19 Dezembro 2023
"As condenações de nove imputados substancialmente confirmaram a linha de acusação do promotor da justiça no processo “monstro” no Vaticano. Exonerados os líderes da Autoridade de informação financeira. Permanecem dúvidas sobre um procedimento que, fortemente desejado pelo Papa, não conseguiu dissipar todas as sombras sobre o funcionamento da Secretaria de Estado", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 17-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final, o Cardeal Giovanni Angelo Becciu foi condenado pelo Tribunal do Vaticano a 5 anos e 6 meses e à interdição perpétua do exercício de cargos públicos no processo pela compra-venda com fundos da secretaria de estado do prédio localizado na Sloane Avenue, em Londres. “Respeitamos a sentença, mas certamente iremos recorrer”, disse, logo após a leitura da sentença do presidente do tribunal Giuseppe Pignatone, Fabio Viglione, advogado do cardeal que também quis reiterar a inocência do seu cliente. Becciu, ex-substituto para Assuntos Gerais e ex-prefeito para as Causas dos Santos - cargo do qual havia sido privado há três anos pelo Papa Francisco junto com as prerrogativas do cardinalato – era acusado de peculato, abuso de poder e suborno de testemunhas.
O promotor de justiça Alessandro Diddi pediu contra ele pena de sete anos e três meses de reclusão.
Encerra-se assim um longo caso processual que viu no banco dos réus um cardeal da Cúria e por isso recebeu a atenção midiática mundial. Permanecem dúvidas sobre um procedimento que, fortemente desejado pelo Papa, não conseguiu dissipar todas as sombras sobre o funcionamento do Secretaria de Estado e do Vaticano em geral, na gestão do negócio da Sloane Avenue em particular e na frente financeira numa perspectiva mais ampla.
O processo certamente contribuiu para revelar a gestão opaca e por vezes personalista dos recursos da Santa Sé, mas outra coisa é provar sem sombra de dúvida a culpa dos imputados, nesse caminho para o Vaticano ainda há muita estrada a percorrer.
Em todo caso, deve-se considerar que o Tribunal do Vaticano condenou Becciu pelos três eventos contestados pela acusação: a compra-venda do prédio da Sloane Avenue, o pagamento de somas de dinheiro para a Caritas de Ozieri e pela a questão ligada às suas relações com Cecília Marogna, nesse caso a acusação era de fraude agravada.
No que diz respeito ao tema principal do processo, ou seja, a gestão dos fundos da Secretaria de Estado, “o Tribunal constatou a existência do crime de peculato – lê-se num comunicado da Santa Sé – em ordem de uso ilícito, pois em violação das disposições sobre a administração dos bens eclesiásticos, no valor de 200.500.000 dólares, equivalentes a aproximadamente um terço dos recursos disponíveis na época pela Secretaria de Estado".
“Essa verba - lemos ainda - foi paga entre 2013 e 2014, por decisão do então Substituto Mons. Giovanni Angelo Becciu, pela compra-venda de cotas da Athena Capital Commodities, um hedge fund (fundo especulativo, ndr), ligado ao Dr. Raffaele Mincione, com características altamente especulativas que comportavam para o investidor um forte risco sobre o capital sem qualquer possibilidade de controle da gestão”.
Não só isso: “O Tribunal considerou culpado do crime de peculato Monsenhor Becciu e Raffaele Mincione, que havia mantido contato direto com a Secretaria de Estado para obter o pagamento do dinheiro mesmo sem que tivessem sido verificadas as condições previstas, bem como Fabrizio Tirabassi, funcionário do Departamento de Administração, e Enrico Crasso. Quanto ao uso subsequente do referido montante, utilizado - entre outras coisas - para a compra da empresa proprietária do prédio na Sloane Avenue e para numerosos investimentos mobiliários, o Tribunal considerou Raffaele Mincione culpado de crime de autolavagem”.
Esse é o cerne da sentença lida pelo juiz Pignatone. Mais uma vez, vale sublinhar que “em relação à recompra pela Secretaria de Estado, em 2018-2019, através de uma complexa operação financeira, das empresas proprietárias do referido prédio, o Tribunal considerou Torzi Gianluigi e Squillace Nicola culpados do crime de fraude agravada e do citado Torzi também pelo crime de extorsão junto com Tirabassi Fabrizio, bem como pelo crime de autolavagem do ilícito obtido”.
No total, foram impostas penas de 37 anos, o pedido original do promotor justiça era de 73 anos para todos os dez réus envolvidos.
Se, portanto, por um lado há uma redução em relação ao que o Ministério Público pedia, pelo outro sai confirmada a linha geral seguida pelo promotor Diddi.
“Acredito que a abordagem funcionou – disse Diddi, comentando a decisão do tribunal – e isso para mim é o mais importante, acredito que nesses processos nunca se deve exultar pelo resultado, um ministério público nunca pode ficar feliz pelas condenações, o que me deixa satisfeito é que o longo e meticuloso trabalho funcionou apesar das contestações que nos foram dirigidas nestes anos, disseram-nos que somos incompetentes, ignorantes, na realidade o resultado nos dá razão."
Por outro lado, o próprio Pignatone, pela manhã, antes de a sentença ser pronunciada, afirmou numa declaração pública que “como muitos de vocês ressaltaram, o debate trouxe à tona vários novos elementos de avaliação, não importa aqui se em confirmação ou desmentida da orientação inicial da acusação. Se esse for o caso, e o Colégio está convencido disso, resulta confirmado que o contraditório entre as partes é o melhor método para chegar à verdade processual e, permito-me acrescentar, tentar aproximar-se da verdade sem adjetivos".
O processo “monstro” termina, portanto, com uma sentença praticamente nesses termos também nos sagrados palácios “celebrado no Vaticano que começou em 27 de julho de 2021, após uma longa fase de instrução. Eram dez os imputados levados a julgamento, dos quais o mais famoso era, sem dúvida, o Cardeal Becciu acusado de peculato, abuso de poder e suborno (oferta de dinheiro a uma testemunha para pressioná-la a testemunhar o falso), portanto entre os acusados estavam René Brülhart e Tommaso Di Ruzza, respectivamente ex-presidente e ex-diretor da AIF (Autoridade de Informação Financeira, hoje Asif) acusado de abuso de poder, o primeiro, e peculato, abuso de poder e violação do segredo profissional, o segundo. Os dois “intervieram na fase final da recompra do prédio da Sloane Avenue” e “foram absolvidos dos crimes de abuso de poder de que eram imputados e considerados culpados apenas dos crimes de omissão de denúncia e por não comunicação de uma operação suspeita ao Promotor de Justiça”.
Ambos condenados a uma multa de 1.750 euros. Enrico Crasso, especialista em finanças e por décadas gestor da secretaria dos fundos da secretaria de Estado, foi condenado a 7 anos de prisão com interdição perpétua para o exercício de cargos públicos; Monsenhor Mauro Carlino, secretário pessoal dos dois substitutos da secretaria de estado, (acusado de extorsão e abuso de poder) foi absolvido; o financista Raffaele Mincione (peculato, fraude, abuso de poder, apropriação indébita e autolavagem) condenado a 5 anos e seis meses de reclusão; o advogado Nicola Squillace, (fraude, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e autolavagem) com concessão de circunstâncias atenuantes genéricas, foi condenado "à pena - suspensa - de um ano e dez meses de reclusão".
Fabrizio Tirabassi, ex-funcionário da Secretaria de Estado, (corrupção, extorsão, peculato, fraude e abuso de poder) 7 anos e 6 meses de reclusão e interdição perpétua do exercício de cargos públicos; o corretor Gianluigi Torzi, (extorsão, peculato, fraude, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e autolavagem) 6 anos de reclusão, para Cecilia Marogna, finalmente 3 anos e 9 meses.
Por último, “o Tribunal ordenou o confisco equivalente às quantias que constituem o corpo dos crimes contestados num total superior a 166 milhões de euros. Os imputados foram finalmente condenados, solidariamente, ao pagamento de ressarcimento às partes civis, pagas no total em mais de 200 milhões de euros".
Agora haverá o recurso, os advogados de Becciu repetiram que: “Apesar do veredito nos entristecer profundamente, temos uma certeza sólida: o cardeal Becciu, fiel servidor do Papa e da Igreja, sempre agiu no interesse da secretaria de Estado e não teve nenhuma vantagem para si ou para seus familiares".
No entanto, na atual situação, parece improvável que a sentença possa ser anulada em segunda instância.
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Cardeal Becciu condenado a 5 anos e 6 meses pelo negócio de Londres. O Papa venceu o seu processo político. Artigo de Francesco Peloso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU