06 Outubro 2020
Refletir sobre a situação atual é o objetivo dos encontros virtuais que Ameríndia organizou para este mês de outubro. Com o tema "Teologia da Libertação em Tempos Excepcionais de Crise e Esperança", os encontros terão lugar todas as terças e sextas-feiras deste mês, tendo começado neste 2 de outubro. Com a participação de teólogas, teólogos, pastoralistas e acadêmicos de diferentes áreas, o objetivo é refletir sobre as complexas realidades que afetam a vida dos povos da América Latina e do Caribe, face à incerteza causada pela pandemia da Covid-19 e por muitas outras "pandemias históricas" que convergem na atual crise humanitária.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Como os organizadores reconhecem, "estes encontros procuram oferecer contribuições esperançosas; propomos olhar em frente para este momento, numa chave libertadora, para procurar novos caminhos. Isto leva-nos a propor um processo de encontros inspirados pela força dos pequenos e do pequeno". Às sextas-feiras, das 20h às 22h no horário de Brasília, haverá celebrações e conferências abertas, enquanto às terças-feiras, das 17h30 às 19h30, haverá grupos de trabalho de Ameríndia.
Entre os oradores convidados para as celebrações e conferências abertas, tem confirmado sua presença Raúl Aramendy (Argentina), Elio Gasda (Brasil), Leonardo Boff (Brasil), Mercedes de Budallés Diez (Brasil), Víctor Codina (Espanha), Liliana Franco (Colômbia), Romina Gallegos (Equador), Dom Erwin Kraütler (Brasil), Mauricio López (México), Evelyn Martínez (El Salvador), Francisco Orofino (Brasil), Mons. Álvaro Ramazzini (Guatemala), Ramona Romero (Argentina), Laura Vicuña (Brasil) e Birgit Weiler (Peru).
Os encontros começaram esta sexta-feira com a celebração de abertura, que se intitulava "unidos na caminhada". Este momento quis ser "um espaço de mística e partilha, de encontro e de comunhão, a partir das realidades prementes que impactam os povos da América Latina e do Caribe no meio da pandemia e na perspectiva da esperança", de acordo com os organizadores.
Toda a reflexão na América Latina tem de partir do grito do povo crucificado, onde se escuta a voz de Jesus, do Espírito, uma afirmação que foi o ponto de partida de Victor Codina, que refletiu sobre "A esperança em tempos de crise a partir da chave da Teologia da Libertação". Esta Teologia, após 50 anos de reflexão, na qual foi adaptada à realidade latino-americana, enfrenta hoje a crise da pandemia, o que a obriga a uma nova reflexão, na qual "ao grito dos pobres se junta hoje o grito dos doentes, dos idosos, daqueles que morrem na solidão e sem poder dizer adeus aos seus, o grito dos médicos e dos trabalhadores da saúde impotentes perante tanta dor. Dos jovens, dos que perdem os seus empregos, dos jovens desempregados, dos cientistas que não conseguem encontrar a vacina", disse o jesuíta.
Daí, diz Codina, vêm as perguntas, "há esperança para esta situação? Onde está Deus? É um castigo? Nesta vida, tudo acaba com a morte? A vida tem sentido? As famílias podem perguntar-se, faz sentido gerar filhos?” A primeira coisa é aceitar uma realidade que "revelou a nossa vulnerabilidade humana. Não somos omnipotentes, não somos eternos, somos frágeis, somos mortais, temos um princípio e um fim e, como diz Eclesiastes, há um tempo para nascer e um tempo para morrer. A morte não pode ser um tabu", de acordo com o teólogo. Esta fragilidade também afeta a Terra, algo que muitos veem como a causa da pandemia, fruto da destruição.
Face ao vírus, Victor Codina não hesita em afirmar que não é um castigo de Deus, uma vez que "Deus não castiga, Deus é clemente e compassivo, Ele respeita a criação e a nossa liberdade, Ele pede a nossa colaboração", uma vez que Deus entrou na nossa história vulnerável. É um Deus que sofre conosco, que se faz presente naqueles que hoje sofrem as consequências da pandemia, insiste o jesuíta, que não perde a esperança na Ressurreição, na vida. Segundo ele, estamos perante uma época de "retomar tanto a teologia da Cruz, como a da Páscoa, como a da pneumatologia". É tempo de descobrir a Ressurreição de Jesus como fonte da nossa esperança, que não estamos sós, de com os salmos, com os profetas, confiar em Deus, de escutar Francisco, que nos convida a não ter medo, de confiar no Senhor, mesmo que o barco pareça afundar-se. Mas esta esperança não é um convite à resignação e passividade, de acordo com a Codina.
O teólogo citou as recentes palavras do Papa Francisco na ONU, onde disse que a partir desta pandemia não sairemos iguais, sairemos melhores ou piores. Não podemos esquecer que mais de um milhão de seres humanos já morreram, tanto sofrimento, tanta dor, tanta destruição da natureza, tantos incêndios na Amazônia, insistiu a Codina. A partir daí defendeu "a decisão de construir uma sociedade diferente, baseada não no consumo e na exploração, mas na partilha, uma sociedade que não seja individualista, mas solidária, onde a pessoa esteja acima do lucro e do dinheiro". Uma sociedade de cuidado e respeito, de amor e justiça, compaixão e misericórdia. Isto é algo que surge do grito do Espírito, que o faz "a partir da margem, do caos, de baixo", convidando-nos a transformar esta realidade.
Codina refletiu sobre a nova eclesiologia que deve nascer da pandemia, onde "não podemos identificar a igreja com o templo e os sacramentos, nem com o clero". Recordou a oração do Papa Francisco numa Praça São Pedro vazia, a Quaresma e a Semana Santa em tempos de pandemia, que "nos ajuda a recuperar uma igreja como Povo de Deus, como comunidade, como família, como igreja da Palavra, de oração, de partilha, de diakonia, uma igreja que não é clerical ou patriarcal, mas mais laical e feminina, sinodal, que escuta e dialoga, uma pirâmide invertida". Uma igreja poliédrica que sai para a rua, que é um hospital de campo, uma igreja que reflete o Evangelho de Jesus e do Reino". Tudo isto desde a escuta da voz do Espírito, como sinal de esperança e de vida, mesmo no meio da crise.
Do campo da espiritualidade, Liliana Franco refletiu sobre o tema, "Unidos na mesma espiritualidade: o Evangelho, chamados a abraçar o humano". A presidenta da CLAR partiu da ideia de que "a espiritualidade cristã abraça todas as dimensões, nas quais a convivência humana se desenvolve e tem as suas raízes e os seus fundamentos na História da Salvação, na Palavra de Deus, no anúncio do Reino, no testemunho das comunidades cristãs primitivas". A religiosa apresentou um Deus eternamente Criador, que está encarnado, e chama-nos a unir fé e vida, o que nesta pandemia nos deve levar a "comprometermo-nos na defesa da dignidade da pessoa, no cuidado do bem comum, a partir de uma opção preferencial pelos pobres".
Sublinhando a importância do método de ver, julgar e agir, Liliana Franco salientou a importância dos gestos na vida do Papa Francisco, afirmando que "a espiritualidade cristã leva-nos a uma forma de ser e estar no mundo", que se traduz em gestos, em escolhas, em modos. Ao mesmo tempo, salientou a importância do silêncio, "capaz de fecundar, aquilo em que os acontecimentos ressoam". Fazem-no numa sociedade líquida, porosa e fragmentada, do cansaço, em contínua transformação, mas na qual existem "tantas razões de esperança, tantas razões para continuar a acreditar". Tantos espaços em que a vida continua a ser gerada e em que o valor das bases, do germinal e da comunidade é atualizado. Tantos compromissos solidários, para a rede, para a sinergia e para a comunhão".
A presidenta da CLAR refletiu sobre o sentido da noite, porque "nesta conjuntura concreta do nosso mundo, sentimo-nos imersos na espessura da noite, sem bússola, nem mapa de rotas, no meio da incerteza e acariciando a nossa impotência". Neste tempo de crise e incerteza, "das profundezas de viver uma espiritualidade encarnada, cabe-nos abrir os nossos olhos, contemplar Deus em tudo e em todos", segundo a religiosa. Somos chamados a escutar a sua Palavra, a descobrir que ele não para de se revelar na história. E a partir de aí discernir e encontrar "respostas ousadas, inovadoras e acima de tudo evangélicas". Tudo isto sabendo que "o discernimento requer dispor-se sem resistência,
Segundo a religiosa, a espiritualidade implica a oração, descobrir Deus no cotidiano, ser livre no Espírito, assumir as questões que surgem da realidade, que deve ser reconhecida como um lugar teológico, sentirmo-nos co-criadores da obra de Deus. Juntamente com isto, assumir desafios, continuar a trabalhar pela dignidade humana e respeito por todas as formas de vida, procurar o bem comum, promover redes de solidariedade, defender a democracia, a opção preferencial pelos pobres, trabalhar pela paz e cuidar do planeta a partir de uma ecologia integral. A espiritualidade, segundo Liliana Franco, é “um caminho que nos leva a desvendar as pegadas de Deus na realidade", que nos deve levar a decidir nascer de novo, a dedicar-nos ansiosamente a descobrir as pegadas de Deus e a comunicá-las aos que necessitam de ânimo e esperança.
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“Teologia da Libertação em Tempos Excepcionais de Crise e Esperança”. Ameríndia apela à reflexão face à pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU