâmico", escreve Francesco Sisci, sinólogo, autor e colunista italiano que vive e trabalha em Pequim, pesquisador da Universidade Renmin e contribui para vários periódicos e grupos de reflexão sobre questões geopolíticas, em artigo publicado por Settimana News, 27-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na véspera de uma eleição tão importante e geradora de divisão nos EUA, a Europa e todos os aliados e amigos dos americanos aguardam o resultado com imensa incerteza. É a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que há uma diferença significativa entre os dois candidatos na política externa e não está claro como isso será resolvido. Essa diferença substancial permanecerá se um consenso bipartidário não for alcançado em Washington após a eleição. Se essa lacuna não for gerida, poderá representar um risco para os EUA e para o mundo.
É errado acreditar que existe uma frente europeia distinta da frente asiática. A chegada das tropas norte-coreanas que lutam pela Rússia na Ucrânia mostra que, como no início da primeira Guerra Fria, há 75 anos, os dois lados do continente eurasiano estão interconectados.
Em 1950, a Rússia apoiou os norte-coreanos contra a Coreia do Sul, apoiada pelos EUA, empurrando a China para a Coreia do Norte. Agora, a Rússia está usando a Coreia do Norte contra a Ucrânia apoiada pelos EUA, obrigando a China a assumir uma posição mais clara em relação à Ucrânia - assim como Moscou pressionou Pequim a intervir na Coreia em 1951. No fim da década de 1940 e no início da década de 1950, os EUA tentaram deter a URSS criando a OTAN e incentivando uma maior cooperação econômica na Europa Ocidental. Da mesma forma, atualmente, estamos vendo um fortalecimento da OTAN contra a Rússia e, paralelamente, um fortalecimento da UE teria um efeito semelhante contra a Rússia.
Uma Europa mais forte também ajudaria a estabilizar o Oriente Médio. Uma UE mais dividida, na qual há uma minoria muçulmana em revolta em cada país, poderia se tornar rapidamente um novo foco de radicalismo islâmico.
O Oriente Médio representa uma nova complicação em relação ao início da Guerra Fria no começo da década de 1950. Agora, devido ao papel regional e global de Israel e à ameaça do terrorismo islâmico patrocinado pelo Irã, a área é estrategicamente crítica e está estreitamente ligada à Rússia e à China – enquanto naquela época, com a Turquia e o Irã firmemente alinhados com os EUA, a situação era certamente menos crítica.
Em vários sentidos, trata-se de um confronto único e é provável que a guerra na Ucrânia, com seu derramamento de sangue e os fracassos da Rússia, tenha antecipado um movimento semelhante da China no Leste Asiático. Na década de 1950, a Guerra da Coreia antecipou um ataque soviético semelhante à Europa.
Uma maneira de pressionar a China para mudar sua postura e ajudar Japão e Coreia do Sul, aliados dos EUA, pode ser deter a Rússia na Ucrânia ou encontrar um compromisso com a Rússia em troca de uma ação de Moscou contra a China e o Irã. Ou, vice-versa, encontrar uma solução com a China que possa colocar a Rússia e o Irã em dificuldades. Portanto, seria ilusório considerar os confrontos com a Rússia, o Irã, a Coreia do Norte ou a China como isolados uns dos outros. Além disso, é difícil pensar que os EUA possam facilmente negociar separadamente com os outros países. Esses países se lembram da manobra da China com os Estados Unidos de Nixon e têm muito receio de serem “traídos” por qualquer um de seus parceiros. Eles não confiam nos EUA. Alegam ter sido enganados e traídos pelos EUA, e é difícil fazê-los recuar dessa posição. Esse é outro motivo pelo qual os EUA não devem perder a confiança de seus amigos e aliados e devem valorizá-la: eles devem ter certeza de que os Estados Unidos não os trairão por obter vantagens de curto prazo.
Por esse motivo, deve ser imperativo manter uma diplomacia ativa com a Rússia, a China, o Irã e a Coreia do Norte para encontrar oportunidades de mudança e diálogo e não deixar que tudo se transforme em uma escalada de guerras e conflitos.
Esses países também desconfiam profundamente uns dos outros e têm preocupações e medos mútuos. Suas economias não estão indo bem e seus cidadãos perdem espaços de liberdade diariamente. O consenso interno não está crescendo e alguns líderes desses países poderiam estar procurando uma saída para esse beco sem saída. Os EUA e seus aliados deveriam trabalhar para recuperar o espaço e ajudar cada um deles a se mover de forma diferente do que estão fazendo atualmente.
Os EUA devem construir uma nova ordem mundial em torno de suas estruturas e alianças atuais. Levou tempo para criá-las, e desmantelá-las seria um desperdício total e um sério passo para trás. Tal medida colocaria em risco a posição dos EUA no mundo, tanto em relação aos amigos quanto aos adversários, por décadas. Ninguém confiaria nos EUA, nem os aliados traídos nem os novos “amigos”. Os Estados Unidos precisam de paciência e devem trabalhar para construir a confiança tanto com os aliados quanto com os adversários. Eles devem ser vistos como confiáveis e, com base nisso, construir um novo diálogo, encontrando caminhos de redução da escalada em cada frente, reconhecendo suas interconexões. Amigos e aliados devem ser envolvidos e aproximados, porque foram e serão os principais instrumentos para a construção de uma nova ordem mundial.
A posição da China em relação à guerra na Ucrânia, sua indiferença às preocupações da UE sobre a agressão russa e a hostilidade da China em relação a Israel, vítima de um bárbaro ataque terrorista, queimaram muitas pontes na Europa, talvez até mais do que nos EUA. Parece prevalecer na Europa e em Israel a ideia de que a paz deve ser buscada, mas que deveria ser uma paz estável, não uma trégua após a qual se poderia esperar uma guerra pior do que a que estamos vivendo atualmente. O que está em jogo aqui é o papel global e o futuro dos EUA, talvez mais do que nunca em sua história.
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O impacto global das eleições nos EUA. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU