22 Novembro 2024
"Tal como aconteceu com os documentos do Concílio Vaticano II, também para o Documento final do Sínodo a sua eficácia dependerá da sua recepção, entregue à responsabilidade dos bispos e de um compromisso contínuo dos fiéis que até agora foram envolvidos no empreendimento", escreve Severino Dianich, teólogo italiano, em artigo publicado por Settimana News, 22-11-2024.
Segundo ele, "para que o Documento do Sínodo não permaneça letra morta, ao colocarmos as mãos no Código, surgirá outra questão, muito mais radical. O desejo de uma descentralização do governo da Igreja põe em causa, de fato, a própria existência do Código de Direito Canônico: um Código, dois Códigos, vários Códigos ou nenhum Código. É neste terreno que ase move agora a 'canonística' mais interessante".
Superada a decepção da opinião pública e a irritação daqueles que, depois de terem proposto alguns temas particularmente sensíveis ao longo do Caminho Sinodal, os viram retirados da discussão na assembleia e confiados a grupos de estudo particulares, é preciso dizer que o Documento final do Sínodo é um texto muito respeitável sob muitos pontos de vista. Não será possível dizer, o que muitos temiam, que a montanha deu à luz um ratinho.
Com efeito, um primeiro fruto disto é um documento do magistério episcopal, capaz de funcionar como Carta Magna da Igreja do futuro, sobre o modus agendi na determinação do programa da sua vida interna e da sua missão no mundo, com a colaboração e a responsabilidade de todos.
Com tudo isto, a decepção de muitos que esperavam um avanço concreto para a posição das mulheres na Igreja, abrindo caminho pelo menos para a ordenação diaconal, e a criação de uma imagem mais positiva da comunidade cristã para com aqueles que vivem em situações conjugais e familiares específicas, como pessoas divorciadas recasadas ou coabitantes sem casamento, sem mencionar pessoas LGBTQIA+.
Permanece a sensação de que a assembleia sinodal foi privada da reflexão sobre os temas cruciais que foram propostos pelos fiéis ao longo do Caminho Sinodal e para os quais os fiéis e a opinião pública aguardavam soluções inovadoras. Como justificação parcial do fato, só se poderia dizer que estas questões, uma vez colocadas sobre a mesa, abrem toda a questão da moral católica tradicional, que ainda aguarda uma reinicialização por parte dos teólogos, da qual os membros sinodais dificilmente seriam capazes. As testemunhas do sensus fidei do povo de Deus sentiram e expressaram a necessidade, sem terem podido oferecer soluções concretas.
A ausência de uma posição relativa à admissão das mulheres ao sacramento da Ordem, ainda que limitada ao grau do diaconato (apenas por respeito ao recente magistério papal), é seguida no Documento Final pelo menos pela afirmação de que é uma questão que permanece em aberto. Nem poderia ser de outra forma, pois se trata de um caso mais singular do que raro, em que uma pessoa é impedida de exercer determinado ministério, exclusivamente por ser mulher. E isto não acontece porque a condição feminina a prive das aptidões necessárias ao exercício do ministério, mas apenas porque ela é mulher.
Estamos no limite de uma violação daquela “verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na construção do corpo de Cristo”, declarada pelo Concílio no n. 32 da Lumen gentium. Não esqueçamos que Jesus não desdenhou ter ao seu lado mulheres que "o seguiam... desde a Galileia", precisamente, "para o servir ( diakonoûsai autô )" (Mt 27,55).
Para além destas e de outras lacunas que poderiam ser mencionadas, face às expectativas (demasiadas, para ser sincero, demasiado vastas) que foram expressas ao longo do Caminho Sinodal, o Documento Final é um texto importante, já pelo fato de ter estabelecer um programa para promover a sinodalidade não como um fim em si mesmo, mas na direção da missão da Igreja. O texto, portanto, dá à missão, de forma lapidar, uma definição feliz: "A Igreja existe para testemunhar ao mundo o acontecimento decisivo da história: a ressurreição de Jesus" (n. 14).
Deve-se também apreciar que, enquanto a conversa sinodal na Primeira Sessão, sem pouco desconforto, vagou na incerteza do que significava e que sentido tinha a própria ideia de sinodalidade, o Documento Final oferece uma visão bem articulada e descrição clara: o conceito de sinodalidade inclui,
a) um estilo peculiar de atuação na Igreja, tanto na sua vida interna como no exercício da sua missão,
b) algumas estruturas e procedimentos correspondentes determinados institucionalmente,
c) a ocorrência pontual de determinados acontecimentos (n. 30).
Coerente com a intenção de uma promoção eficaz da sinodalidade, a organização da Igreja nos seus diferentes níveis, como nem sempre acontece nos documentos do magistério, é descrita através de uma esquematização ascendente: communio fidelium, communio Ecclesiarum, communio episcoporum: o A Igreja, antes de tudo, são as pessoas, depois os seus grupos comunitários, depois os pastores que os guiam.
Fruto deste raciocínio já tinha sido a nova forma do Sínodo dos Bispos, que o Papa Francisco quis como etapa de um caminho que envolvesse todos os fiéis e como uma assembleia de bispos que não fosse apenas de bispos, mas também fiéis não-bispos participariam de forma significativa, com o mesmo direito de palavra e voto. O Documento Final espera que o Sínodo dos Bispos tenha esta forma de forma estável no futuro (n. 136). Este detalhe bastaria para realçar o seu notável valor histórico.
Para dizer a verdade, não esquecemos que houve, no passado, assembleias de bispos de carácter continental, como as famosas de Medellín e Puebla, nas quais houve uma feliz interação entre as muitas variedades do povo de Deus, com um entrelaçamento articulado entre as responsabilidades dos pastores e o discernimento dos fiéis (nn. 125-127).
Ao longo do Caminho e das duas assembleias sinodais, a figura do bispo foi um tema frequente de discussão, não sem o surgimento de muitos motivos de insatisfação generalizada.
Em primeiro lugar, sobre o modo como hoje os bispos são escolhidos e atribuídos às diversas Igrejas particulares, para o qual os membros sinodais pediram que fossem criadas e adotadas formas de participação dos fiéis das Igrejas locais nas decisões que são tão importantes para eles .
Quanto à eleição e ordenação de bispos que não estão atribuídos ao ministério de uma Igreja local, como acontece com os núncios apostólicos e os funcionários da Cúria Romana, a prática só poderia ser posta em causa (n. 70).
O problema mais sentido, no entanto, ainda era o de um exercício exorbitante da autoridade papal por parte da Cúria Romana e a necessidade de conceber de forma mais ampla os espaços nos quais os bispos individuais e os seus vários colégios locais são totalmente responsáveis pelas decisões necessárias no território.
Note-se que, no sistema atual, nem mesmo os concílios particulares, que muitas vezes, ao longo da história, também foram decisivos para a Igreja universal, podem emitir documentos com autoridade, sem o reconhecimento da Santa Sé, para a qual não existe. É surpreendente que os membros sinodais queiram que toda esta questão seja revista no sentido de uma necessária descentralização do governo da Igreja, através da valorização das conferências episcopais.
Além da autoridade do concílio ecumênico e do papa, não existe nenhum colégio episcopal que tenha o poder de se impor ao bispo individual, portanto, apenas o poder de Roma permanece eficaz para uma ampla gama na Igreja (nn. 125-136). .
A nível geral, os membros sinodais pediram “que seja implementado um discernimento mais corajoso sobre o que pertence ao ministério ordenado e o que pode e deve ser delegado (grifo nosso) a outros”.
A utilização da ideia de delegação numa afirmação que pretende negar a sua necessidade é a prova de quão difícil ainda é na Igreja Católica reconhecer a plena subjetividade eclesial dos fiéis, bem como as tarefas, carismas e ministérios que peça, no mínimo, para ser reconhecido como pertencente aos fiéis, e não delegado pelos pastores aos fiéis.
Pensemos nos problemas da vida conjugal e familiar e no paradoxo do bispo que delega, aquele que não tem os carismas, pois está juramentado ao celibato, a responsabilidade da pastoral familiar aos cônjuges bem dotados deles pela graça do sacramento.
Sem mencionar o problema do magistério episcopal e papal relativo à moralidade conjugal, que nunca mais do que neste caso exigiria ser trabalhado sinodalmente junto com aqueles fiéis que, ao contrário dos bispos, receberam do seu sacramento os carismas necessários para o necessário discernimento.
Por fim, não foi de pouca importância o pedido de muitos bispos para não terem de desempenhar, a par da função pastoral com o seu carácter paterno, também a judicial, abrindo a possibilidade de os tribunais eclesiásticos não serem presididos pelo bispo. e, portanto, adquirir efetivamente, com a imparcialidade do juiz, sua independência em relação à autoridade.
Na base da vida eclesial, nas dioceses e nas paróquias, o desenvolvimento da sinodalidade deve beneficiar antes de tudo dos conselhos pastorais e dos conselhos económicos, já previstos na atual ordem canónica.
Os membros do Sínodo pediram, portanto, com frequência e por unanimidade, que se tornassem obrigatórios e que fossem tomadas medidas para os tirar daquele certo formalismo em que, de fato, se achataram.
O Sínodo considera necessário, antes de tudo, que a designação dos membros seja regulamentada, não ficando ao critério do pároco, por isso deve-se ter o cuidado de constituir fiéis empenhados no testemunho da fé na sociedade civil, em vez de fiéis engajados em serviços na comunidade e, finalmente, que se promova a necessária articulação entre as suas funções consultivas e deliberativas.
Este poder apenas consultivo, na realidade, é um problema grave, para o qual não foi proposta uma solução adequada. Os sinodais, de fato, limitaram-se a pedir que, nos respectivos cânones do Código, fosse revista a fórmula do “apenas consultivo” (tantum consultivum) (n. 92).
Na realidade, se queremos promover a sinodalidade, não se trata de mudar a fórmula, mas a substância dos processos de decisão, isto é, de distinguir as áreas da vida comunitária em que é necessário o exercício da autoridade do pastor. , enquanto o fiel tem uma função consultiva, de inúmeras outras áreas, nas quais os fiéis são dotados de competências, manifestações dos carismas do Espírito, com as quais o pastor não está equipado, portanto eles mais do que o pastor são capazes de fazer discernimento e determinar a decisão.
Se não for dada aos concílios uma capacidade de decisão específica quando o problema não exige o exercício da autoridade sacramental do pároco, a sinodalidade nas Igrejas locais e nas paróquias não fará nenhum progresso efetivo. O que o Sínodo, no entanto, pediu explicitamente é que os pastores e aqueles que assumiram responsabilidades na comunidade sejam responsáveis perante os seus respectivos conselhos pelas suas ações (nn. 103-106).
A este respeito, o Documento Final insiste no fato de que é necessário superar a ideia tradicional de que apenas os inferiores devem prestar contas aos superiores pelos seus atos e não o contrário, citando também a passagem dos Atos dos Apóstolos em que Pedro foi forçado justificar-se por ter batizado um pagão (At 11,2-3). Vemos também no esquecimento desta prática um derivado do clericalismo, bem como a sua alimentação contínua (nn. 95-99).
No que diz respeito aos assuntos económicos, entre outras coisas, solicita-se que, se possível, o relatório seja certificado por auditores externos.
Tal como aconteceu com os documentos do Concílio Vaticano II, também para o Documento final do Sínodo a sua eficácia dependerá da sua recepção, entregue à responsabilidade dos bispos e de um compromisso contínuo dos fiéis que até agora foram envolvidos no empreendimento.
Isto não significa que não seja necessário começar a reformar alguns aspectos da ordem canônica atual, como a do “consultivum tantum”, a obrigatoriedade e os procedimentos dos conselhos, o dever de reportar em todos os sentidos, etc.
Se tudo isto parecer necessário imediatamente, para que o Documento do Sínodo não permaneça letra morta, ao colocarmos as mãos no Código, surgirá outra questão, muito mais radical. O desejo de uma descentralização do governo da Igreja põe em causa, de fato, a própria existência do Código de Direito Canônico: um Código, dois Códigos, vários Códigos ou nenhum Código. É neste terreno que se move agora a 'canonistica' mais interessante.
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Sobre o Documento Final do Sínodo. Artigo de Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU