30 Mai 2024
O artigo é de Jesus Martínez Gordo, doutor em Teologia Fundamental e sacerdote da Diocese de Bilbao, professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao. É membro do Cento "Cristianisme i Justícia", em Barcelona, e professor visitante na Faculdade de Teologia do Sul da Itália, em Nápoles.
O artigo é publicado por Religión Digital, 29-05-2024.
Ontem à noite, 27 de maio, tomei conhecimento, graças a um amigo homossexual, da suposta vulgaridade proferida por Francisco na Assembleia Plenária semestral da Conferência Episcopal Italiana, em 20 de maio, e da qual se tornou conhecida, pelo vazamento dela para o jornal “La Repubblica”: “há muita viadagem – teria dito aos bispos italianos – em certos seminários”. Segundo os responsáveis pelo vazamento – relatado, por sua vez, pelo “Il Corriere della Sera” – esta suposta vulgaridade papal teria sido ouvida com “risadas incrédulas”, e não com vergonha alheia; entre outras razões, porque o Papa não teria consciência “de quão ofensiva era aquela palavra” em italiano romano.
Estou interessado em saber – disse esta manhã ao meu amigo homossexual – o que está por trás desta suposta vulgaridade papal. E mais ainda, sabendo que o Papa Francisco tem feito campanha, desde o primeiro dia do seu pontificado, a favor de uma Igreja acolhedora, sem distinções baseadas na orientação sexual. Tudo bem, ele me respondeu, o uso de tal expressão sempre me incomoda – muito –. Mas mais ainda, se estiver na boca de um Papa. Às três da tarde de hoje, 28 de maio, Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, declarou – respondendo aos jornalistas – que “o Papa nunca teve a intenção de ofender ou de se expressar em termos homofóbicos, e pede desculpas “aqueles que se sentiram ofendido pelo uso de um termo referido por outros."
Avisei-o sobre a retificação do Vaticano e, um pouco mais calmo, ele me disse: concordo com você que seria interessante conhecer a questão subjacente, visto que ele ainda está disposto, com base na Nota que você me enviou, a tratar homossexuais como o resto dos filhos de Deus. Exatamente, respondi: eis a questão, embora a retificação fornecida não me convença completamente.
E envolvido no assunto encontro-me com um diálogo eclesial – nem sempre fácil, mas muito interessante – sobre o tratamento que deve ser dado aos seminaristas e padres homossexuais italianos; e, por extensão, a todos, independentemente da sua nacionalidade. Para os bispos italianos, a Igreja tem de parar de discriminar os homossexuais. Por esta razão, propõem que o Papa supere o critério formulado a este respeito pela Congregação para a Educação Católica em 2005, quando a referida Congregação sustenta que “a Igreja, respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir no seminário e nas ordens sagradas aqueles que praticam a homossexualidade e têm tendências homossexuais profundamente enraizadas”. Ao contrário do pressuposto em que se baseia a posição desta Congregação, os bispos italianos entendem que é chegado o momento de reconhecer que a homossexualidade é uma “tendência não escolhida”, tal como a heterossexualidade. Isto significa que devemos proceder com seminaristas e padres homossexuais como fazemos com heterossexuais.
Por isso, o critério a aplicar deveria ser - como, por exemplo, propôs o Cardeal Giuseppe Versaldi num livro recente - aquele incluído na primeira parte da frase acima citada: a Igreja não pode admitir no seminário e nas ordens sagradas àqueles que mantêm relações sexuais, sejam elas heterossexuais ou homossexuais. Aderindo a este critério, o mesmo princípio que está presente para os heterossexuais seria aplicado aos seminaristas e padres homossexuais, ou seja, candidatos homossexuais não ativos seriam aceitos como seminaristas.
O que poderia ter acontecido para que Francisco, tendo aberto o debate que levou a uma revisão do tratamento dado pela Igreja aos homossexuais, supostamente se opusesse ao acolhimento de seminaristas homossexuais não ativos?
Aqui, as explicações possíveis disparam: Francisco – já se ouve há algum tempo – é um Papa muito temperamental. No Vaticano têm medo dele porque nunca se sabe o que ele pode dizer ou fazer, por mais preparados que sejam os discursos e as palavras que - segundo a opinião dos seus conselheiros - lhe convém pronunciar. Mas não só isso. Desde que os bispos centro-africanos se levantaram contra a sua autorização para abençoar casais irregulares e homossexuais, parece ter entrado nele o medo que quase sempre toma conta de todos os papas abertos, especialmente na reta final dos respetivos pontificados: o de não ser um papa que causa a divisão na Igreja, embora o preço a pagar seja a saída – quase sempre silenciosa – de uma parte considerável dos católicos mais abertos e progressistas.
Conhecendo um pouco como procede este Papa, acredito que, no final, ele vai deixar esta porta entreaberta, embora muitos de nós possam considerá-la mais fechada do que aberta e mesmo que ele estrague tudo, como parece ter sido - é claro, supostamente - nesta ocasião. É algo que já aconteceu antes, por exemplo, com a comunhão para os divorciados recasados no civil ou com as bênçãos para casais irregulares e homossexuais. Ao tempo.
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A suposta vulgaridade de Francisco. Artigo de Jesus Martinez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU