28 Setembro 2023
Como se configura atualmente o panorama do tradicionalismo católico na Igreja de hoje, especialmente na Europa Central? O cientista político vienense Thomas Schmidinger estudou de perto o fenômeno na Europa e nesta entrevista, realizada por Christoph Paul Hartmann, explica o resultado da sua investigação. O tradicionalismo católico ainda é um pequeno movimento à margem ou mesmo fora da Igreja.
A entrevista é de Christoph Paul Hartmann, publicada por Settimana News, 27-09-2023. A tradução é Luisa Rabolini.
Senhor Schmidinger, como o tradicionalismo católico se enquadra na Europa Central?
É muito diferente de um país para outro. Está relativamente bem representado na Suíça, bem como na França. Na Alemanha varia muito de região para região. O quadro é muito fragmentado. Existem correntes muito diferentes, com distintos níveis de proximidade e distância da Igreja Católica oficial.
O maior desses movimentos é certamente ainda a Piusbruderschaft (Fraternidade Sacerdotal de São Pio X) cuja relação com a Igreja Católica e ainda hoje pouco clara. Seguida pela Petrusbruderschaft (Fraternidade de São Pedro), que é uma ramificação da Piusbrudeschaft, mas fiel ao Papa.
Existe também uma série de grupos dissidentes, alguns dos quais mais extremistas do que a Piusbrudeschaft, que se separaram durante o pontificado de Bento XVI, quando foi tentado um processo de reconciliação entre a Piusbrudeschaft e o Vaticano. Além disso, existem grupos que já haviam se separado da Igreja oficial, os chamados movimentos sedeprivacionistas e sedevacantistas, segundo os quais a Sé de Pedro está ocupada por um usurpador (sedeprivacionista) ou está órfã (sedevacantista). Até chegar aos conclavistas que elegeram um moderno antipapa.
Como é possível que existam tantos pequenos grupos dissidentes?
Os grupos muito ideológicos e muito convictos de serem os únicos verdadeiros representantes da autêntica e pura doutrina tendem a dividir-se devido aos menores detalhes. Não importa se está se falando de maoístas ou de católicos tradicionalistas. Quanto mais dogmático e ideológico é um movimento, mais tende a dividir-se sobre a questão de quem detém agora a verdade absoluta.
Mas partilham a sua origem na medida em que estão em oposição ao Concílio Vaticano II.
A maioria sim. Teve grupos menores que já haviam se desenvolvido anteriormente. Por exemplo, com Michel Collin, ou seja, Clemente XV, já antes do Concílio Vaticano II, havia na França um antipapa que, estranhamente, no início não se considerava o único papa, mas sim um papa paralelo. Ainda existem alguns grupos menores na França e no Canadá que seguem essa tradição.
Mas a maioria dos grupos tradicionalistas pretende livrar-se do Concílio Vaticano II e distanciaram-se do Vaticano, até certo ponto, devido à questão da Nova Missa, mas também do reposicionamento sociopolítico presente na Igreja Católica, tal como a aceitação dos direitos humanos, a reconciliação com a democracia, o ecumenismo, o diálogo inter-religioso.
Então, existem também atitudes que esses grupos compartilham em todos os lugares?
A rejeição do Concílio Vaticano II, litúrgica e sociopoliticamente, por exemplo. Todos esses grupos pretendem representar a única verdadeira forma do ensinamento católico e, portanto, a única verdade religiosa. Rejeitam o diálogo inter-religioso, mas também o ecumenismo. Portanto, também estão estritamente orientados contra as Igrejas da Reforma.
Além disso, cultivam uma interpretação muito forte da teoria da conspiração sobre o que levou à apostasia do Vaticano por eles diagnosticada. Todos esses grupos têm mais ou menos explícita a ideia de que, desde o início do século XIX, houve uma infiltração no Vaticano e na Igreja Católica de uma conspiração maçônica, talvez também judaico-maçônica, que levou ao Concílio Vaticano II conduzindo a Igreja romano-católica à apostasia.
Então, trata-se de uma demarcação.
Em dois aspectos: isso também é evidente dentro dos grupos. Essas estruturas são muito fechadas. Quem nasce numa família desse tipo tem poucas chances de sair dela quando criança. Por exemplo, tenta-se manter as crianças longe das escolas públicas para evitar que entrem em contato com a teoria da evolução ou com a educação sexual. A Piusbruderschaft administra vários internatos com escolas na Alemanha e na Suíça. Assim, tenta-se isolar as crianças e os jovens do resto da sociedade.
Isso limita enormemente a liberdade de decidir mais tarde que forma de religião praticar e o abandono de um grupo desse tipo está frequentemente associado a uma ruptura com toda a família. Tudo isso pode ser definido como um abuso psicológico.
Mas também se trata de uma separação das outras tradições religiosas. Eles continuam a difundir a ideia de que na Igreja Católica, até o Concílio Vaticano II, os judeus eram os responsáveis pelo deicídio, adotando uma atitude religiosa antissemita. O vínculo que os une é também um antimodernismo muito rigoroso. Praticam também um rígido antiliberalismo, antissocialismo e anticomunismo, a rejeição da igualdade de gênero ou dos direitos dos homossexuais ou dos bissexuais.
Relatos de conspiração, rejeição das conquistas modernas como a democracia e o liberalismo: parece haver também uma sobreposição com a Nova Direita.
Em alguns países, especialmente na França, existe uma proximidade muito grande. A família Le Pen, por exemplo, tem contatos estreitos com a Piusbruderschaft.
Na Áustria, a corrente principal do extremismo de direita, baseada no clássico nacionalismo alemão, sempre foi muito anticlerical. Isso significa que há menos pontos de contato com o FPÖ (partido considerado como conservador, nacionalista e de direita populista) do que com os ambientes de direita dentro do ÖVP (Partido Popular Austríaco).
Na Alemanha, a AfD (Alternativa para a Alemanha, um partido político alemão de extrema-direita), tem mais apoiadores vindos do fundamentalismo evangélico que do tradicionalismo católico. Obviamente, muitos valores defendidos pelos tradicionalistas católicos sobrepõem-se aos da extrema-direita, especialmente as posições anti-islâmicas e antijudaicas.
Esses grupos tradicionalistas também terão um impacto social?
Não muito, eles são pequenos demais para isso. Todos os projetos de candidatura dos grupos dissidentes cristãos de direita sempre fracassaram nas diversas eleições. O que não fracassou, no entanto, é a tentativa, por exemplo na Áustria, de colocar candidatos individuais de orientação de direita dentro do ÖVP, ou seja, do clássico partido social cristão, como candidatos e candidatas de compromisso entre correntes muito conservadoras e tradicionalistas, por vezes com a ajuda de grupos angelicais-fundamentalistas, para levá-los aos conselhos ou parlamentos locais. Mas se trata de colaborações pontuais entre diferentes correntes cristãs de direita que se unem, por exemplo, sobre a questão do aborto.
O quão sustentáveis sejam essas colaborações é questionável. Do ponto de vista do tradicionalismo católico clássico, a cooperação a longo prazo com os fundamentalistas evangélicos é na verdade impossível, simplesmente porque, do ponto de vista do tradicionalismo católico, as Igrejas da Reforma são consideradas heréticas.
E quanto à sua influência dentro da Igreja?
Eu não diria que a Fraternidade de São Pedro seja um grupo muito influente, mas têm alguns párocos. No entanto, eles não são tão influentes quanto os grandes movimentos conservadores, mas não tradicionalistas, como o Opus Dei. Há uma colaboração ocasional, por exemplo sobre a questão do aborto ou sobre a rejeição da corrente de pensamento sobre o gênero ou sobre a hostilidade em relação à diversidade sexual. Em Viena, por exemplo, há repetidas manifestações contra a Parada do Orgulho desse espectro tradicionalista, à qual por vezes também se juntam grupos conservadores.
Mas a estratégia desses tradicionalistas, especialmente aqueles dentro da Igreja Católica, é de mais longo prazo. Eles preveem que os católicos liberais acabarão por abandonar a Igreja de qualquer maneira, enquanto eles, que se consideram os católicos mais fiéis, terão em algum momento a maioria na Igreja e poderão, por assim dizer, assumir o poder.
Como está a adesão de membros a esses grupos tradicionalistas?
É difícil fazer declarações sobre o número de inscritos, porque as maiores organizações são exclusivamente associações de sacerdotes. Apenas os sacerdotes fazem parte da Piusbruderschaft, os leigos não estão oficialmente incluídos. Tanto os Piusbrüder como os Petrusbrüder e outros grupos tendem a crescer.
Mas isso não se aplica a todos. Quanto mais extremas as correntes, menores elas são. Muitas vezes se reúnem em torno de um líder carismático. Quando isso não acontece, desaparecem também como grupos.
Especialmente durante a crise do coronavírus, o quadro como um todo, e em particular a Piusbrudesrschaft, ganhou mais impulso. Isso também se deve ao fato de as principais comunidades da Igreja Católica terem atendido a todos os pedidos do Estado e terem interrompido durante algum tempo suas celebrações litúrgicas.
Alguns que faziam parte da ala conservadora dessas comunidades tradicionais uniram-se à Piusbrudeschaft. Expressaram-se explicitamente contra as medidas estatais e opuseram-se à vacinação e, claro, contra a vacinação obrigatória. Isso também contribuiu em parte para o seu crescimento.
A ideia de eles assumirem gradualmente o controle da Igreja é realista?
Não a curto prazo, mas alguns desses grupos pensam em termos de séculos. O que está claro é que os cristãos progressistas estão em declínio em todas as igrejas nacionais. Além disso, os cristãos liberais ou progressistas são muito menos organizados e significativamente menos orientados para o poder do que as grandes organizações conservadoras ou mesmo tradicionalistas. É mais provável que os progressistas estejam envolvidos nas paróquias tradicionais do que nas organizações de quadros orientadas para o poder.
Em decorrência do abandono da Igreja por muitos, especialmente os progressistas, o peso relativo dos conservadores, mas também dos tradicionalistas, aumenta. Olhando para a Áustria, estamos falando de um total de 2 a 3.000 pessoas entre os tradicionalistas.
Ainda estão longe da maioria. Mas essas pessoas são organizadas e estruturadas em quadros muito atentos ao poder.
Não vejo nenhum perigo da Igreja Católica ser ocupada por essas forças nas próximas décadas (KNA, 4 de setembro de 2023).
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Tradicionalistas europeus: poucos, mas ferozes. Entrevista com Thomas Schmidinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU