28 Agosto 2024
A história de Rosário Lo Negro. Ele descobre que é gay no seminário. Entra no círculo das terapias reparadoras: “O rito inicial? Tínhamos que ficar nus e resistir”. O bispo Reina: “São percursos que não são impostos a ninguém”. Se você for homossexual, você é “ruim”. Você tem um comportamento “desordenado”. Rosário Lo Negro tinha 13 anos de idade quando leu essas palavras preto no branco. Uma frase que imediatamente o fez pensar apenas numa coisa: “Sou errado”.
A reportagem é de Alessia Arcolaci, publicada por Domani, 26-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estava escrito (e ainda está) no Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais, assinado em 1986, quando o papa era João Paulo II, pela Congregação para a Doutrina da Fé, cujo referente era o então cardeal Joseph Ratzinger.
Rosário era um adolescente como muitos outros e estava procurando uma resposta para suas dúvidas sobre sua possível homossexualidade. Ele queria dar um nome ao que estava sentindo, e o principal ponto de referência de sua adolescência era a paróquia de Realmonte, com pouco mais de quatro mil habitantes, na província de Agrigento. Rosário havia crescido ali, frequentando a escola dominical e estudando o catecismo. “Eu não sabia onde me colocar e ler aquelas palavras me deixou mal”. Logo depois, entrou no seminário de Agrigento com o objetivo de se tornar sacerdote e logo se viu em um pesadelo chamado “terapias reparadoras ou de conversão”. Tinha 20 anos, Rosário, em 2017.
Apenas um ano antes haviam sido aprovadas na Itália, as uniões civis para casais do mesmo sexo, enquanto mais de 30 anos antes, a Associação Americana de Psiquiatria e a Organização Mundial da Saúde haviam retirado a homossexualidade da lista das patologias. Ser homossexual não é uma doença. Esse era o avisto que vinha especialmente dos Estados Unidos em resposta às teorizações de terapias para “converter os homossexuais”.
A primeira a falar de “terapias reparadoras” foi a psicóloga britânica Elizabeth Moberly na década de 1980, seguida pelo estadunidense Charles Socarides e pelo psicólogo católico conservador Nicolosi, que juntos fundaram a National Association for Research & Therapy of Homosexuality. Atualmente, se chama Aliança para a escolha terapêutica e a integridade científica e oferece seminários e conferências mediante pagamento. Seu objetivo é “curar as feridas” que levam à homossexualidade. Não existe nenhum estudo científico que tenha dado espaço a possíveis benefícios dessas terapias. Ao passo que as consequências psicológicas, inclusive de longo prazo, pagas por pessoas que se submeteram aos “seminários de cura” são amplamente certificadas. Como Rosário. “Quando entrei no seminário, eu não tinha tido nenhuma experiência sexual. Felizmente, havia uma psicóloga com quem comecei a conversar. Foi ela quem primeiro me ajudou a dizer 'sou homossexual'. Ela me aconselhou a viver pelo menos um ano fora do seminário ou conversar sobre isso com os superiores. E foi isso que eu fiz”.
O reitor do seminário em Agrigento naqueles anos era Dom Baldassarre Reina, que foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo auxiliar de Roma em 2022 e mais tarde se tornou o novo bispo responsável pelo serviço diocesano pela tutela dos menores e das pessoas vulneráveis.
“Eles me disseram que tomariam algum tempo para avaliar meu caso”, continua Rosário. “No entanto, eu me apaixonei por um garoto e tive minhas primeiras relações sexuais, que vivenciei com um profundo sentimento de culpa. Falei sobre isso com o meu pai espiritual e a frase que eu utilizava para evitar dizer explicitamente que havia dormido com um garoto era 'eu caí'. Ele respondeu que era o diabo que estava testando a minha vocação”.
Algum tempo depois, Rosário conheceu no seminário o fundador do grupo Verdad y libertad, Miguel Ángel Sánchez Cordón, um pediatra de Granada, amigo da igreja e do Vaticano, que se propunha “curar” os homossexuais por meio de um percurso de espiritualidade que visava, acima de tudo, curar os traumas de infância. Ele mesmo, ligado naqueles anos ao Movimento dos Focolares, se apresentava como um ex-homossexual que havia descoberto a heterossexualidade.
“Na conversa que tive com ele, pediu-me que falasse de mim e lhe dissesse o que eu gostava de fazer sexualmente. Ele me fez perguntas muito diretas e finalmente me disse que chamaria o reitor e que eu teria de lhe contar tudo pessoalmente. Eu o fiz, com imenso constrangimento, e a resposta foi que eu começaria o percurso de terapia”. Para começar a falar sobre o que sofreu durante aquele período, Rosário levou meses cheios de frustração e de culpa. Para se reerguer, iniciou um percurso (verdadeiro) de psicoterapia que continua até hoje e que o está ajudando a lidar com as crises de ansiedade e de raiva repentina que o acompanham há anos.
“Eu 'fechei a porta' em 9 de setembro de 2017 em Palermo, em uma paróquia em Bagheria. Aquele era o ritual inicial e consistia em ficar trancado em uma salinha, com uma lista escrita de coisas que eu tinha que deixar do lado de fora da porta, como a pornografia e a atração pelo mesmo sexo. Alguém depois abria a porta e dizia ‘você quer vir para a luz’, você respondia que sim, saía pela porta e colocava alguns cadeados simbólicos: para o sexo, para a masturbação. O rito se encerrava com um abraço coletivo de todos os presentes. Havia pessoas que também se conectavam on-line para acompanhar esses momentos comunitários, de diferentes partes do mundo”.
O percurso durava um ano. “Era um empenho diário, porque você tinha que enviar mensagens no grupo do Telegram com alguns propósitos, à noite você enviava o relatório e tinha que dizer se tinha tido algum mínimo impulso ou ereção. Se isso acontecia, você tinha de escrever no grupo ao vivo e todos começavam a enviar mensagens de apoio e orações coletivas para ‘vencer a tentação’. Você se sentia forte porque conseguia resistir e essas são as coisas que deixam as feridas mais profundas depois. O cérebro faz determinadas associações automaticamente e viver a sexualidade se torna muito difícil”.
Havia algumas etapas obrigatórias, que incluíam uma viagem à Espanha, onde eram realizados encontros na casa de Sánchez Cordón. “As despesas de viagem eram pagas pelo seminário”. Na Espanha, os encontros se tornavam rituais destinados a dessexualizar o corpo masculino. “Todos nós devíamos ficar nus na piscina, olhando uns aos outros, para educar o corpo a não se excitar. Depois, em grupos, tínhamos de ficar em frente ao espelho, que ficava no quarto de Cordón. Quando eu fiz isso, éramos dois padres e dois seminaristas. Você tinha de se olhar no espelho e dizer o que gostava em si mesmo, depois tinha que fazer isso todos os dias em casa, sozinho”.
Os encontros eram supervisionados não por profissionais, mas pelo fundador, juntamente com alguns “irmãos mais velhos”, ou seja, pessoas que já haviam seguido o percurso e tinham decidido permanecer no grupo para ajudar outros rapazes. “Eram os que estavam bem”, sorri Rosário do outro lado do computador. Ele está em sua casa, em Milão, onde agora vive com seu parceiro e estuda filosofia. Quando fala, Rosário, que agora é ativista do Projeto cristãos LGBT+, ri com frequência, às vezes abaixa o tom de voz e pergunta se pode ser explícito, seu rosto fica corado. Depois, há a raiva, que ele mantém sob controle, mas que não desapareceu. O percurso de Rosário durou cerca de três meses. “Tive uma discussão e percebi que, na verdade, todos nós éramos cobaias ali dentro. Eles me repetiam que na raiz de tudo estava a minha família, meus pais, que estavam decepcionados comigo. Decidi ir embora”.
Em 2021, a Congregação do Clero do Vaticano se distanciou oficialmente e condenou as terapias reparadoras realizadas pelo grupo Verdad y libertad. Falamos sobre isso com o D. Baldassarre Reina, reitor do seminário em Agrigento durante os anos de Rosário.
“O objetivo do percurso de formação é de uma plena maturidade humana, afetiva, espiritual e vocacional, e não há terapias impostas”, disse ele. “Com muitos dos seminaristas que escolheram livremente seguir aquele percurso, mantive excelentes relações. Alguns deles são padres, outros são casados. Ninguém jamais me relatou pessoalmente traumas sofridos, caso contrário eu teria ouvido, teria tentado entender e, se houvesse razões para o sofrimento, ligadas à minha forma de agir, não teria tido nenhuma dificuldade em pedir desculpas”.
Em particular, sobre o grupo liderado por Cordon, Reina respondeu: “O reitor de um seminário, antes de confiar seus seminaristas a um percurso desse tipo, obviamente pede para participar de alguns encontros, para testar sua correção. Portanto, nos encontros em Palermo, o arcebispo e eu também quisemos participar. O percurso de formação de cada seminarista é sempre avaliado pela equipe de formação, nunca apenas pelo Reitor, e o resultado do discernimento é depois submetido ao Bispo para sua palavra final”. O grupo Verdad y libertad não foi o único a se aproximar dos seminários naqueles anos. “Propostas como aquelas são dirigidas a toda uma comunidade, para aqueles que querem iniciar um percurso de releitura de sua própria história”, continua o alto prelado. “Nesses contextos, às vezes surgem feridas na dimensão afetiva, ligadas à família de origem ou a determinados dramas vividos na adolescência. Alguns seminaristas pedem pessoalmente para poder seguir percursos de acompanhamento desse tipo e, quando o fizeram, não poucos relataram uma satisfação completa pelo caminho realizado”.
Na Itália, diferentemente do que acontece em Malta, na França ou na Alemanha, não existe uma lei ad hoc que proíba essas terapias, apesar de serem proibidas pelo Conselho Nacional da Ordem dos Psicólogos e pela Sociedade Italiana de Psicologia. Ainda hoje, na Itália, especialmente nos ambientes ultracatólicos, continuam a existir pessoas que as praticam. E outras que se tornam suas vítimas.
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Assim, a Igreja tenta “curar” os gays. As terapias reparadoras nos seminaristas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU