14 Mai 2024
"Embora seja ainda difícil superar uma certa mentalidade num caminho partilhado por todos, esse último Sínodo pôs em evidência como o papel das mulheres na Igreja só pode ser reconsiderado e integrado na perspectiva efetiva do dinamismo e da conversão missionária", escreve Stefania Falasca, jornalista, em artigo publicado por Avvenire, 07-05-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
Na audiência com os membros da Comissão Teológica Internacional o Papa Francisco quis mais uma vez estigmatizar, mesmo com neologismos, a urgência de uma questão que diz respeito à Igreja. A preocupação com que o atual Sucessor de Pedro, desde a sua eleição, se dedicou a destacar a questão das mulheres, de seu papel e de seu acesso às responsabilidades eclesiais evidencia, de fato, uma urgência percebida com muita clareza: a de enfrentar uma realidade que diz respeito à visão da própria Igreja e afeta a sua natureza hierárquica e de comunhão.
Na verdade, é essa visão que leva o Papa a perceber a monocromia masculina como um defeito, um desequilíbrio, uma deficiência ameaçadora da Igreja. Considerando que, sem as mulheres, resulta deficiente o anúncio e o testemunho e que, portanto, compromete a sua missão.
E nesse sentido foi significativo que o Papa, desde o início do seu ministério petrino, tenha imediatamente atraído a atenção com um gesto colocado no centro da liturgia da Semana Santa, que surpreendeu e provocou, convidando duas mulheres, duas detentas, para o lava-pés celebrado na Quinta-feira Santa. Um gesto relevante entregue à Igreja para expressar e desdobramento do mistério pascal na carne do mundo reconectando toda a humanidade. E logo depois, com o anúncio da Páscoa celebrou o testemunho das mulheres ao Ressuscitado, as primeiras testemunhas, as primeiras chamadas para anunciar a Salvação, protagonistas privilegiadas da Páscoa.
Em várias ocasiões, depois, fez declarações que enumeram objetivos, afirmando que “a Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher e o seu papel" e que "a mulher é imprescindível para a Igreja".
“Aumentar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja”, “elaborar uma teologia aprofundada do feminino", introduzir as mulheres "onde a autoridade é exercida nos diversos âmbitos da Igreja" e, finalmente, reiterando o "princípio petrino e o princípio mariano" de matriz balthasariana: “Isso pode ser discutido, mas os dois princípios existem: o mariano é mais importante que o petrino, porque existe a Igreja esposa, a Igreja mulher, sem masculinizar-se”. Trata-se de reflexões retomadas e reiteradas nos últimos anos em inúmeras intervenções até as mais recentes em que se torna explícito o eco daquela esperança que animava os Padres do Concílio quando, em 8 de dezembro de 1965, no final dos trabalhos, foi publicada por Paulo VI a Mensagem às mulheres. Confirmando que a preocupação e o convite de Francisco fazem parte da corrente dirigida às instâncias nascidos em continuidade com o Vaticano II ainda não implementadas.
A “questão da mulher” tem as suas raízes na vivência da Igreja já no seu nascimento, onde a presença das mulheres favorece a abertura universalista, tanto nos momentos fundadores, originários, de tomada de decisão, em que se trata de acolher toda a força propulsora do Espírito, quanto naqueles do seu início concreto em que é necessário superar os pesos de esquematismos consolidados e as hostilidades conectadas. Afinal, no Evangelho e nos Atos dos Apóstolos - como destacou o biblista Damiano Marzotto em seu Pietro e Maddalena. Il Vangelo corre a due voci– as mulheres apresentam-se não só como “o lugar do acolhimento e da hospitalidade, mas como lugar da liberdade e do universalismo, isto é, capazes de regenerar, de restaurar aquele impulso que impele para os espaços universais e, portanto, para fazer progredir o caminho da salvação. Essa dinâmica se cumpriu de fato, portanto se cumpre e pode se cumprir, apenas com uma plena sinergia de masculino e feminino".
O documento final do Sínodo sobre os jovens afirmava o seguinte: “Uma visão também da Igreja, feita predominantemente pelo viés masculino, não está respondendo à tarefa que Deus confiou à humanidade. Em segundo lugar, é apenas a partir da reciprocidade que pode emergir uma valorização e integração do masculino e do feminino". A Evangelii gaudium também não deixa de lembrar que o sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas que “a grande dignidade vem do Batismo, que é acessível a todos”. Trata-se, basicamente, de reconhecer e metabolizar que a questão não é superficialmente de igualdade de oportunidades, porque não nasce da reivindicação, mas de uma riqueza a recuperar, aquela de uma Igreja-comunhão, justamente.
A Ordem, reservada para os homens, não é o único sacramento que garante a assistência do Espírito Santo na fase de escuta, de discussão e de decisões; é o Batismo que reúne um Corpo com diversos membros, cuja possibilidade de movimento surge apenas da sua cooperação e da reciprocidade. Nessa perspectiva trata-se, portanto, de superar lógicas clericais em que a presença feminina nas organizações, nos vicariatos, nas cúrias, incluindo a Cúria Romana, seja entendida como “concessão” às mulheres e reduzida a presença simbólica. “Preocupa-me a persistência de uma certa mentalidade masculinista nas sociedades, preocupa-me que na própria Igreja o serviço a que cada um é chamado, para as mulheres, às vezes se transforma em servidão”, afirmou várias vezes o Papa. “Eu sofro, digo a verdade, quando vejo na Igreja ou em algumas organizações, que o papel de serviço, que todos nós temos e devemos ter, o papel de serviço da mulher desliza para um papel de servidão."
Portanto, na perspectiva aberta por Francisco se “a mulher para a Igreja é imprescindível” e é “necessário ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva", isso pressupõe que também na Igreja, um específico masculinismo rastejante e hipócrita seja “sanado pelo Evangelho” e, ao mesmo tempo, sempre na perspectiva do Evangelho, seja sanado o clericalismo que responde a lógicas de poder entendido como domínio. Porque o clericalismo - que reduz a Igreja a um clube privado do qual alguém, que não é Cristo, pretende ter as chaves – combinado com um certo masculinismo, em vez de valorizar a novidade evangélica que leva à construção de uma Igreja de irmãos e irmãs, exalta as diferenças de forma distorcida e do ponto de vista do anúncio realiza de fato um desvio, traindo a identidade da Igreja, dado que a novidade evangélica vê homens e mulheres juntos, chamados ao discipulado, ao anúncio, ao serviço para transmitir plenamente a riqueza da mensagem evangélica.
A graça do Batismo e a efetiva colaboração entre mulheres e homens na Igreja na reciprocidade e no serviço são, portanto, a direção indicada pelo Papa Francisco nas suas repetidas intervenções sobre a questão feminina. Aquele serviço fundamental ao qual todos, mulheres e homens, são chamados para fazer progredir a Igreja no espírito de Cristo. É nessa direção, para o Papa, portanto, que é necessário “ir cada vez mais a fundo não só na identidade feminina, mas também naquela masculina, para assim melhor servir o ser humano como um todo", como afirmou. Esse olhar amplo que visa o bem de todos, mulheres e homens, pode proteger contra lógicas da natureza reivindicativa, sem, no entanto, esconder as sombras ainda presentes e os passos necessários ainda a ser feitos para uma profunda consideração da mulher. Na questão das mulheres, portanto, para o Papa passa uma questão profundamente eclesial, que é a de uma conscientização renovada.
Embora seja ainda difícil superar uma certa mentalidade num caminho partilhado por todos, esse último Sínodo pôs em evidência como o papel das mulheres na Igreja só pode ser reconsiderado e integrado na perspectiva efetiva do dinamismo e da conversão missionária. E avançar para um “aprofundamento teológico que ajude a reconhecer melhor o possível papel da mulher onde se tomam decisões importantes, nos vários âmbitos da Igreja” poderia também contemplar um ato magisterial. Um exemplo demonstrativo e de reconhecimento para que essa atitude possa realmente crescer e amadurecer como traço habitual dentro da Igreja.
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O magistério de Francisco orientado para a mulher. Artigo de Stefania Falasca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU