05 Dezembro 2025
O infeliz trabalho da II Comissão Pontifícia sobre a admissão das mulheres ao diaconato.
O artigo é de Andrea Grillo, teólogo italiano, publicado por blog Come se non, 04-12-2025.
Eis o artigo.
Mesmo tentando colocar um pouco de ordem em seus preconceitos, os autores da Síntese do trabalho da Comissão Pontifícia sobre a admissão das mulheres ao diaconato (que pode ser lida aqui) parecem estar 60 anos atrasados em relação ao debate eclesial. Parecem os avós de João XXIII, não os netos.
Gostaria que quem tiver tempo para ler o texto, que à primeira vista parece muito analítico, examinasse com atenção a sequência das proposições que foram colocadas em votação. Se forem lidas em ordem cronológica, dão razão ao famoso início de O mal radical, de Immanuel Kant: O mundo vai de mal a pior. As teses começam num plano histórico, de modo bastante cauteloso, e precipitam em dois abismos como jamais havia acontecido na história recente sobre o tema.
As duas sínteses destrutivas
De fato, as duas últimas teses colocadas em votação são opostas entre si, mas revelam claramente o embaraço e, ao mesmo tempo, a violência da reação:
a) De um lado, o resultado é: a Comissão é consultada sobre o diaconato e responde sobre os ministérios instituídos (isto é, é consultada de iure condendo e responde de iure condito, sem qualquer risco…)
Quanto a isso, hoje é oportuno ampliar o acesso das mulheres aos ministérios instituídos para o serviço da comunidade. Os motu proprio Spiritus Domini e Antiquum ministerium, do papa Francisco, embora confirmem o que foi expresso pela Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis de São João Paulo II, vão nessa direção. Cabe agora ao discernimento dos pastores avaliar quais outros ministérios podem ser introduzidos para as necessidades concretas da Igreja do nosso tempo, assegurando assim também um reconhecimento eclesial adequado da diaconia dos batizados, em particular das mulheres. Esse reconhecimento será um sinal profético especialmente onde as mulheres ainda sofrem situações de discriminação de gênero.
Obviamente, alcança-se unanimidade neste texto, com evidente satisfação; pena que não é sobre isso que a Comissão havia sido consultada. A melhor reação seria: obrigado, mas isso não nos interessa.
b) Mais interessante e dramático é o modo pelo qual se chega à penúltima proposição votada, com um resultado totalmente interlocutório (digamos, pela graça de Deus?). Depois de apresentar com algum detalhe os numerosos contributos recebidos mediante solicitação expressa após a Assembleia do Sínodo dos Bispos de outubro de 2024, eis que, em fevereiro de 2025, é proposta uma proposição, que não seria exagero definir como a pior possível:
A masculinidade de Cristo, e portanto a masculinidade daqueles que recebem a Ordem, não é acidental, mas é parte integrante da identidade sacramental, preservando a ordem divina da salvação em Cristo. Alterar essa realidade não seria um simples ajuste do ministério, mas uma ruptura do significado nupcial da salvação.
O paradoxo: afirma-se o contrário do que se leu
Em relação à proposição n. 60 do Documento de Síntese do Sínodo dos Bispos (outubro de 2024), esse segundo texto, recém-apresentado, parece uma espécie de caricatura forçada de uma leitura do sexo masculino como substância do sacramento da ordem. Certamente, a grande massa de textos recebidos pela Comissão, dos quais se apresenta uma síntese muito genérica e superficial, não tocou minimamente o coração de um raciocínio que, aliás, ao longo do tempo, se polarizou cada vez mais, até propor uma justificativa da reserva masculina como vinculada até mesmo à ordem divina da salvação em Cristo. Uma análise detalhada das argumentações apresentadas ao longo do texto deve ser feita em outro lugar. O que é certo é que:
a) Não se levou minimamente em consideração a teologia contemporânea sobre o tema, que é rapidamente descartada como marginal e como uma forma de ideação (que jeito estranho de falar);
b) O discurso é deslocado para o terreno pacífico dos ministérios instituídos, onde se permanece em zona de conforto;
c) Valoriza-se uma leitura da tradição em que Oriente e Ocidente se tornam algo indistinto, sem relevância e sem forma, tudo reduzido a proposições vazias.
Não é acaso que a última formulação, a mais exagerada e unilateral, tenha dividido a Comissão ao meio: apenas metade dos membros conseguiu se identificar com uma proposição teológica e antropologicamente escandalosa. Creio que é inevitável que muitas mulheres católicas se sintam ofendidas por um documento tão mesquinho, que um teólogo equilibrado não pode aceitar de modo algum, senão como uma grave involução do debate teológico e sinodal.
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