Francisco enfrenta tensões com a Cúria e os tradicionalistas

Papa Francisco (Foto: Vatican Media)

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10 Janeiro 2024

Agora que o trem das reformas ganhou impulso na Igreja, há quem aposte que ele aparecerá até em estações abandonadas há séculos, como o diaconato feminino e o celibato opcional para os padres. A recente e inesperada luz verde para as bênçãos a casais homossexuais - pastorais e não rituais, no entanto – está certa em esperar os inovatores para este 2024, que tentarão capitalizar a preocupação para as mudanças do Pontífice, que ficou menos incerto depois da morte de Bento XVI, para-raios (contra a sua vontade) dos tradicionalistas. O ano que acaba de começar oferece aos liberais uma janela a escancarar como o Sínodo em fechamento em outubro, mas também traz consigo incógnitas relacionadas à saúde de Bergoglio, 87 anos - depois de um 2023 conturbado entre cadeira de rodas, hospitalizações e viagens canceladas -, às tensões subjacentes entre ele e a Cúria, a uma diplomacia vaticana em apuros na frente ucraniana, onde se alarga o fosso com os católicos de Kiev. E não só pela comparação entre invasores e invadidos censurada ao Papa da encíclica Fratelli tutti.

A reportagem é de Giovanni Panettiere, publicada por Quotidiano nazionale (Qn), 08-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

A unidade em risco

Os bispos da Igreja greco-católica, 5 milhões de fiéis dos 5,8 milhões de ucranianos ligados ao Pontífice, rejeitaram abertamente a Fiducia supplicans, a declaração do ex Santo Ofício sobre a homossexualidade: eles não abençoarão os casais homossexuais. Um ato de desobediência que compromete ainda mais as relações com a Santa Sé e que desencadeou as contestações de alguns episcopados africanos.

Em resposta, o Papa exortou a Igreja a “abandonar as ideologias eclesiásticas” e o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, Cardeal Víctor Fernández, lembrou a prerrogativa dos bispos de usar prudência nas bênçãos, mas também o empenho de todos os católicos em defender quem é condenado (até à morte) por sua condição sexual. Como na África.

Mulheres e celibato, batalha no sínodo

Se Paulo VI, em 1968, se moveu numa direção contrária à orientação de abertura da comissão de estudo sobre a pílula, ao aprovar a polêmica Humanae vitae, Francisco fez o oposto em relação aos homossexuais. A sua aprovação ao texto do antigo Santo Ofício - em substancial contratendência com outro documento do dicastério lançado em 2021 - retirou um dos temas mais controversos da pauta do Sínodo. Nesse ponto a dialética está destinada a centrar-se no celibato, nos padres casados e, sobretudo, na recuperação das diaconisas, tema sobre o qual se manteve isento o relatório final da primeira parte da assembleia, realizada em 2023. As manifestações sobre a igualdade de dignidade de gênero resultante do batismo, ecoadas no Plenário, encorajam a ir além das reformas "cor-de-rosa" decididas nos últimos anos (acolitato e leitorado por ambos os sexos, freiras e leigas nos vértices da Cúria, voto para as mulheres no Sínodo).

De Kiev a Israel: diplomacia à prova

A Nicarágua e a repressão de bispos e padres também preocupam, mas são as guerras na Ucrânia e na Terra Santa que competem pelo holofote no Vaticano. Também para não comprometer os fragílimos equilíbrios com Israel, a Santa Sé mantém-se afastada das negociações entre Tel Aviv e o Hamas. No Leste, ao contrário, a missão Zuppi, destinada a facilitar as negociações com gestos humanitários, parece ter terminado num beco sem saída. Se algo se mexeu nos últimos dias em relação à troca de soldados prisioneiros, o esperado retorno à casa dos 20 mil menores ucranianos sequestrados está tendo dificuldade para se concretizar. E as margens de ação tornam-se estreitas, graças à ambivalência de Putin e ao nacionalismo de Kiev. Nos próximos meses, se a saúde permitir, Bergoglio voará para a Bélgica. Polinésia e Argentina estão nos seus sonhos, enquanto Kiev e Jerusalém permanecem fora da rota.

Tensões com os cardeais

Mais de um cardeal cria problemas ao Papa. Começando pelo ratzingeriano Ludwig Müller, que acusa publicamente de “blasfêmia” a bênção a homossexuais, mas agora Bergoglio não faz concessões a ninguém que ele suspeite de conspirar pelas suas costas ou estar envolvido em operações financeiras controversas. Assim, o tradicionalista Raymond Burke viu-se 'despejado' e privado do 'prato cardinalício' (o subsídio mensal de 5 mil euros), enquanto Angelo Becciu foi condenado a 5 anos e 6 meses pelo caso da Sloane Avenue num processo vaticano completo.

Comunicada pelo Papa aos chefes de dicastérios, a manobra sobre Burke foi objeto de um vazamento de notícias. Prova que na Cúria resistem aqueles que acreditam serem intocáveis os príncipes da Igreja. E sabe-se lá o que aconteceria caso a sentença de Becciu se tornar definitiva e fossem abertas para o cardeal as “masmorras” do Vaticano.

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