10 Agosto 2020
Um dos objetivos do Sínodo para a Amazônia era criar novos caminhos. A Conferência Eclesial da Amazônia, nascida em 29 de junho passado, é apresentada como uma das grandes novidades da Igreja nas últimas décadas, de uma Igreja que quer viver a unidade e a diversidade. Refletir sobre este tema foi a razão do seminário virtual que o Escritório JPIC-OFM organizou neste sábado, 8 de agosto, dia que permanecerá marcado no calendário da Igreja da Amazônia como o dia em que um de seus grandes profetas, Pedro Casaldáliga, fez sua Páscoa.
Três dos membros desta Conferência Eclesial da Amazônia intervieram no webinar: o presidente do CELAM, dom Miguel Cabrejos, irmã Laura Vicuña Pereira, religiosa Catequista Franciscana do povo indígena Cariri, e Mauricio López, secretário executivo da REPAM.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O chamado para renovar o relacionamento entre Deus e a humanidade tem sido uma constante ao longo da história. O desafio divino para a Igreja de buscar novos caminhos foi lançado em diferentes momentos, como lembrou Mauricio López, ao trazer a cena de São Francisco diante do Cristo de São Damião, na qual o santo de Assis é encarregado da tarefa de reconstruir a Igreja, algo que hoje pode ser atualizado no chamado que a Igreja recebeu para contemplar e cuidar do Cristo Crucificado na Amazônia e em todas as partes do mundo. Neste sentido, o secretário executivo da REPAM reconheceu o grande testemunho de vida e missão de dom Pedro Casaldáliga, alguém que realmente fez presente uma Igreja encarnada.
Mas as novidades são algo que também nos deixam desconfortáveis, provocam temores, especialmente quando se trata de algo que vem da periferia, e se há algo que o Sínodo para a Amazônia nos mostrou e que se faz presente novamente com esta Conferência Eclesial da Amazônia, é que a periferia é o centro, "nada mais evangélico do que o que é esquecido se tornar um caminho de iluminação", segundo Mauricio López. Ele insiste que vivemos um processo no qual "o marginal, o periférico, o pequeno veio para iluminar o centro, para iluminar toda a Igreja desde sua encarnação no território".
O Sínodo para a Amazônia mostrou a importância do sensus fidei, que torna presente "a marca de Deus na forma de acreditar do povo, dos pequenos", segundo o Secretario Executivo da REPAM, mostrando a importância de que "a periferia tem uma palavra e que sua palavra é o que guia o processo". De fato, Maurício insistiu, como tem feito repetidamente, na importância de um documento que passou despercebido para muitas pessoas, a Episcopalis Communio, que é um convite para escutar o Povo de Deus. Neste processo de escuta do Sínodo, ele enfatizou a importância da mulher e dos povos originários, lembrando a celebração de abertura da Assembleia Sinodal aos pés do túmulo de Pedro, um lugar onde os povos originários se sentiam em casa.
O Sínodo da Amazônia e a própria Conferência Eclesial da Amazônia fazem parte de uma caminhada que começou com a Laudato Si', na verdade é algo que tem suas raízes no Concílio Vaticano II. O papa Francisco quis deixar claro que há espaço para a periferia, a importância da interculturalidade, sabendo que há muitos interesses, também dentro da Igreja, que há grupos de pressão que não querem mudanças. Somos desafiados a mudar o modo de vida, algo que deve ser baseado no reconhecimento da capacidade dos povos originários de se relacionar com a Terra. Tudo isso diante do mal que está destruindo o mundo, algo que está sempre presente nas preocupações do papa Francisco, e que nos chama a responder transbordando, na opinião de Mauricio López, que insiste que buscar novos caminhos não significa acabar com os anteriores.
Nesta tessitura, o secretário executivo da REPAM, que como tal faz parte dela, vê a Conferência Eclesial da Amazônia como fruto de um processo, do discernimento, das propostas do Documento Final do Sínodo, aprovado e assumido pelo Papa na Querida Amazônia. Nesse documento, segundo ele, há elementos estruturantes, como o rito amazônico, a universidade da Amazônia, a ministerialidade da Igreja diante da realidade dos povos da Amazônia, propostas essenciais do Sínodo que requerem uma estrutura de longo prazo, algo que se concretiza na Conferência Eclesial da Amazônia.
Na nova conferência, Maurício destaca três novidades: é uma conferência, o mais alto status dentro da Igreja; não é uma conferência episcopal, é uma verdadeira conferência eclesial, com a presença dos povos originários, dos leigos, que pode iluminar outras regiões; é da Amazônia, rompe com a noção de estado, de país, e responde a um território. É um exercício de sinodalidade, que está sendo acompanhado de perto pelo papa Francisco, um fruto do Espírito, um kairos, é uma novidade do Espírito, com uma perspectiva de longo prazo, que busca complementaridade, insiste Mauricio López.
Uma das grandes novidades da Conferência Eclesial da Amazônia, que mostra sua diversidade, é a presença de povos indígenas e mulheres. Em Laura Vicuña Pereira, isso está presente. Depois de fazer uma memória emocionada de Pedro Casaldáliga, alguém em quem, após sua morte, ela vê a figura de um encantado, um espírito protetor para os povos da Amazônia, a religiosa Catequista Franciscana, afirmou que a nova conferência dá um corpo institucional a todo o trabalho que é realizado no território amazônico. Trata-se de "uma luz que pode iluminar, irradiar, desde a periferia, as vozes que foram silenciadas, as espiritualidades que foram apagadas". Neste sentido, representa "um encontro do Bem Viver com a Boa Nova do Evangelho, um sopro da Divina Ruah".
A representante dos povos indígenas na conferência a vê como uma expressão de unidade na diversidade de nossa Igreja, um chamado à conversão para o renascimento do Sínodo, aprendendo a caminhar juntos, todos os povos da Amazônia. Neste sentido, a religiosa vê este momento como um exercício da mente e do coração que exige uma visão descolonizante, com abertura para a diversidade dos povos indígenas, das comunidades tradicionais, daqueles que vivem nas periferias". A Conferência Eclesial da Amazônia traz à mente "a diversidade da Igreja da Amazônia, um processo de inculturação da fé, afirmando a importância dos povos originários, guardiães de uma cultura milenar, de uma grande biodiversidade". São eles que nos ensinam a amar e cuidar do território como a própria vida, pensando nas gerações futuras", diz a indígena do povo Cariri.
A religiosa não esqueceu a crise de saúde na Amazônia, diante da qual os governos optaram por defender a economia e não a vida. Uma crise sanitária que é acompanhada por um aumento na grilagem, queimadas, desmatamento, em uma região onde o crime organizado está ganhando força. Neste momento, a representante dos povos originários, vê a Conferência Eclesiástica da Amazônia como uma organização que dá este peso de aliança em defesa dos direitos dos povos amazônicos e da Mãe Terra.
Junto com isso, estamos diante de algo novo, "superando o modelo androcêntrico, patriarcal e clerical, buscando novas eclesiologias, formas de organização dentro da Igreja", afirma Laura Vicuña Pereira. Segundo ela, "a diversidade da formalização institucional nos ajudará a fazer este caminho, esta aprendizagem, tendo como protagonistas os povos da região". A agente do Conselho Indigenista Missionário enfatiza que "ao longo da história, as mulheres têm mantido a capacidade de resistência e o ressurgimento de uma nova forma de vida, pensando nas gerações futuras", algo que a Conferência Eclesial da Amazônia pode ajudar a avançar. O objetivo é "construir uma Igreja que viva a unidade, a comunhão na diversidade, e para isso é necessário estar interligados. A diversidade só pode crescer e produzir muitos frutos se estiver interligada".
"Com a Conferência Eclesial da Amazônia, mantém-se a esperança de que o espírito do Sínodo permaneça vivo", de acordo com dom Miguel Cabrejos. O presidente do CELAM falou do Sínodo como um tempo de graça, o que ajudou para a conscientização de uma Igreja mais sinodal crescer na Igreja da Amazônia, algo que foi vivido nos encontros preparatórios. Referindo-se ao Documento Final do Sínodo, Cabrejos insistiu na importância de estarmos junto ao Povo de Deus, de a Igreja na Amazônia ser mais marcada por um estilo sinodal, de fortalecer uma cultura de diálogo e escuta. Neste sentido, ele enfatiza que a conversão é um processo, que requer coragem para gerar as mudanças necessárias, para superar o clericalismo e as imposições arbitrárias, insistindo que não se pode ser Igreja sem reconhecer o sensus fidei do Povo de Deus, algo que é valorizado com a criação da nova conferência.
Esta afirmação do presidente da Conferência Episcopal Peruana é baseada no Evangelho, que destaca "a igualdade entre todos os crentes, uma igualdade que é um dom do Espírito, algo muito presente nas primeiras comunidades cristãs". Segundo o prelado, "o espírito de sinodalidade nos conecta com o Espírito de Jesus". Nesta perspectiva, ele enfatizou que "o papa Francisco está convencido de que o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio". Isto se concretiza em "um processo de escuta mútua da voz do Espírito, no qual todos são chamados a oferecer suas contribuições, algo vivido no processo sinodal", segundo o presidente do CELAM, que insistiu que "o Sínodo nos convidava a gerar uma cultura de diálogo".
Como os outros dois oradores, Cabrejos vê a Conferência Eclesial da Amazônia como algo novo, sem precedentes, uma clara expressão de sinodalidade, que em sua opinião "quer ser um instrumento para que a Igreja esteja a serviço dos povos, gerando redes". Ele define como missão principal da nova conferência, "ajudar a delinear o rosto amazônico da Igreja, levando em conta a dignidade dos povos, a opção pelos pobres, o respeito por sua cultura, a promoção da ecologia integral". Para isso, é fundamental "prestar atenção à realidade da Igreja local na Amazônia", realizando uma lista de tarefas.
A sinodalidade não se reduz a algo que olha apenas para o interior da Igreja, na opinião de dom Miguel Cabrejos, "nos chama a escutar o grito da Terra e o grito dos pobres e a nos convertermos a uma ecologia integral". Para isso é necessário "dar lugar à audácia do Espírito, ao desenvolvimento de nossa própria cultura eclesial, marcadamente laica, para alcançar uma presença capilar, só possível com os leigos".
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“Não se pode ser Igreja sem reconhecer o sensus fidei do Povo de Deus”, afirma dom Miguel Cabrejos, presidente do CELAM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU