26 Setembro 2023
“A cidade de Marselha é muito antiga. Fundada por navegadores gregos vindos da Ásia Menor, o mito liga a cidade à história de amor entre um marinheiro emigrante e uma princesa nativa". Nem o Papa Francisco resiste à tentação de citar a lenda das origens de Massalia, nascida do acolhimento oferecido por Gyptis, filha do rei dos Segobrigios Nannus, a Protis, o 'guia' da frota vinda de Foceia. Citou isso na abertura do seu discurso no Palais du Pharo, por ocasião do último dia dos Encontros do Mediterrâneo, cujas edições anteriores ocorreram em Bari e Florença. Mas se o início do discurso do pontífice – proferido diante de 900 pessoas e na presença do vice-presidente da Comissão Europeia Schinas (responsável pelos trabalhos para um novo pacto sobre a migração e o asilo), do presidente da República francesa Macron e do ministro do Interior Darmanin – é rico de referências ao cosmopolitismo da cidade foceana e às inúmeras paisagens do Mediterrâneo traçadas por Braudel, depois o que prevalece é uma mensagem manifestamente política dirigida àqueles que "apesar de estar bem, levantem a voz", embora sejam dos últimos que deveríamos nos ocupar, dos rostos e das histórias de cada um, não dos números.
A reportagem é de Valentina Porcheddu, publicada por Il manifesto, 24-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Referindo-se à porta escancarada para o mar que é Marselha, “capital da integração dos povos” Francisco fala dos vários portos mediterrâneos que, ao contrário, são fechados ao grito de “invasão” e “emergência”. “Quem arrisca a vida no mar não invade, busca acolhimento, busca vida” – diz Bergoglio com firmeza –, acrescentando que o fenômeno migratório “não é uma emergência temporária, perfeita para dar vazão a propagandas alarmistas, mas um processo que deve ser governado com sábia visão: com uma responsabilidade europeia".
Embora admitindo as dificuldades para acolher, o Papa reitera a necessidade de proteger, promover e integrar os migrantes para prevenir um “naufrágio de civilização”. Um conceito que também ressoou na sexta-feira durante a meditação conduzida pelo Santo Padre diante da estela dedicada aos que perderam a vida no mar, no santuário de Notre-Dame de la Garde, onde o acompanhavam, entre outros, representantes de as ONG que realizam os resgates. Ao recordar outro símbolo de Marselha, o farol do palácio onde essa semana se reuniram setenta bispos e centenas de jovens provenientes das cinco margens do Mediterrâneo – Norte de África, Oriente Próximo, Mar Negro-Egeu, Balcãs e Europa Latina – Francisco por fim se dirige aos estudantes, em particular aos 5 mil estrangeiros nos campi de Marselha, expressando votos que a Universidade e a escola rompam as barreiras e sejam laboratórios de diálogo para um futuro de paz livre de preconceitos.
A mensagem do Pontífice foi recebida com carinho e entusiasmo também no estádio Vélodrome, onde aconteceu a última etapa da peregrinação e onde está se realizando atualmente o campeonato mundial de rúgbi.
Bergoglio chegou por volta das quatro da tarde ao “templo” do time de futebol local, o amadíssimo Olympique de Marselha, para celebrar a missa depois de um percurso pela movimentada e festiva Avenue du Prado. Por outro lado, cinco séculos se passaram desde a última vez que um papa passou por essas paragens, uma ocasião histórica para cidadãos e turistas. Como explicado pelo Cardeal Aveline, a escolha do estádio não foi aleatória, pois – como dirá o próprio Arcebispo de Marselha ao Pontífice no final da função religiosa – “ter vindo aqui é como se tivesse ido à casa de cada marselhês”. E são justamente os torcedores do Olympique que oficiam o “batismo” do papa torcedor, em particular o grupo South Winners presidido por Rachid Zeroual, que lhe presta homenagem da Curva Sul com uma efígie gigante.
Na homília de Francisco ainda há espaço para um apelo às consciências que contraponham uma reação a favor do próximo diante da insensibilidade pelo descarte da vida humana. Despedindo-se de um estádio que o aclama em italiano, o pontífice não esquece de dirigir um pensamento a todos os trabalhadores da cidade, a partir da história de Jacques Loew, o primeiro padre operário que prestou serviço no porto de Marselha. Ninguém aplaude quando Bergoglio cumprimenta o presidente Macron, a primeira-ministra Borne e Payan, o jovem prefeito socialista que também foi um dos principais apoiadores da visita papal. A partir de amanhã, será sobretudo ele quem deverá assumir o compromisso pelo “cuidado” do migrante pedido por Francisco. Nos últimos dias, dezenas de menores não acompanhados acampados no centro de Marselha pedem o direito a alojamento e educação. Lampedusa fica longe, mas nem tanto.
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Bergoglio critica os governos: “Os migrantes não invadem” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU