A “opção Francisco” e a mudança epocal. Andrea Grillo, no dia 17 de julho, no IHU

Dentro do ciclo de estudos "A Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal", Andrea Grillo refletirá sobre as rupturas e continuidades que esse o atual pontificado promove

Foto: Vatican News

Por: João Vitor Santos | 17 Julho 2023

Quem acompanha a conjuntura eclesial e entende das “políticas da Igreja” sabe bem que qualquer bater de asas de uma borboleta em Roma tem o potencial de virar um ciclone pela Europa e que pode ainda chegar a tsunamis em outros continentes. A metáfora tem sido usada por muitos teólogos e analistas para defender Francisco e suas reformas. Se, por um lado, avanços mais significativos eram esperados, há quem defenda que o “Papa do fim do mundo” está consciente das mudanças que devem começar aos poucos e por pontos estruturais. Tais análises foram recorrentes ao longo do XVIII Simpósio Internacional IHU. A virada profética de Francisco, ocorrido em 2018.

Entre os que olham mais atentamente para os movimentos deste pontificado está o teólogo italiano Andrea Grillo. Em 2018, no XVIII Simpósio Internacional IHU, ao falar das transformações na liturgia, ele destacou que era preciso realmente entender o que ouve acerca do tema no Concílio Vaticano II. É só a partir disso que será possível entender os sutis movimentos de Francisco nesse assunto.

 

Este é apenas um dos temas em que Grillo observa haver mudanças sutis, conquanto significativas. Em artigo publicado recentemente no IHU, o teólogo pontua que “uma integração, ainda que gradual, da mulher no ministério ordenado é mais fiel à tradição do que uma dogmatização positiva e injustificada de sua exclusão”. No texto, ele observa que há vozes que insistem em fixar âncoras numa doutrina que já está posta em movimento.

Nesta segunda-feira, 17-07-2023, Grillo volta ao IHU para mais uma conferência. Desta vez dentro do ciclo de estudos A Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal. A partir das 10h, o professor irá proferir a palestra Do "dispositivo Ratzinger" à "Opção Francisco": rupturas e continuidades na Igreja do século XXI. O título do evento nos provoca a pensar que, talvez, Francisco não se oponha à doutrina e tudo o que Papa Bento XVI pensou, escreveu e fez, mas que talvez esteja mexendo nas bases, nas estruturas. Assim, realmente talvez Francisco fique devendo transformações emergentes, mas ele tem plantado sementes que podem dar frutos no futuro e sem causar estardalhaços no presente. Será?

 

 

Uma revolução, mas aos poucos e em postos-chave

Francisco mal havia ascendido à Cátedra de Pedro e, diante de seu despojamento e simplicidade embalados numa verve pastoral fortíssima, logo já se questionou: e a reforma da Cúria Romana? É claro, vínhamos de um contexto em que as cabeças grisalhas e calvas da Santa Sé davam ares de degradação pelo tempo quase na mesma proporção em que se agarravam a regras e cargos. Aliás, este é um movimento que hoje está mais claro como um dos elementos que levou à renúncia de Bento XVI.

Em 2015, a edição 465 da revista IHU On-Line abordou os dois anos do pontificado de Francisco e essa pressa pela reforma e seus efeitos era evidente. Na época, o também teólogo italiano Vito Mancuso ponderou: “ainda é cedo para estabelecer se Francisco conseguirá ser realmente reformista ou mesmo revolucionário, porque a sua ação ainda deve se fundamentar em atos de governo concretos e em reformas introduzidas”. Isso, já tendo em vista a oposição de dentro e de fora dos muros da Igreja. E, na mesma edição, a diretora do grupo FutureChurch, Deborah Rose-Milavec, salientava que já havia “uma crescente evolução no quadro das posições do Papa no que diz respeito às mulheres”.

É a mesma que linha que, pelo artigo de Andrea Grillo, publicado recentemente e que citamos acima, Francisco vem adotando sem causar grande contradições com a doutrina. Também nesse sentido, podemos analisar as pessoas que o Papa tem posto em pontos estratégicos da Cúria. O caso mais recente é o de dom Víctor M. Fernández, que assume como novo prefeito do departamento doutrinal vaticano.

 

Assim, Francisco não mexe na doutrina, mas nomeia um purpurado que é a sua imagem a um cargo central, conforme indica reportagem de The Tablet, reproduzida no IHU. “Ao nomear Fernández, que completa 61 anos em 18 de julho, para o cargo de doutrinador, inevitavelmente vários sugeriram que Francisco agora tem o seu próprio Ratzinger”, segue o texto.

No novo consistório, novos ares e possíveis novos papas

Talvez seja por pensar nessas pessoas em lugares estratégicos que Francisco parece não ter medo de consistórios, diferentemente de seus antecessores diretos que pouco mexeram no Colégio Cardinalício. John L. Allen Jr., editor do Crux, especializado na cobertura do Vaticano e da Igreja Católica, vai bem adiante e observa que, além de elevar a cardeais bispos que trazem outros ares ao purpurado, Francisco empurra neste novo consistório nomes que têm potencial para sua sucessão. “Este consistório está extraordinariamente repleto de possíveis “papabili”. Pelas minhas contas, são pelo menos quatro”, indica no artigo, reproduzido pelo IHU

Os quatro a que Allen se refere são:

É claro que isso não é uma ciência exata, como bem pontua o analista. Afinal, até os mais crentes e/ou conservadores observam que, por mistérios, o Espírito Santo age por entre os bancos da Capela Sistina durante um conclave. “O fato é que [o próximo consistório] não passa de um ato de aquecimento para o drama que se seguirá no dia seguinte, quando a cortina se abrir no primeiro dos dois Sínodos dos Bispos de Francisco sobre a sinodalidade. Diga o que quiser sobre o papado de Francisco, mas todos devemos ser capazes de concordar com isso: nunca, nem por um único momento, foi enfadonho”, conclui Allen.

Realmente, por mais sutis que sejam os movimentos de Francisco, não podemos afirmar que são pacíficos e que não causam alvoroços. Mas, talvez, até à ala mais progressista da Igreja e alinhada com o Papa falte um pouco de entendimento sobre esse “estilo Francisco”. Afinal, ao que indica, embora aja com precisão cirúrgica no xadrez da Igreja, o velho cardeal Bergoglio está de olho no futuro da instituição, uma Igreja solar e arejada, sem a poeira ou limo que revelam a ação do tempo. Como bem observa Andrea Grillo, em artigo publicado no início do mês:

“(...) o novo prefeito e um novo estilo podem valorizar a preciosa obra que uma parte da teologia, muitas vezes independentemente das vontades (e às vezes chantagens) vindas de Roma, soube elaborar por pelo menos 40 anos. Imoral não era apenas a forma como as pessoas eram tratadas, mas também o modo como nos fechamos diante das tantas novas evidências que a vida eclesial descobriu e em parte valorizou. A superação dessas duas imoralidades institucionais (em relação às pessoas e em relação às ideias) constitui um programa de reforma verdadeiramente central para a Igreja Católica.”

 

 

Saiba mais sobre Andrea Grillo

Filósofo e teólogo italiano, leigo, especialista em liturgia e pastoral. Doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral, de Pádua, é professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.

 

Andrea Grillo (Foto: Susana Rocca | IHU)

É membro da Associação Teológica Italiana e da Associação dos Professores de Liturgia da Itália.

 

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