12 Outubro 2023
"Costumam ser sérias, comprometidas, até mesmo belas. Lembro-me das orações no funeral inglês, com orações precisas em forma e tom. Isso ocorre normalmente nas orações do Papa. Em particular, chamaram minha atenção as preces proclamadas em uma recente celebração em Marselha, após sua fala aos líderes religiosos", escreve Andrés Torres Queiruga, teólogo, em artigo publicado por Settimana News, 07-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nossas orações refletem e educam a imagem de Deus que carregamos em nós e anunciamos ao mundo: lex orandi lex credendi, lex credendi lex orandi. Na cultura atual, inúmeras pessoas não foram educadas nas fórmulas tradicionais. Muitas crianças e jovens nem mesmo as ouviram antes. Hoje, quando são ouvidas, são lidas literalmente, entendendo seu significado objetivo, consultando o dicionário.
Penso nas grandes celebrações transmitidas pela televisão, que alcançam todo o mundo. Isso aconteceu, por exemplo, nos funerais da rainha Isabel na Inglaterra (não se trata apenas dos católicos, mas de todos os cristãos). Acontece nas grandes celebrações no Vaticano, até mesmo em visitas especialmente importantes do Papa Francisco.
Costumam ser sérias, comprometidas, até mesmo belas. Lembro-me das orações no funeral inglês, com orações precisas em forma e tom. Isso ocorre normalmente nas orações do Papa. Em particular, chamaram minha atenção as preces proclamadas em uma recente celebração em Marselha, após sua fala aos líderes religiosos.
Como sempre, o discurso papal, cheio de espírito evangélico, demonstra uma generosa preocupação com os grandes problemas e as dolorosas necessidades da humanidade. Suas palavras são um chamado ardente que desperta os corações e convoca à solidariedade. Ele as proclama diante do Deus dos profetas, que, em Seu nome, instaram a preocupação com o órfão, a viúva, o escravo e o estrangeiro. Ele as faz em nome de Jesus, que testemunhou com Sua vida e consagrou com Sua morte Sua dedicação total ao esforço de aliviar o sofrimento do mundo, deixando como Sua missão crucial a urgência de trabalhar em prol de todos os humilhados e ofendidos.
Feita a proclamação, quando os fiéis são convidados por vários participantes a se verem como convocados em nome de Deus e a se dirigirem a Ele, tudo se inverte. As palavras quebram a lógica íntima e a atitude de adoração e acolhimento da celebração. O esperado era que a comunidade fosse convidada a se abrir para o chamado divino, a se deixar comover e, fortalecendo a fé e a confiança em Sua ajuda, se preparar para colaborar na medida do possível com Sua obra salvadora.
Mas nesse momento a esperança dá uma guinada. Em vez de se abrir para Deus e tomar consciência de Sua mensagem, que nos convoca a colaborar em prol das necessidades humanas, as orações se dedicam a lembrá-Lo delas. Em vez de decidir ouvir Seu chamado, abrir nossa sensibilidade e tentar segui-Lo, a prece tenta convencê-Lo a Ele, para que ouça e decida ter piedade.
Consequentemente, o que, seguindo o teor das palavras, deveria resultar em sair da celebração com o ânimo despertado, confiança filial e a determinação de colaborar com Deus para aliviar o sofrimento que obscurece o mundo e aflige os seres humanos, Seus filhos e nossos irmãos, tudo deixamos para Ele, com palavras que buscam despertar Sua compaixão e mover Sua decisão. E, mesmo sem perceber, enviamos uma mensagem tranquilizadora ao nosso inconsciente pessoal que, contra nossa própria intenção, desativa nossa vontade e acalma nossa inquietação.
E, em relação ao ambiente cultural, também inadvertidamente, enviamos a mensagem subliminar de que o Deus a quem suplicamos para eliminar os males é o responsável por sua existência e falta de resolução: o mal se torna assim, para muitos, a "rocha do ateísmo". Ler a imprensa, especialmente em grandes catástrofes, deveria se tornar uma sólida lição teológica.
Repito que tudo isso acontece sem que se perceba e sem a intenção de fazê-lo. Porque de forma alguma se trata de julgar intenções ou ignorar a boa vontade real de quem ora assim: todos, e é claro que não estou excluindo a mim mesmo, já fizemos isso muitas vezes sem perceber a terrível contradição. Mas hoje, o declínio da oração e o amplo tsunami de descrença que arrasa a fé em (essa imagem de) Deus devem alertar tanto a sensibilidade dos crentes quanto a responsabilidade dos teólogos e até do magistério da igreja. Estamos diante de um desafio enorme, que, por essa mesma razão, é uma grande oportunidade. Não é fácil aproveitá-la, pois luta contra hábitos milenares e inércias profundamente incorporadas. Mas é urgente tomar consciência. Pelo menos, para decidir iniciar a mudança.
Pessoalmente, tenho me esforçado há algum tempo para esclarecer teologicamente essa deficiência objetiva em nossa prática de oração. A necessidade de corrigi-la me parece inegável. Até mesmo evidente. Por isso, como uma preocupação, quase como um apelo eclesial, em vez de nos envolvermos em discussões sutis, convido de forma simples e fraternal a tomar posição pessoal diante do problema. Proponho que leiamos juntos, com essa intenção e esse espírito, o exemplo real de "oração dos fiéis" que foi feito na celebração mencionada em Marselha.
É um bom exemplo, porque está profundamente impregnado com as palavras do papa Francisco sobre a tragédia das pessoas que morrem afogadas no Mediterrâneo, palavras que são profundas e emocionantes. As petições são excelentes em sua formulação e calorosas em sua comunhão com o sofrimento. E seria indigno abrigar qualquer dúvida sobre a generosa, sincera e evangélica intenção do ambiente. Mas esse mesmo ambiente ajuda a perceber com mais evidência o desajuste entre o que as orações dizem em suas palavras e essa intenção. Não é essa intenção que elas expressam em seu significado objetivo e, permitam-me usar uma palavra mais erudita, em sua terrível eficácia pragmática. Ou seja, no impacto que têm na consciência dos crentes e na percepção da imagem de Deus pelos não crentes. Leiam-nas com atenção:
Valeria a pena revisitar a celebração para perceber o contraste em toda a sua vivacidade. Permitam-me reforçar isso, lembrando as palavras em que esse duro desajuste se repete com terrível eficácia na maioria das celebrações dominicais: "Senhor, ouve-nos e tem piedade".
Enquanto o hábito e a repetição impeditiva impedem que alguém perceba, geralmente não se percebe a enormidade teológica que é expressa dessa forma. No entanto, desde o momento em que alguém se dá conta do que está sendo proclamado, não deveria ser fácil escapar ao assombro. Repito: não me excluo desse fenômeno em que, sem perceber e com toda boa intenção, participei por muitos anos. Mas também confesso que, uma vez que percebo, o teor objetivo dessas palavras me causa uma sensação que não consigo evitar que soe como algo blasfemo.
Está em jogo a responsabilidade teológica e pastoral. E, acima de tudo, está o respeito adorador diante da grandeza divina e o temor de prejudicar a ternura infinita de Seu amor. O Sínodo, com sua mobilização de todo o corpo da igreja, oferece uma oportunidade propícia para semear a semente de um processo de atualização interna como comunidade de oração e externa como hospital de campanha. Se não temesse cair na tentação de ser excessivamente solene, terminaria dizendo como confissão e quase como desculpa: "Eu disse e salvei minha alma".
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Essa nossa forma errada de orar. Artigo de Andrés Torres Queiruga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU