18 Junho 2024
O francês François-Xavier Drouet assina um documentário sobre a temporada revolucionária da América Latina. Apresentado no Biografim de Bolonha, “L’évangile de la révolution” reconstrói histórias e personalidades, bem como as dificuldades com a Igreja romana.
A reportagem é de Alessandra De Luca publicada em Avvenire de 12-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um documentário para reconstruir a memória da Teologia da Libertação, ressaltar a sua importância histórica por meio de inúmeras entrevistas e uma grande riqueza de imagens de arquivo, retratando as lutas sociais em El Salvador, Brasil, Nicarágua, México, também relembradas por algumas passagens do Evangelho como “Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso?” (Lucas 12,49), “Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os humildes” (Lucas 1,52), “Assim os últimos serão primeiros, e os primeiros últimos” (Mt 20,16).
O vento revolucionário que soprou na América Latina no século XX deve muito à participação de milhões de cristãos, engajados nas diversas lutas políticas em nome da sua fé. Guiados pela Teologia da Libertação, lutaram contra os regimes militares e as oligarquias arriscando as suas vidas. Apesar da ideia marxista da “religião como ópio do povo” abraçada muitos anos atrás, o diretor francês François-Xavier Drouet, de 43 anos, foi ao encontro do mulheres e homens que acreditaram ver na revolução o advento do Reino de Deus, na terra antes que no céu, e que sobrepuseram radicalmente a sua existência à do movimento, com a esperança de uma sociedade mais igualitária. Desde a década de 1960, quase 200 padres, pregadores, freiras, missionários, frades das Igrejas Católica e daquelas Reformadas foram assassinados devido ao seu empenho com a justiça. Juntamente com milhares de catequistas, agentes pastorais e membros da comunidade eclesiástica. Mais do que os mártires cristãos dos primeiros séculos, sublinha o diretor. As suas esperanças, porém, não deixaram de nutrir batalhas presentes e futuras.
Imagem: 15ª Estação da Cruz da América Latina, de Adolfo Pérez Esquivel
O resultado é L'évangile de la Révolution, um filme apresentado no Festival Biografilm, que se realiza em Bolonha até 17 de junho, a história do empenho, da coragem e da sede de justiça de tantos cristãos, mas também de uma história não isenta de contradições e das razões que levaram ao fracasso das experiências revolucionárias em muitos países latino-americanos, pelos quais Drouet viajou em busca do legado deixado pela Teologia da Libertação.
Em El Salvador encontramos o Padre Roger Ponseele que, mesmo sem nunca ter tocado numa arma, acompanhou por doze anos aqueles que tinham decidido se levantar contra uma das mais antigas ditaduras latino-americanas.
A mídia falava de guerra civil, mas para os milhares de camponeses organizados em grupos de guerrilha foi uma verdadeira revolução, convencidos de que o primeiro revolucionário era justamente Jesus, vindo à Terra para mostrar o caminho para a libertação. Quando a repressão começou a sem impor com força, ser catequistas ou simplesmente possuir uma Bíblia tornou-se crime punido com a prisão ou a morte por um exército cujo lema era: “Seja um patriota, mate um padre”.
O documentário fala depois sobre Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, que falava claramente de violência institucional perpetrada pela direita, determinada a usar a opressão para preserve seus privilégios. Romero foi morto em 24 de março de 1980 enquanto celebrava a missa, tragédia que exacerbou a revolta. Foi então que os Estados Unidos declararam a Teologia da Libertação um perigo ainda maior do que o comunismo, frustrando as ambições de justiça em países como Chile, Brasil, Bolívia, Guatemala e subsidiando a repressão dos militares, paradoxalmente em nome dos valores cristãos.
Daniel Ortega acompanha o Papa João Paulo II, que levanta o dedo para o ministro da Cultura e padre Ernesto Cardenal, durante as cerimônias de boas-vindas no aeroporto de Manágua, Nicarágua, em março de 1983 (Foto: America)
O teólogo, ativista, escritor e político dominicano Frei Betto no Brasil lembra como Marx também definiu a religião como “o grito de um coração em uma sociedade sem coração”, um grito de protesto e resistência. São relembradas as atrozes torturas infligidas ao Frei Tito de Alencar, conta-se que a Igreja primeiro apoiou o golpe militar de 1964 e depois tornou-se o maior inimigo da ditadura e cita-se Hélder Câmara, arcebispo do Recife, que dizia: “Quando dou comida aos pobres me chamam de santo, quando me pergunto por que são pobres chamam-me de comunista”. Depois foi entrevistado o mais radical Leonardo Boff, um dos fundadores da Teologia da Libertação e autor do livro Igreja: carisma e poder, que não agradou o Vaticano pelas suas críticas às hierarquias e instituições.
Seguindo para a Nicarágua fala-se de Rafael Aragon, padre espanhol que acompanhou durante dez anos a experiência sandinista, da necessidade de ensinar a ler aos últimos da terra, mas também de nutrir a consciência de sua dignidade. Em seguida, narra-se a visita de João Paulo II a Manágua, em 4 de março de 1983, de um Papa furioso ao ver um cartaz que dizia “Bem-vindo à Nicarágua livre graças a Deus e à revolução”. Naquela ocasião o Pontífice recusou apertar a mão de Ernesto Cardenal, sacerdote, poeta e teólogo, que se tornou Ministro da Cultura após a queda do regime de Somoza, no governo de Daniel Ortega, mas no dia seguinte, como recorda a jornalista e teóloga Maria Lopez Vigil, apertou aquela de Roberto D'Aubuisson, presidente da Assembleia Legislativa de El Salvador, considerado o "assassino intelectual" de Romero. Uma atitude que decepcionou os nicaraguenses, mas que evidentemente deve ser vista na história pessoal e global do Papa polonês, cujo papel foi decisivo na queda dos regimes comunistas na Europa Oriental e numa histórica e motivada desconfiança da Igreja em relação ao marxismo.
Suspenso a divinis por sua militância política, Cardenal foi mais tarde plenamente reintegrado pelo papa Francisco. O filme também analisa as causas do fracasso da revolução: os dirigentes dos sindicatos tornaram-se homens de negócio que, tendo perdido seus valores e ideais originais, focaram na administração de grande poder econômico.
O diretor finalmente se desloca para o México, onde a Teologia da Libertação encontrou seu caminho em Chiapas, na década de 1960, graças ao jovem arcebispo Samuel Ruiz, que ao seu lado durante décadas teve o padre Gonzalo Ituarte. Visitando as diversas comunidades, Ruiz não ficava com os senhores, mas nas cabanas junto com os nativos, lendo o Evangelho na sua língua. E com os zapatistas, entre cujos líderes havia muitos catequistas, pela primeira vez um movimento guerrilheiro não pedia o poder, mas justiça e democracia para todos. Ruiz tornou-se mediador entre os revolucionários e governo. Finalmente, a palavra passa para a Irmã Dolores Palencia que, tratando da assistência aos migrantes no caminho para os EUA, trabalha com a sua congregação para promover a comunhão e a reconciliação.
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Vozes, mártires e lugares da Teologia da Libertação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU