07 Mai 2024
Deus não pode jamais ser culpabilizado ou temerariamente usado para impor pavor e medo quando sabemos da dinâmica do aquecimento global, da devastação do agronegócio, da voracidade mercantil das empresas capitalistas e, sobretudo, da inépcia dos governos locais. O culpado está aqui bem embaixo na Terra e não nos céus.
A opinião é do teólogo Fernando Altemeyer Jr., professor da PUC-SP.
A relação fé e política saudável precisa fugir da teodiceia, que sempre de forma redutiva aplica a culpa do mal a Deus Criador e faz da religião, gesto e palavras de magia e feitiçaria. Escutem o discurso mágico do cura da Catedral de Novo Hamburgo, RS, padre católico Marco Antonio Leal, nestes dias da esperada catástrofe ambiental, no Estado do Rio Grande do Sul. Era a evidente crônica de uma morte anunciada.
Deus não pode jamais ser culpabilizado ou temerariamente usado para impor pavor e medo quando sabemos da dinâmica do aquecimento global, da devastação do agronegócio, da voracidade mercantil das empresas capitalistas (Vinícola Aurora e demais com trabalho escravo!) e, sobretudo, da inépcia dos governos locais. O culpado está aqui bem embaixo na Terra e não nos céus.
Sim, a chuva foi tremenda, mas quem não preveniu e se preparou para o que todos sabiam vir a cada ano pior, é bem mais culpado que São Pedro (sic). Este padre gaúcho, ao dizer que os gaúchos precisam ficar de joelhos, paralisa as ações efetivas de transformação. Os gaúchos precisam arregaçar as mangas e votar distintamente. Precisam de conversão politica.
Este padre clerical demonstra que não leu uma linha da Laudato si'. Mostra que não sabe fazer teologia contextualizada e usa de artifícios mágicos e de forma religiosa obsoleta que não tinge o coração do problema. Pensa que é padre com poderes mágicos ou que, ao meter medo de um deus ao estilo de Zeus ou Odin ou Thor, as massas ateias se converterão ao modo religioso feudal e Deus não mandaria mais as pragas do Egito.
Parece um padre feiticeiro. Fala de um deus que parece o vingativo Zeus. E do povo como padecente das raivas divinas por conta dos ateus. Ridículo e grotesco. Será que esse cura da Catedral de Novo Hamburgo fez catequese? Deus tenha piedade com um clero desse estilo. Precisamos mostrar Deus em gestos solidários e não em discursos falaciosos com zero teologia e muita imposição de terror.
Perdeu a chance de ouro de estimular o povo a agir, como já estão a fazer os jovens em Porto Alegre, como ouvi do presidente do sindicato metalúrgico, ou como fez padre Orestes Stragliotto (já falecido) por décadas na mesma região alagadiça do Rio dos Sinos. Este padre perde a chance de agir como fazia o pastor Weber, da primeira igreja luterana do Brasil, em São Leopoldo, em favor da comunhão ecumênica e da ação social.
Teodiceia nos conduz à visões deformadas do Deus amor e compassivo. Se Deus é por nós e conosco enfrenta o mal, temos um amigo e uma força para seguir pelejando, sem entender todo o mistério da vida e do mal, mas certos de que Deus está conosco, para nos livrar de todo o mal, sem magia e sem ilusões, mas no enfrentamento e na experiência diária do viver. Chamado ou não, Deus estará sempre presente para quem ama e quer viver, para que, “no dia da desgraça, me esconda em sua tenda” (Salmo 27,5).
Deus não escolhe crentes ou descrentes para o bem ou o mal. Deus não é maniqueu nem maligno. Ainda que o mal tente se camuflar e disfarçar, quem é discípulo de Cristo conhece o seu Salvador e crê na verdade. Assim age movido por Deus de dentro de seu coração. Impede a ação do demônio, pois este quer agir do exterior e manipular. Quem é de Deus sabe que Cristo age por dentro da pessoa.
Quando o mal atinge um crente em Deus, este não deve praguejar nem perder a fé, ou querer milagres mágicos, mas buscar imediatamente a Deus, pois como diz Santo Tomás de Aquino: “o fim do demônio é fazer a criatura racional voltar às costas para Deus” (ST III, q. 8, a. 7). Na hora da dor e da presença do mal, o cristão reza e confia: “Na minha aflição clamei ao Senhor, e Ele ouviu-me. Livrai-me, Senhor, dos lábios mentirosos, e da língua traiçoeira (Salmo 120,1-2)”.
Ser de Deus é ficar ao lado dos pequenos. Ser de Deus é amar e amar é cuidado com irmãos e com a natureza. Sem cuidar e sem cuidados, perdemos a humanidade e morre a Casa Comum. Fé e política se abraçarão se abraçarmos as grandes causas da vida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Pai de Jesus não é Odin, e os padres não são feiticeiros. Artigo de Fernando Altemeyer Junior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU