"[A Solução de Dois Estados] ressurge como uma fênix das cinzas, arrastando em seu voo quase um século de utopias e decepções, de acordos não cumpridos e de novas perspectivas de entendimento", escreve Giorgio Ferrari, jornalista italiano, correspondente internacional de Avvenire, em artigo publicado por Avvenire, 08-11-2023.
Eis o artigo.
“Dois Estados para dois povos em paz e segurança”. Um mês depois do massacre de 7 de outubro é difícil encontrar alguém que se declare hostil à antiga solução de Oslo. A fórmula é suficientemente datada e igualmente desgastada pelo tempo que apoiá-la, pelo menos formalmente, não custa nada: não a um Putin ou a Xi Jinping, não a Erdogan ou à UE, nem mesmo às petro-monarquias do Golfo. Por isso ressurge como uma fênix das cinzas, arrastando em seu voo quase um século de utopias e decepções, de acordos não cumpridos e de novas perspectivas de entendimento.
Durante anos, Israel - e com ele a quase totalidade dos países árabes, a começar por aqueles que financiam o Hamas – haviam colocado a questão palestina em segundo plano, satisfeitos com a relativa tranquilidade no campo e a neutralidade sonolenta do Fatah e do seu idoso líder Abu Mazen na Cisjordânia. Até os sauditas, líderes daquela “frente da indiferença” que relegou a questão palestina ao fim da lista dos problemas do mundo árabe, haviam aceitado o projeto estadunidense de uma grande rede de monarquias modernas capazes de reconhecer e estabelecer profícuas relações comerciais com o Estado de Israel (os famigerados Acordos de Abraão), reduzindo o secular problema palestino ao ritual apelo aos Dois Estados.
Contudo, as proporções humanitárias da tragédia de Gaza exigem agora um projeto que permita às partes um ponto de contato. Começando com uma Faixa erradicada do Hamas e liderada por um diretório árabe moderado, conduzido pelo Fatah, aquele Fatah derrubado de forma sangrenta pelo Hamas em 2007 e desde então empoleirado no entorpecido bem-estar pequeno-burguês da Cisjordânia, dentro de cujas fronteiras se esgota o poder de controle de Abu Mazen. E, claro, da restauração da utopia dos Dois Estados. Mas é possível regressar ao espírito dos Acordos de Oslo, às negociações que se arrastaram em vão até os anos 2000? É possível imaginar a criação de um Estado palestino quando, à direita de Benjamin Netanyahu move-se uma figura como a de Itamar Ben-Gvir, líder do partido de extrema direita do inequívoco nome de Otzma Yehudit (“Poder Judaico”), cujo programa político, enquanto nestes últimos dias o ministro distribui fuzis aos colonos, prevê não o abandono, como ousamos pensar, mas a anexação da Cisjordânia, na qual estão 500 mil colonos? Todos são responsáveis pela questão palestina: desde Israel (que na Solução dos Dois Estados/Dois Povos nunca acreditou substancialmente) ao mundo árabe, aos aliados de ambos. O resultado de quatro guerras árabe-israelenses, duas guerras libanesas, duas intifadas, uma longa trilha de atentados terroristas - está diante dos nossos olhos.
A viagem do Secretário de Estado estadunidense Blinken às capitais do Médio Oriente - embora viciada pela suspeita e pela hostilidade bem dissimulada de muitos - é até agora a única das tentativas de progresso que reacendeu o olhar sobre a fórmula de Oslo e ao mesmo tempo, a demonstração de que toda a família árabe, aquela xiita iraniana, bem como aquela sunita saudita, jordaniana, egípcia, turca, iraquiana, têm a possibilidade de contribuir para aquela miragem dos Dois Estados que a Santa Sé sempre invoca e que no papel pareceria impossível de realizar, mas que poderia levar ao diálogo entre Israel e a AP. Possíveis substitutos já podem ser vistos em campo. Como o “filho pródigo” de Abu Mazen, Mohammed Dahlan (no exílio dourado em Abu Dhabi) ou o antigo líder da Intifada Marwan Barghuti, que cumpre cinco penas de prisão perpétua. A fênix ainda está voando.
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