02 Dezembro 2025
"O Advento é o tempo de preparação para receber a graça do Natal, e a única maneira pela qual nós, cristãos, podemos nos preparar verdadeiramente é nos apegando à cruz e implorando misericórdia pelos nossos pecados. Podemos enfeitar as casas com ramos de azevinho, mas devemos enfeitar nossas almas com contrição", escreve Michael Sean Winters, autor católico, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 01-12-2025.
Eis o artigo.
O Advento começou ontem. "Ó casa de Jacó, vinde, andemos na luz do Senhor!", disse-nos o profeta Isaías na missa de ontem. Jesus nos exortou a estarmos vigilantes no Evangelho de Mateus: "Portanto, também vós deveis estar preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos esperais". O Advento é um tempo de olhar para o futuro, e o que é que esperamos? A graça.
Em certo sentido, o Advento começou em março, na Festa da Anunciação. O Evangelho de Lucas nos conta que o anjo Gabriel apareceu à Virgem Santíssima, saudando-a com as palavras: "Ave, cheia de graça! O Senhor é contigo". O Advento é mariano em sua essência, pois é ela quem está grávida do Verbo de Deus. A Encarnação acontece em seu ventre. Ali, a segunda pessoa da Trindade se torna o Verbo encarnado. Quão apropriado é que também chamemos a mãe de Deus de mãe da Igreja. O corpo de Cristo, que é a Igreja, ainda se encarna em seu ventre.
O Advento também é um tempo de penitência. De que outra forma podemos nos preparar para receber a graça senão confessando nossos pecados? As Escrituras hebraicas e cristãs estão repletas de instruções sobre como devemos viver, mas a palavra de Deus ganha vida e penetra nossas mentes e corações quando reconhecemos nossa indignidade. É então, e somente então, que reconhecemos quão grande é o dom que recebemos no Senhor, que lava nossos pecados. Ele é "morte da morte e destruição do inferno", como cantamos no grande hino "Guia-me, ó Grande Jeová".
Este ano, temos um filho de Agostinho na cátedra de São Pedro. O bispo de Hipona não se furtou a confrontar a pecaminosidade do coração humano. Ele via como ela se esconde até mesmo em nossas boas ações. O que ele pensaria de nossa insistência contemporânea em autopromoção e afirmação incessante? Ele não toleraria isso. Agostinho compreendia que o reconhecimento de nossa pecaminosidade era um dos pré-requisitos necessários para a verdadeira conversão e entrega total a que todo seguidor de Cristo deve se ver chamado. Independentemente do que os psicólogos populares pensem, a vergonha é uma parte necessária da vocação cristã.
O outro predicado para a conversão tem a ver com a natureza humana. Na Festa de Cristo Rei, ouvimos o belo hino de São Paulo aos Colossenses:
Ele é a imagem do Deus invisível,
o primogênito de toda a criação.
Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra,
as visíveis e as invisíveis.
Agostinho sabia que fomos criados em Cristo, que nossa natureza mais íntima é inquieta até que encontremos repouso nele, e que, embora essa natureza esteja manchada pelo pecado, tornando nossos esforços para repousar no Senhor inconstantes e frustrantes, ainda é possível sermos salvos desse tormento pela graça. De fato, a graça é o único caminho para a salvação.
Outro dia, um amigo comentou sobre a parábola das ovelhas e dos cabritos encontrada no Evangelho de Mateus 25: "Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes". Meu amigo disse: "Mateus 25 é o coração do Evangelho". É fácil entender o que ele quis dizer em um momento em que nosso país não está acolhendo bem os estrangeiros, que era o tema da nossa conversa.
Mas meu amigo também estava obviamente enganado. Deixando de lado o fato de que essa parábola se encontra em apenas um dos quatro Evangelhos, o cerne do Evangelho, de todos os quatro, o próprio conteúdo do querigma cristão, é a paixão, morte e ressurreição do Senhor. "Ser cristão não é o resultado de uma escolha ética ou de uma ideia elevada, mas o encontro com um acontecimento, uma pessoa, que dá à vida um novo horizonte e uma direção decisiva", lembrou-nos o Papa Bento XVI em Deus caritas est.
A carta apostólica do Papa Leão XIV, In Unitate fidei, publicada na semana passada antes de sua viagem à Turquia e ao Líbano, marcou o 1.700º aniversário do Credo Niceno e fez eco às palavras de Bento XVI. O Papa escreveu:
A profissão de fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus, é o centro do Credo Niceno-Constantinopolitano. Este é o coração da nossa vida cristã. Por isso, comprometemo-nos a seguir Jesus como nosso mestre, companheiro, irmão e amigo. Mas o Credo Niceno pede mais: lembra-nos de não esquecermos que Jesus Cristo é o Senhor (Kyrios), o Filho do Deus vivo que "para nossa salvação desceu dos céus" e morreu "por nossa causa" na cruz, abrindo-nos o caminho para uma vida nova através da sua ressurreição e ascensão.
A essência da fé não é ética, mesmo que tenha consequências éticas, consequências éticas enormes. Somos chamados a algo maior do que nós, humanos, podemos alcançar, maior até do que podemos compreender.
A menos que coloquemos essa consciência no centro de nossa mentalidade cristã, com o tempo começaremos a deslizar para a heresia do pelagianismo, a ideia de que nossas boas ações nos garantirão o céu. Com o tempo, nos fixaremos nas ações dos outros em vez das nossas, tão convencidos estaremos de nossa própria virtude moral (e tão pateticamente óbvios em nossa capacidade de demonstrar essa virtude!). Agostinho compreendeu a profundidade da pecaminosidade humana muito bem para cair na heresia do pelagianismo. Nós também deveríamos.
Agostinho não é chamado de "o doutor do pecado". Ele é "o doutor da graça". Ele compreendeu bem o Advento. Ele captou no fundo da sua alma o que era viajar para Belém com Maria e José, ser o estalajadeiro sem lugar para dormir, ser o pastor cuidando do rebanho, sem saber o que estava prestes a acontecer. A graça não é merecida. Ela é gratuita.
É também doloroso. Uma das imagens mais comoventes do Menino Jesus encontra-se numa pintura de Bartolomé Esteban Murillo, na qual o Menino Jesus dorme na cruz. O sofrimento, e não a autoconfiança, é redentor.
O Advento é o tempo de preparação para receber a graça do Natal, e a única maneira pela qual nós, cristãos, podemos nos preparar verdadeiramente é nos apegando à cruz e implorando misericórdia pelos nossos pecados. Podemos enfeitar as casas com ramos de azevinho, mas devemos enfeitar nossas almas com contrição.
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