05 Agosto 2025
"A (boa) notícia de Niceia é precisamente esta: nos autoriza, ou melhor, nos ordena a ter a inteligência e a liberdade de fé para falar hoje do Deus de Jesus nos vários contextos da humanidade contemporânea. Mas creio que Niceia fez, e continua a fazer, mais do que isso. Ousou afirmar a identidade e a identificação de Deus com a vida e as ações de Jesus de Nazaré."
O artigo é de Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, publicado por Settimana News, 29-07-2025.
Com sua breve intervenção sobre Niceia, Fabrizio Mastrofini lança uma provocação significativa — dirigida principalmente à teologia, é claro, mas também envolvendo a fé de cada cristão (ver aqui). E ele põe o dedo na ferida: simplesmente repetir as palavras do dogma, da exegese e se engajar em sua reconstrução histórica não é suficiente.
Tudo isso, argumenta Mastrofini com razão, permanece irrelevante para a fé dos cristãos que vivem no mundo contemporâneo. Sua proposta paradoxal afirma a necessidade de deixar o dogma para trás e se distanciar dele — isto é, de se engajar em um encontro próximo com as Escrituras, que são a memória de Jesus.
Trata-se de um passo dogmaticamente inquestionável, mesmo segundo os critérios da teologia escolástica, e não apenas por causa do Vaticano II: o dogma, de fato, é rigorosamente regido pela atestação das Escrituras — e não o contrário. Não poderia ser mais ortodoxo.
No entanto, sob o véu de irreverência de sua contribuição, Mastrofini destaca uma espécie de aporia na história do pensamento cristão e da palavra autoritária da Igreja: permitimos o dogma muito menos do que ele poderia e gostaria que fosse.
Nós a reduzimos a uma função de seguro, tornando-a uma espécie de limite intransponível da fé, forçando-a a viver apenas pela mera repetição literal de si mesma.
Demos muito mais espaço à Escritura, que é a própria palavra de Deus, permitindo que ela seja testada em comparação com a vida diária da fé na vida presente do mundo.
Mas o dogma, e em particular o texto do Concílio de Niceia, representa a manifestação de uma aposta cultural de fé que corre o risco de permanecer inigualável – um gesto de coragem, daquela liberdade de fé exigida pelo próprio sentido de Deus escrito nas Escrituras, que relega a experiência de Jesus à contemporaneidade da crença.
Niceia diz precisamente isto: a fé não pode limitar-se a repetir nem sequer o texto sagrado das Escrituras cristãs, mas deve ser capaz de inventar uma nova narrativa para que essas Escrituras possam entrar em contato direto com o ambiente social e cultural que já não é o do grupo dos primeiros discípulos do Senhor.
Mesmo que seja apenas por esse motivo, Niceia continua crucial para a nossa fé hoje. Precisamente porque fez algo que nós, como comunidade eclesial, não somos mais capazes de fazer hoje. E distorcemos seu significado quando afirmamos que não podemos fazê-lo precisamente por causa do próprio Concílio de Niceia.
A (boa) notícia de Niceia é precisamente esta: ela nos autoriza, ou melhor, nos ordena, a ter a inteligência e a liberdade de fé para falar hoje do Deus de Jesus nos vários contextos da humanidade contemporânea. Mas creio que Niceia fez, e continua a fazer, mais do que isso. Ousou afirmar a identidade e a identificação de Deus com a vida e as ações de Jesus de Nazaré.
Respondendo à pergunta: onde está Deus? Nas práticas cotidianas do Crucifixo ou no poder cativante dos Césares da época? Com uma simples palavra, Niceia escolhe a primeira opção — e o faz na presença do novo César que busca na religião cristã o poder de uma nova coesão social que lhe é indispensável.
Essa capacidade de afirmar, diante dos poderes mundanos e das sereias que enfeitiçariam a fé, que o Deus de Jesus não está do seu lado, é surpreendentemente relevante para o nosso mundo de hoje — onde, no Oriente e no Ocidente, o cristianismo parece mais à vontade com os novos seguidores de César do que com o homem da Cruz — a última palavra do Deus de Jesus.
Quando Niceia diz que Jesus é "da mesma substância que o Pai... gerado, não criado", diz que o Deus cristão é capaz de um excesso de amor e ternura do qual "nada maior pode ser concebido". A partir de um Concílio que afirma que a dedicação e o cuidado de Deus são ilimitados, literalmente impensáveis, criamos uma espécie de cadeado para controlar esse excesso que é o Deus de Jesus.
Diante disso, Mastrofini tem razão: a história do dogma, ou melhor, o uso eclesiástico do dogma cristão, acabou se tornando uma espécie de reeducação eclesiástica de Deus: já que és excessivo e, portanto, ingovernável, agora Te dizemos o que deves ser para ser Deus. E não deves te desviar, porque se saíres do perímetro que nós, homens da Igreja, traçamos para Ti, sofrerás as consequências.
E nos uniremos com respeito ao serviço dos Césares de todos os tempos, em vez de admirar-te nas prática concreta do teu Filho.