14 Mai 2025
"Prevost eleito em viés anti-Trump? Não, também porque Leão XIV permanecerá no cargo por mais tempo que ele". A abertura à bênção de casais homossexuais? "O Papa continuará nessa linha, talvez com algumas modificações. Continuará a pregar uma Igreja aberta a todos". E também não interromperá "a valorização das mulheres, confiando-lhes cargos de liderança". Quanto ao sacerdócio feminino, "terá de ser prudente, caso contrário corre-se o risco de uma cisão terrível". O futuro da Igreja "só pode ser colegial; os bispos não podem mais decidir sozinhos, sem ouvir os conselhos do povo". O Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo e Relator Geral do Sínodo dos Bispos, tem ideias claras.
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 13-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Eminência, o senhor gostou dos primeiros passos do Papa Prevost?
Muito. Sua condenação da guerra é muito forte e necessária. A guerra não é um jogo. Pessoas morrem todos os dias. É escandaloso que o mundo pareça aceitar essa realidade. O Pontífice disse claramente que a guerra é um pecado. Um pecado enorme. Porque nasce da sede de poder, da sede de dominação. E provoca morte. É justo e obrigatório que o Papa a denuncie duramente.
O Papa Prevost, em sua saudação ao mundo na loggia central da Basílica de São Pedro, pronunciou com força a palavra Sínodo. Que tipo de sinal é?
Um belíssimo sinal. Creio que Leão XIV está convencido de que a Igreja e a sinodalidade são inseparáveis. Não se pode imaginar uma Igreja que não seja sinodal. Robert Francis Prevost foi membro do Sínodo como monsenhor e como cardeal e participou de um dos grupos de trabalho: estou muito satisfeito que ele tenha escolhido frisar imediatamente esse aspecto fundamental.
O que significa sinodalidade, concretamente?
Significa que todo o povo de Deus caminha junto. Todos temos a missão de anunciar o Evangelho. O caráter missionário da sinodalidade é essencial. A colegialidade atinge o coração do governo eclesiástico e a forma como a autoridade eclesial é exercida. Precisamos de uma Igreja em que leigos e mulheres sejam escutados para a tomada de decisões. Precisamos de maior corresponsabilidade entre hierarquias e povo na orientação da Igreja. Um bispo deve saber escutar o seu povo.
O senhor está pronto?
Sim. Muitas vezes, no meu ministério, mudei de ideia precisamente graças à escuta. Percebi que algumas das minhas convicções eram estreitos demais para compreender plenamente a realidade, não levavam em conta a complexidade e a riqueza da vida cotidiana. A sinodalidade é um exercício de humildade, mas também de confiança no Espírito Santo, que fala por meio das pessoas com quem se compartilham os percursos de vida ou que se encontram.
O Conclave que elegeu o Papa Prevost foi tranquilo?
Sim. Trabalhamos bem. E os tempos curtos são prova disso. Havia um clima de oração, respeito mútuo e busca sincera do bem da Igreja. Havia clareza sobre o que era necessário neste momento histórico. A figura de Prevost angariou amplo consenso graças ao seu equilíbrio, à sua espiritualidade, à sua competência pastoral e a um profundo enraizamento na linha traçada pelo Papa Francisco, ainda que com sua personalidade original.
A escolha de um Papa estadunidense, mas com visões distantes de Trump, também pode ser lida como um contrapeso à política disruptiva do magnata?
Não. Um Papa é escolhido como homem de Deus, de oração. Prevost é um sucessor de Pedro na esteira de Francisco, sem ser uma cópia dele. E ele também é estadunidense, é claro, além de peruano. Mas seria absurdo pensar que um Papa seja eleito para equilibrar um líder político: seu pontificado tem uma envergadura muito mais profunda e universal. Não pensamos em uma barreira para Trump. E, além disso, Trump permanecerá no cargo por quatro anos; Leão XIV, em teoria, por muito mais tempo.
O senhor acha que o Papa Prevost dará continuidade à abertura ao mundo LGBTQ+ delineada por Francisco com a declaração Fiducia supplicans, que permite a bênção de casais do mesmo sexo?
Fiducia supplicans é um documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, portanto, um ato oficial da Igreja. É muito difícil que o ensinamento seja removido. Poderia ser readaptado, mas não anulado.
Mesmo que tenha havido e haja fortes protestos do mundo conservador e tradicionalista?
Posso dizer com certeza: Deus ama a todos. Deus abençoa a todos. Isso não significa aprovar a homossexualidade, mas afirmar que cada ser humano é amado por Deus. E acredito que o Papa continuará neste caminho. E, além disso, pergunto-lhe uma coisa.
Diga.
O senhor estava em Lisboa no verão de 2023, na Jornada Mundial da Juventude?
Sim.
Ali, Francisco proclamou com alegria e ênfase, diante de milhares de jovens de todo o planeta, que a Igreja está aberta a todos, todos, todos. Leão XIV já afirmou que é preciso acolher ‘todos, todos que precisam da nossa caridade, da nossa presença, do nosso diálogo e do nosso amor’. Por isso, estou convencido de que ele seguirá essa linha.
E quanto ao tema das mulheres na Igreja? Prevost valorizará seu papel?
É uma questão complexa. Mas vamos partir de um ponto firme: as mulheres são plenamente iguais aos homens. O seu batismo tem o mesmo valor. O Papa Bergoglio realizou passos importantes, como a nomeação da Irmã Raffaella Petrini como presidente do Governo do Estado da Cidade do Vaticano e da Irmã Simona Brambilla como prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Prevost, tenho a certeza, não voltará atrás.
E o sacerdócio feminino? As diáconas?
O acesso das mulheres à ordenação é um tema delicado. Recebo frequentemente pedidos de mulheres na minha diocese. Mas é preciso ser prudente para não pôr em risco a unidade da Igreja. Há o risco de divisões, lacerações irreparáveis. Porque uma parte consistente da galáxia católica não aceitaria a ordenação de mulheres, se rebelaria. Basta olhar para as tensões que esse tema causou na Comunhão Anglicana: agora há uma séria ameaça de ruptura da unidade no mundo anglicano. Devemos avançar com cautela, deixando claro que a dignidade e a participação das mulheres não dependem da ordenação. E, acima de tudo, devemos superar a ideia de que o sacerdócio é poder.
O que é?
É um ministério, um serviço. Devemos primeiro retornar ao sentido profundo do ministério e do serviço sacerdotal, e quando realmente tivermos essa consciência, teremos que nos perguntar novamente se as mulheres poderão ter acesso a esse ministério.
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