11 Outubro 2023
“A exploração de jazidas não convencionais requer tecnologia avançada. Antes de perfurar um poço de petróleo ou gás no fundo do mar, a área precisa ser mapeada, e a forma mais precisa de fazer isso é por meio de um processo chamado exploração sísmica. Para isso, um navio atravessa lentamente a zona de aquisição (expressão usada no jargão da indústria para se referir ao local que está sendo mapeado), arrastando atrás de si canhões pneumáticos e geofones, às vezes em linhas de 10 quilômetros de extensão”. A reflexão é de Timothy Erik Ström, publicada em New Left Review e reproduzida por Brecha, 06-10-2023. A tradução é do Cepat.
Em meio ao verão mais quente já registrado até esta data, dia 1º de agosto, dois conjuntos de microfones estavam gravando no nordeste da Escócia. O primeiro se encontrava diante do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, que discursava na parte externa de um terminal de processamento de gás de propriedade da Shell, localizado no extremo leste da Escócia, por ocasião da apresentação do plano de autorização para 100 novas licenças de perfuração concedidas para pesquisa de combustíveis fósseis no Mar do Norte. A certa distância da costa e longe da atenção da mídia, um segundo conjunto de microfones estava sendo arrastado para baixo da água, conforme orientação da empresa de geofísica SAExploration, com sede no Texas, para sondar o fundo do mar em busca de combustíveis fósseis.
Essas prospecções fazem parte de uma indústria em plena expansão. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas deixa claro que não podemos iniciar novos projetos de exploração de combustíveis fósseis se quisermos evitar um aquecimento global catastrófico. No entanto, segundo a Offshore Magazine, publicação especializada na prospecção de combustíveis fósseis marítimos, “o futuro parece promissor” para este setor.
O setor deverá crescer 14% somente neste ano. Atualmente, estão sendo feitas prospecções em grande escala nas águas da Argentina, Brasil, Costa do Marfim, Colômbia, Coreia do Sul, Estados Unidos, Grécia, Malásia, México, Namíbia, Noruega, Reino Unido, Rússia e Turquia. Esta expansão deve-se, em parte, aos distúrbios provocados pela guerra na Ucrânia, aos novos avanços tecnológicos e a uma indústria alimentada por lucros hipertrofiados, ansiosa por defender e expandir a sua posição. A procura de combustível no fundo do mar também é impulsionada pela sua crescente escassez. Grande parte do fornecimento “convencional” de petróleo e gás já está superexplorado, forçando as empresas do setor a optarem por soluções não convencionais.
A exploração de jazidas não convencionais requer tecnologia avançada. Antes de perfurar um poço de petróleo ou gás no fundo do mar, a área precisa ser mapeada, e a forma mais precisa de fazer isso é por meio de um processo chamado exploração sísmica. Para isso, um navio atravessa lentamente a zona de aquisição (expressão usada no jargão da indústria para se referir ao local que está sendo mapeado), arrastando atrás de si canhões pneumáticos e geofones, às vezes em linhas de 10 quilômetros de extensão.
Os canhões pneumáticos disparam rajadas regulares de som na água, enquanto geofones gravam o eco refletido no fundo do mar. Para penetrar no subsolo, onde pode haver petróleo e gás, as explosões têm que ser extremamente fortes. Com inimagináveis 240 decibéis, estão entre os sons mais altos que os humanos conseguem produzir. Para uma comparação relevante, esses sons são mais altos que o ruído produzido pela explosão de uma bomba atômica.
Centenas de milhares dessas explosões são necessárias para mapear a área de aquisição. Os canhões disparam a cada dez segundos, 24 horas por dia, durante meses. Nesse ritmo, o número de explosões aumenta rapidamente. Enquanto o primeiro-ministro britânico Sunak fazia o seu anúncio, o navio SAExploration no Mar do Norte já tinha disparado quase um milhão de tiros apenas nos primeiros 108 dias da sua missão.
Numa reportagem do semanário australiano The Saturday Paper, uma bióloga marinha que se tornou uma denunciante das práticas na sua área profissional e está preocupada com as possíveis repercussões ecológicas deste método de trabalho descreveu recentemente a sua estadia a bordo de um navio de exploração sísmica em frente à costa da Austrália. Deram-lhe binóculos e a encarregaram de observar as baleias; se a tripulação tivesse confirmação visual de certos tipos de baleias, eles interromperiam temporariamente as explosões. Mas esta salvaguarda foi limitada, não só porque os canhões pneumáticos seguiam 10 quilômetros atrás do navio, perto ou para além do horizonte, mas também porque as explosões continuam à noite, quando não há observadores em serviço.
Não há dúvida de que os cetáceos (golfinhos e baleias), que percebem o som de maneiras diferentes e complexas (são capazes de “ver” e sentir com o som), ouvem as explosões de forma aguda. Os humanos podem ouvir frequências entre 20 e 20 mil hertz (Hz); os golfinhos-nariz-de-garrafa podem ouvir até 160 mil Hz. Eles usam sua audição ultraprecisa para localizar alimentos, navegar e se comunicar. É provável que centenas de milhares de explosões com o volume de bombas nucleares, destruindo o seu habitat, afetarão os seus sentidos de formas que não podemos compreender. É um tremendo ato de violência. O que acontece com os demais habitantes do oceano superexplorado e acidificado? O que acontece quando os microrganismos são atingidos por uma onda sonora de 240 decibéis? A resposta simples é que ninguém sabe; não foi adequadamente estudado.
Esta falta de pesquisa ecológica contrasta fortemente com o nível de conhecimento técnico-científico utilizado para transformar o registro das explosões em mapas úteis para as empresas de combustíveis fósseis. O processamento desses registros é muito complicado e muitas vezes requer supercomputadores para processar os dados geofísicos. A multinacional petrolífera americana ConocoPhillips, por exemplo, possui um dos supercomputadores mais potentes do mundo, uma máquina que ocupa 1.000 metros quadrados construída especificamente num data center em Houston. Grande parte do seu poder de processamento é dedicado à conversão de dados da exploração sísmica em mapas. Estes processos são fundamentais para a indústria extrativa, um fato que complica o apelo para “seguir a ciência” quando se trata de mudanças climáticas. É que as empresas de petróleo e gás seguem a ciência, ou, mais precisamente, utilizam a ciência mais avançada disponível para extrair ainda mais combustíveis fósseis.
As pesquisas sísmicas marinhas, de acordo com a Autoridade Nacional de Segurança do Petróleo Offshore e Gestão Ambiental, a agência reguladora da Austrália (que afirma “reconhecer as mudanças climáticas”), são realizadas para identificar não apenas “possíveis campos de petróleo e gás localizados sob o fundo do mar”, mas também “reservatórios adequados para armazenar dióxido de carbono residual, a fim de evitar que este entre na atmosfera e contribua para as mudanças climáticas”. Um leitor perspicaz observará que estes dois propósitos existem em universos diferentes. O primeiro é real e perigoso, uma prática que deve ser interrompida imediatamente se quisermos que o planeta continue habitável. O segundo é, na melhor das hipóteses, um exemplo de ficção científica inventado pela indústria fóssil.
A exploração sísmica é uma manifestação eloquente da reorganização técnico-científica do capital global. Incorpora a contradição central que nos acompanha desde as primeiras explosões nucleares, que abriram a nova era do capitalismo cibernético. Na vanguarda da ciência e utilizando algumas das máquinas de cálculo mais potentes do mundo, a técnica atinge o nível máximo de racionalização que pode alcançar. A explosão de uma bomba atômica sonora a cada dez segundos é, no entanto, um ato extremamente hostil para com os ecossistemas oceânicos, enquanto o objetivo de expandir a fronteira da extração de combustíveis fósseis num momento de crise climática cada vez mais aguda é simplesmente insano.
Aqui reside um problema mais profundo: uma sociedade dedicada ao crescimento sem fim sente-se necessariamente pressionada a satisfazer necessidades energéticas cada vez maiores. Governos de todas as cores, desde os “pragmáticos” que embarcaram no greenwashing, como o Partido Trabalhista na Austrália, até os conservadores britânicos do Sunak, que se opõem às políticas pró-ambientais, que também se autoproclamam “pragmáticos”, sentem-se forçados a intensificar a procura de mais energia e, portanto, aumentam o impulso à instrumentalização tecnocientífica. O capitalismo cibernético, forçado a procurar novas formas “inteligentes” para alcançar uma expansão sem fim, deixa para trás um mar detonado e um céu em ebulição.
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Indústria petroleira vasculha fundo do mar com tecnologias hostis aos ecossistemas marinhos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU