05 Julho 2023
Após dois dias de ironia e insultos online, o novo prefeito do dicastério vaticano para a Doutrina da fé contra-ataca, e o faz no Facebook.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 04-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nomeado no sábado pelo Papa Francisco à frente do antigo Santo Ofício, Monsenhor Victor Manuel Fernández, teólogo reformista mal visto pelo arquipélago católico conservador que reagiu com gélido silêncio à sua nomeação, responde aos ataques vindos especialmente dos Estados Unidos contra um livrinho sobre a "arte do beijo" que escreveu quando era um jovem pároco, embora ciente de que "continuarão a dizer muitas coisas, e se aliarão com qualquer um para atacar Francisco por ter me nomeado".
Arcebispo de La Plata até assumir o prestigioso cargo em Roma, em meados de setembro, de 2009 a 2018 foi reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina, spin doctor de Bergoglio para alguns textos cruciais como a encíclica Amoris laetitia, o teólogo argentino tem mais de 300 publicações, entre livros e artigos científicos, escritos, conforme apresenta a biografia publicada pelo Vaticano no momento de sua nomeação, que "revelam uma importante base bíblica e um esforço constante de diálogo da teologia com a cultura, a missão evangelizadora, a espiritualidade e as questões sociais". Não está presente na lista oficial, mas não poderia passar despercebido dada a singularidade do tema, um folheto que Monsenhor Fernandez escreveu em 1995, "Saname com tu boca. El arte del besar”, cura-me com a tua boca, a arte de beijar. A liberação da promiscuidade? A falta de rigor acadêmico? O aviso de um mandato em nome do relativismo? Nada disso, explica o teólogo no Facebook.
Depois de agradecer "às amigas e aos amigos" que o cobriram de "carinho fraterno" pela nomeação, Fernandez nota, "por outro lado", que "também há grupos contrários a Francisco que estão enfurecidos e que chegam a usar meios antiéticos para me prejudicar. Por exemplo, há anos se referem a um meu livrinho que não existe mais, que falava do beijo. Inspirei-me – explica – numa frase do tempo dos Padres da Igreja que dizia que a encarnação era como um beijo de Deus para a humanidade. Naquela época - continua Fernández - eu era muito jovem, era pároco e procurava chegar aos jovens. Então me ocorreu escrever uma catequese para adolescentes baseada no significado do beijo. Escrevi a catequese com a participação de um grupo de jovens que me deram ideias, frases, poesias, etc. Pois bem”, escreve o arcebispo Fernández, “o que esses grupos extremistas fazem é dizer: 'Vejam a baixa qualidade deste teólogo, vejam as bobagens que escreveu, vejam o nível baixo que ele tem'".
"Venho sendo humilhado com citações daquele livro há anos. Mas", explica, "um catecismo para os adolescentes não é um livro de teologia, há uma grande diferença de gênero literário. Não se pode pedir que uma catequese de um pároco para os adolescentes seja um manual de teologia. E me orgulho de ter sido aquele jovem pároco que teve o cuidado de chegar a todos usando as mais diversas línguas. Por isso - observa o novo prefeito para a Doutrina da Fé - quando o Papa fala do meu currículo, menciona que fui reitor da Faculdade de Teologia, mas ao mesmo tempo conta que fui pároco de Santa Teresita, porque para ele é importante que um teólogo suje as mãos e tente usar uma linguagem simples que alcance a todos. Também tenho livros de alto nível”, reivindica Fernandez, “escrevi vários artigos para a revista ‘Angelicum’ ou na ‘Nouvelle Revue Théologique’, por exemplo, textos que talvez poucos entendam. Mas a tarefa de um teólogo não se limita a esses textos".
"Pior ainda", continua Fernandez, "já que esses ataques vêm de católicos nos Estados Unidos que não conhecem espanhol, traduzindo mal uma das poesias do livro. Eles traduzem a palavra ‘bruja’ (bruxa, feiticeira, ndt) como ‘prostituta’. Mas o livro coloca ‘bruja’. Eles não têm o direito de mudar minhas palavras. Parecem não ter ética para isso, e não é a primeira vez que o fazem. Em suma”, escreve Fernandez, “continuarão a dizer muitas coisas e se aliarão a qualquer um para atacar Francisco por ter me nomeado. Mas quem me conhece de perto sabe quem eu sou. Obrigado pela confiança e o amor sempre. Não estou fazendo isso para me defender”, conclui: “Já suportei muitas vezes essas iniciativas e a tempestade vai passar. Mas esclareço para evitar que alguns de vocês se sintam confusos ou sofram com essas e outras acusações, mas sobretudo faço para que não chegue a prejudicar Francisco”. Com “um abraço”, o arcebispo assina com o apelido com que os amigos o conhecem, “Tucho”.
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Dom Víctor Fernández a conservadores que o criticam: “Nada de relativismo, vocês me atacam para atingir Francisco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU