20 Setembro 2024
“Quando comecei a preparar esta reflexão, há cerca de dois meses, o que estava vivo na minha memória era o desastre que se abateu sobre o Rio Grande do Sul em maio passado. Eu pensei que a gente teria uma trégua no Brasil nesta degradação ambiental. Entretanto, estamos falando numa semana em que o Brasil se encontra numa convulsão ambiental, com queimadas e estiagens. Não imaginava que fosse falar numa semana em que o Brasil está sentindo os efeitos catastróficos da degradação ambiental. Isso é muito chocante”.
A reflexão é de José Eustáquio Diniz Alves, feita durante a sua fala que deu sequência, no dia 14 de setembro, à série de debates [online] Questões do Antropoceno, abordando o tema Sistema alimentar: produção, devastação ambiental e fome. A iniciativa do CEPAT conta com a parceria e o apoio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU; do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES; do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá – UEM e do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB.
Série de debates 'Questões do Antropoceno', com o tema 'Sistema alimentar: produção, devastação ambiental e fome'
José Eustáquio Diniz Alves possui graduação em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1980), mestrado em Economia (1983), doutorado em Demografia pelo CEDEPLAR-UFMG (1994) e pós-doutorado pelo Nepo/Unicamp.
Para introduzir suas reflexões, a modo de epígrafes, José Eustáquio evoca duas citações de tempos diferentes, mas que coincidem quanto à questão que abordam:
“Nossas preciosas matas desaparecem, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo. Sem vegetação, nosso belo Brasil ficará reduzido aos desertos áridos da Líbia” (José Bonifácio, 1828).
“Sem um clima minimamente estável e sem florestas, não há agricultura, estabilidade dos ciclos hidrológicos e, sobretudo, possibilidade de regulação térmica dos organismos” (Luiz Marques, 2024).
O Brasil já destruiu 90% da Mata Atlântica e agora está destruindo a floresta amazônica, que é cinco vezes maior, o Pantanal, o Cerrado... o que terá consequências muito graves para o país e o mundo.
Mostra, no primeiro momento da sua reflexão, a evolução da fome no mundo nos últimos 150 anos. Houve uma grande redução da fome no mundo, após o uso generalizado dos combustíveis fósseis. Um dos gráficos apresentados pelo José Eustáquio mostra que a década de 1870 apresentou um alto índice de fome, após o que houve uma diminuição que persistiu até 1918, quando voltou a aumentar devido à gripe espanhola, à Revolução Russa e à Primeira Guerra Mundial. Depois veio a Segunda Guerra Mundial, também com grande número de pessoas que morreu de fome. Na década de 1960, a fome se deveu à crise na China, com o Grande Salto para Frente, que foi um fracasso.
A partir da década de 1970 a fome diminuiu significativamente no mundo e com isso também as mortes por fome. Qual foi o segredo disso? Na leitura de José Eustáquio, isto se deveu ao “aumento exponencial da produção de combustíveis fósseis” (carvão, petróleo e gás), o que, por sua vez, “possibilitou a grande produção de alimentos e a redução do preço da comida no século XX”. Temos hoje uma agricultura totalmente baseada nos combustíveis fósseis (fertilizantes químicos, combustíveis que movimentam as máquinas agrícolas e de transporte dos alimentos). Entretanto, o uso dos combustíveis fósseis é o grande responsável pela emissão de gases de efeito estufa que é, por sua vez, a causadora do aquecimento global que, recursivamente, tem impactos negativos sobre a produção alimentar.
José Eustáquio apresenta dados que mostram a correlação entre a alta do preço do petróleo e a elevação do preço dos alimentos, que chega a dois terços. Nos quatro primeiros anos desta década em que nos encontramos, o nível dos preços dos alimentos é o mais elevado dos últimos 100 anos, o que leva a crer, considerando a progressiva alta dos últimos 10 anos, que “a era dos preços baixos dos alimentos pode ter chegado ao seu fim”, o que representa um grave obstáculo para alcançar o objetivo 2 da ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU de acabar com a fome no mundo. Ou seja, “a esperança que se tinha de acabar com a fome no mundo pode estar mais distante”, avalia.
Estimativas da FAO indicam que o número de pessoas subnutridas deve crescer na África até 2030 e diminuir nos outros continentes, mas sem atingir a meta de fome zero. As projeções anteriores à pandemia e à guerra na Ucrânia indicavam índices mais otimistas de acabar com a fome no mundo. A América Latina deve experimentar uma estabilidade no número de pessoas subnutridas ou com fome entre 2015 e 2030. A insegurança alimentar é maior nos países de baixa renda.
A seguir, José Eustáquio, apresenta algumas informações sobre o estado atual da emergência climática e da crise ambiental.
Aquecimento global. O aumento das temperaturas, a mudança nos padrões de precipitação, e eventos climáticos extremos, como secas e inundações, estão afetando a produtividade agrícola. As regiões que já são vulneráveis podem enfrentar maiores dificuldades para produzir alimentos suficientes, podendo agravar a situação da fome. Os últimos 10 anos foram os mais quentes do Holoceno, com recordes em 2023 e 2024. O mês de agosto deste ano bateu o recorde do mesmo mês do ano passado como o mais quente dos últimos 125 mil anos, o que indica que o ano de 2024 será mais quente que o anterior.
Aumento do nível do mar e impacto sobre terras agrícolas. O degelo contribui para o aumento do nível do mar, o que pode levar à inundação de áreas costeiras, incluindo terras agrícolas. Isso pode reduzir a quantidade de terra disponível para cultivo e deslocar comunidades agrícolas, o que está acontecendo, por exemplo, em Bangladesh com as plantações de arroz.
Salinização de solos. A intrusão de água salgada nas terras costeiras agrícolas devido ao aumento do nível do mar pode tornar o solo salino e menos fértil, dificultando o cultivo de alimentos nessas áreas.
Série de debates 'Questões do Antropoceno', com o tema 'Sistema alimentar: produção, devastação ambiental e fome'
Acidificação dos oceanos. A acidificação dos oceanos pode afetar o papel dos oceanos como sumidouros de carbono, alterando a química marinha e afetando os ciclos de nutrientes. Mudanças no ciclo de carbono podem ter efeitos indiretos sobre a produtividade marinha e, consequentemente, sobre a segurança alimentar.
A acidificação dos oceanos ameaça a segurança alimentar e nutricional ao reduzir a disponibilidade e a diversidade de recursos marinhos, afetar a pesca e a aquicultura, e comprometer os ecossistemas marinhos que sustentam muitas comunidades costeiras.
Perda de biodiversidade. A perda de biodiversidade afeta a segurança alimentar e nutricional de várias maneiras, impactando desde a produção agrícola até a qualidade e a diversidade dos alimentos disponíveis para consumo.
Diminuição de polinizadores. A perda de biodiversidade, especialmente entre insetos polinizadores como abelhas, borboletas e outros, afeta a polinização de muitas culturas alimentares. A polinização é crucial para a produção de frutas, vegetais e sementes. Sem polinizadores, a produção de muitos alimentos seria drasticamente reduzida, levando a uma menor oferta de alimentos nutritivos.
Distribuição da biomassa. Os mamíferos e pássaros silvestres representam hoje apenas 4% da biomassa, os humanos 34% e os animais destinados à alimentação humana representam 62% da biomassa. Ou seja, é hoje quase o dobro da biomassa humana. Além disso, indica que a biosfera está sofrendo um episódio fulminante de extinção em massa de espécies. Os humanos, muito preocupados em garantir a “picanha para o churrasco do fim de semana” (uma referência indireta a uma promessa de campanha do Lula), esquecem o impacto que isso tem sobre o ambiente.
Após apresentar estas informações, que poderiam colar nele a imagem de um pessimista, defende-se recorrendo a uma frase de José Saramago (1922-2010): “Não sou pessimista; a situação é que é péssima”.
E faz menção a uma série de manchetes de jornais e imagens dos últimos dias que mostram uma realidade bem sombria em termos ambientais e seus impactos sobre a produção de alimentos, seus preços e a saúde. E se chegamos a esta situação é porque ultrapassamos a capacidade de carga da Terra.
E à frase do Carlos Nobre: “Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido”, referindo-se à crise climática.
No terceiro e último momento de sua explanação, José Eustáquio indica que “para acabar com a pobreza, a fome e a degradação ambiental é preciso planejar o decrescimento demoeconômico global”. E apresenta uma série de iniciativas que podem confluir para alcançar este objetivo.
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José Eustáquio Diniz Alves: “Não imaginava que fosse falar numa semana em que o Brasil está sentindo os efeitos catastróficos da degradação ambiental. Isso é muito chocante” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU