15 Mai 2024
Na teologia italiana raramente há debates propriamente ditos sobre qauestiones disputatae, que seria um sinal de vitalidade em busca da melhor inteligência possível da fé. A intenção desta resposta de Massimo Nardello às críticas dirigidas ao seu artigo Diaconato feminino: duas precauções por Andrea Grillo, vai precisamente no sentido de ampliar a discussão dentro da nossa teologia. O tema chama em causa diretamente as mulheres e o seu papel ministerial na Igreja. Como equipe editorial, aguardamos também as intervenções de teólogas para dar forma a uma verdadeira aliança de pensamento.
O artigo é de Massimo Nardello, teólogo e presbítero da Arquidiocese de Modena-Nonantola, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 11-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Prezado Andrea,
Agradeço-lhe a longa carta com a qual expressou articuladamente as suas fortes reservas sobre o meu artigo relativo às precauções necessárias à introdução do diaconato feminino. Independentemente do fato de não me sentir entendido em várias passagens, apreciei o seu estilo franco e o desejo de promover um diálogo transparente sobre questões tão importantes como aquelas em questão. Parece-me que essa é a maneira correta de lidar com as divergências, especialmente no nosso ambiente teológico.
Quanto às suas observações, garanto-lhe que não tenho absolutamente medo das mudanças que possam ocorrer dentro da Igreja Católica. Para além dos meus trabalhos sobre o Vaticano II que você mencionou, escrevi um livro em 2018 para mostrar, talvez de uma forma um tanto complicada, como a Tradição realmente evolui de forma descontínua, como esse desenvolvimento é completamente legítimo no plano teológico e como abre para a Igreja possibilidades de mudança bastante significativas. Além disso, como escrevi no artigo que você comentou, sou a favor da ordenação diaconal das mulheres. O que me preocupa não são essas mudanças, mas as motivações que me parecem as estejam apoiando, pelo menos em determinados setores da Igreja. Essas motivações têm a ver com o peso das instâncias culturais na reforma eclesial e, na raiz, na teologia.
É óbvio que a experiência cristã tem sempre uma conotação cultural e que os desafios culturais nos ajudam a compreender mais plenamente o evento cristológico que é a autocomunicação do Deus Trinitário. No entanto, parece-me vislumbrar em várias orientações teológicas atuais a tendência a reconhecer uma espécie de natureza normativa nas instâncias culturais e, portanto, de desconstruir a Escritura e a Tradição quando diferem de tais instâncias. Por outro lado, parece-me que as mudanças doutrinárias e estruturais na Igreja deveriam ser legitimadas não apenas pelo fato de serem exigidas pela cultura, mas a partir de uma abordagem hermenêutica à Tradição.
Sou a favor da ordenação diaconal das mulheres porque penso que é uma forma legítima de ler a Tradição, e não primeiramente ou simplesmente porque essa opção é uma expressão da igualdade entre homem e mulher, que hoje é justamente invocada nas nossas sociedades ocidentais. Obviamente não nego esse valor fundamental, mas não acredito que deva ser principalmente isso a nos mover rumo à ordenação das mulheres ao diaconato.
Ora, o problema da hermenêutica da Tradição não é banal, visto que, na minha opinião, é a verdadeira causa da não plena comunhão entre as Igrejas cristãs. A Ortodoxia considera que a Tradição evolui de forma homogênea, sem descontinuidade, e só pode ser atestada pela Escritura e pelos Concílios ecumênicos como aqueles do primeiro milênio. O mundo protestante reconhece um caráter estritamente normativo apenas à Escritura e, portanto, sente-se livre para legitimar mudanças até mesmo estruturais dentro da Igreja, desde que não entrem em conflito com o dado bíblico.
E depois há nós, católicos, que consideramos que sejam possíveis evoluções na doutrina e na estrutura da Igreja em relação ao Novo Testamento, que alguns desses desenvolvimentos se tornem Tradição e tenham uma sua própria natureza normativa, e que outros devam ser rejeitados. Não podemos nos eximir de explicar, mesmo num contexto ecumênico, como entendemos se um desenvolvimento da Tradição é legítimo e, portanto, a alimenta, ou se vai contra a Tradição e, portanto, deve ser descartado. A solução que a teologia católica sempre invocou, aquela de confiar no magistério, não está em discussão, mas hoje podemos reconhecer que mesmo o Papa e os bispos precisam entender melhor como fazer o discernimento sobre o que é realmente normativo na Tradição.
Na ausência de tais esclarecimentos, poderiam surgir dificuldades muito grandes na Igreja. Por exemplo, possibilitar a ordenação das mulheres ao diaconato - o que espero, como disse - comporta também a explicação do porquê elas não podem aceder ao sacerdócio e ao episcopado, e parece-me que seja difícil fazê-lo de forma convincente sem uma teologia da Tradição um pouco mais sofisticada que a atual. As instâncias culturais, pelo menos ocidentais, orientariam certamente para uma sua plena inclusão no ministério ordenado.
Por fim, refletir sobre o tema que propus não significa de forma alguma questionar ou adiar a tempos indefinidos a eventual ordenação das mulheres ao diaconato, pelo menos no que me diz respeito. Alguns meses de reflexão não fariam diferença.
Obviamente poder-se-ia pensar que essas minhas considerações são preocupações indevidas e que basta apenas um pouco de bom senso para entender que a ordenação diaconal - e não só - das mulheres é mais que legítima e desejável. No entanto, parece-me que aqueles que tratam profissionalmente de teologia deveriam abordar as questões de uma forma mais sofisticada, tentando destacar as questões críticas que não são evidentes à primeira vista.
Em relação à segunda parte do meu artigo, não me senti compreendido. Vou tentar ser mais claro. Espero a ordenação ao diaconato das mulheres, mas temo que será objeto de forte resistência em algumas áreas da Igreja Católica. O fato de recear isso significa que esse possível desfecho me entristeceria bastante e me encontraria em total desacordo. Tal resistência poderia exprimir-se na recusa dos sacerdotes em apresentar candidatas ao ministério diaconal - em alguns casos, isso já acontece para o diaconato masculino -, ou na atribuição às recém-ordenadas de tarefas de modesta relevância, talvez as mesmas que realizavam antes da ordenação.
Como evitar essa deriva? A minha proposta é requalificar o ministério diaconal, para que, se e quando as mulheres acederem a ele, tenham maiores garantias de exercer um papel de efetiva responsabilidade. Podemos fazer isso? Penso que sim, uma vez que o diaconato faz parte do sacramento da ordem, o mesmo recebido pelo bispo e pelo presbítero (LG 28), cuja tarefa original é salvaguardar a fé apostólica das comunidades cristãs. Do meu ponto de vista, tal custódia comporta inevitavelmente uma certa liderança, uma vez que requer poder tomar a palavra com autoridade dentro da própria comunidade cristã. Obviamente, no caso dos diáconos e das diáconas, tal tarefa não seria dirigida a uma comunidade que celebra normalmente a Eucaristia como parte da Igreja local, ou seja, a paróquia, mas a grupos menores, de preferência dedicados ao serviço dos pobres, à evangelização dos distantes e ao cuidado do meio ambiente.
Tenho consciência de que essa minha proposta é uma hipótese de trabalho, mas parece-me poder garantir um papel mais sólido às futuras diáconas e também permitir aos atuais diáconos serem mais valorizados dentro das suas comunidades cristãs. Disso decorre que tal orientação exigiria uma formação teológica superior em relação àquela que é atualmente exigida, mas essa é outra questão.
Portanto, não escrevi que é necessário suspender a ordenação das mulheres ao diaconato porque poderia comprometer ainda mais a relevância do diaconato masculino, mas pelo contrário argumentei que deveríamos requalificar o diaconato masculino para que as diáconas possam ter por sua vez um papel de responsabilidade mais tutelado. Ativar um processo desse tipo não me parece exigir anos de trabalho, mas simplesmente um caminho que conduza a uma orientação mais definida sobre a teologia do diaconato. Espero ter sido mais claro.
Obrigado pela atenção e pelas críticas. Tomara que esse nosso diálogo possa suscitar novas reflexões por parte dos nossos e das nossas colegas.
Com amizade, Massimo Nardello.
Imagem: Praising © Mary Southard www.ministryofthearts.org/ Used with permission | Arte: IHU
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Sobre o diaconato para as mulheres: resposta a Andrea Grillo. Artigo de Massimo Nardello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU