29 Outubro 2024
O artigo é de Lúcia Guimarães, jornalista e antiga correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, publicado por Folha de S.Paulo, 26-10-2024 e reproduzida por André Vallias no Facebook, 24-10-2024.
Por onde começar? Pela volta de Adolf Hitler à berlinda, como inspirador do possível próximo presidente americano? Ou pelas gradações de fascismo abraçado pelo Partido Republicano, abertamente debatidas entre historiadores e militares veteranos?
Que tal a volta das falcatruas da Rússia, invadindo o ecossistema digital americano com deepfakes para sabotar Kamala Harris ou confundir seus possíveis eleitores para não votar no próximo dia 5?
Sobra espectro de atenção para examinar o bombardeio de processos iniciados por republicanos nos estados para questionar o resultado de eleições cuja integridade não seria contestada com base em fatos?
E o que dizer de um homem — o mais rico do mundo — investindo US$ 500 milhões para colocar na Casa Branca o que um analista político descreveu como um senil "cavalo de Troia" para implementar seu delirante pesadelo tecnoautoritário?
O sábio escritor e humorista Millôr Fernandes argumentava que "é melhor ser pessimista do que otimista. O pessimista fica feliz quando acerta e quando erra."
Com o desejo ardoroso de estar errada, não enxergo, à minha volta, motivos para otimismo. Estamos a apenas 13 dias da eleição cujo resultado pode ter consequências nefastas além das fronteiras de um país e afetar o futuro dos meus netos vivendo a 7.700 quilômetros de mim.
Há um segmento dos eleitores americanos que me faz lembrar aquelas fotos desbotadas dos antros de ópio controlados por criminosos chineses, no século 19. As fotos, fossem em San Francisco ou em Londres, tinham em comum as imagens de fumantes deitados, com o olhar prostrado de quem escolheu se anestesiar.
Os eleitores de 2024 não fumaram nada, mas se separaram da realidade de tal forma que nem se lembram dos entes queridos que perderam e do horror que foi a gestão da pandemia há apenas 4 anos, com centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.
Muitos, entre muçulmanos, latinos e mulheres —essas vivendo em estados onde uma gravidez de alto risco é uma sentença de morte—, não acreditam que eles e suas famílias serão os primeiros vitimizados se Kamala perder a eleição. Ou se ela ganhar no voto e a mais corrupta maioria da Suprema Corte na memória recente agir como contratada pelo ex-presidente que tratou, este ano, como seu cliente VIP.
E não há consolo em aferir os alarmantes sinais de piora mental e instabilidade do candidato republicano, já que votar em Donald Trump é votar num presidente J.D. Vance. O senador de Ohio e vice da chapa é um androide manipulado pela pior escória produzida pelo Vale do Silício.
Trump, exausto e dessecado de qualquer ideia coerente de governo, não passa de um corretor de negócios para os empresários que o financiam, com apoio escatológico do magnata de mídia australiano Rupert Murdoch.
Desde que Trump possa vender bugigangas e tratar o governo como uma barraca de feira livre bilionária e se empanturrar de Big Macs, o pacto funciona para os dois lados —um punhado de americanos que tratam 335 milhões de americanos como uma terra de ninguém.
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A poucos dias da eleição nos EUA, onde encontrar motivo para otimismo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU