Advento: encontrar o Senhor da História nos pobres não é beneficência; é Revelação – escuta e resposta à Palavra de Deus

Foto: PMS

28 Novembro 2025

“Pela Palavra, Jesus também ensina o que é o cristianismo radical: imitar a Deus na auto-doação de si. Como isso não pode ser feito da noite para o dia – porque somos criaturas e não o Criador –, Deus convida à amizade, à caminhada com Ele, na escuta e resposta à Sua Palavra, para que aprendamos a colocar Ele antes de nós, a compaixão antes da indiferença, as pessoas antes do dinheiro, a dignidade da pessoa humana antes da humilhação”. 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestra em Filosofia pela Unisinos e mestra em Teologia pela PUCRS. 

Neste domingo a Igreja inicia o tempo do Advento, que prepara os cristãos para a vinda do Senhor, a ser celebrada no Natal. A leitura do evangelho deste ano tem um tom escatológico. Jesus fala aos discípulos do tempo que virá: a vinda do Filho do Homem. “Também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24, 44).

Esta segunda vinda, no entanto, está associada à primeira, àquela que vamos celebrar em alguns dias: o mistério da revelação de Deus em Jesus Cristo. “Na revelação, é o próprio Deus que se dirige ao homem, não o Deus abstrato dos filósofos, mas o Deus vivo, o Onipotente, o três vezes Santo”, lembra René Latourelle, jesuíta canadense. 

Em Teologia da Revelação, o teólogo explica a centralidade da Palavra na compreensão da manifestação de Deus à humanidade. Foi por ela que Israel compreendeu a presença divina nos primeiros tempos. Mais tarde, acrescenta, na revelação de Jesus “Cristo é o Filho que pessoalmente nos fala, prega, ensina, atesta o que viu e ouviu junto do Pai”. O conteúdo da sua mensagem é o Evangelho. 

Mas a Palavra não é somente um modo de conhecer a mensagem de Cristo, os conselhos e advertências evangélicos, mas um encontro com o Deus vivo. Um encontro que se dá pela fé na mensagem da Palavra comunicada, como sublinha Latourelle. 

A Palavra ganha aqui um sentido específico: é lugar de encontro interpessoal, diz o teólogo. Ela dirige-se a outra pessoa, se dá entre um Eu e um Tu. É uma interpelação, um apelo, a busca de uma reação. A interpelação divina, segundo o jesuíta, tem um propósito: Deus nos interpela para estabelecer conosco uma relação de amizade. “Pela amizade e pelo amor Deus se aproxima de uma criatura que se revoltara contra ele”, pontua o teólogo, fazendo referência a todos nós.

Pela Palavra, Jesus também ensina o que é o cristianismo radical: imitar a Deus na auto-doação de si. Como isso não pode ser feito da noite para o dia – porque somos criaturas e não o Criador –, Deus convida à amizade, à caminhada com Ele, na escuta e resposta à Sua Palavra, para que aprendamos a colocar Ele antes de nós, a compaixão antes da indiferença, as pessoas antes do dinheiro, a dignidade da pessoa humana antes da humilhação. 

Esse ensinamento foi recuperado na Exortação Apostólica “Dilexi Te: sobre o amor para com os pobres", que une os magistérios de Francisco e de Leão XIV. É precisamente na retomada da Palavra do Senhor que a revelação se manifesta, como disse o pontífice: “‘Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes’ (Mt 25,40). Não estamos no horizonte da beneficência, mas no da Revelação: o contato com quem não tem poder nem grandeza é um modo fundamental de encontro com o Senhor da história. Nos pobres, Ele ainda tem algo a dizer-nos” (n. 5).

Como observou o jesuíta Thomas Reese recentemente, os primeiros capítulos da Dilexi Te “oferecem passagens bíblicas maravilhosas para pregação e reflexão sobre o relacionamento adequado entre cristãos e pobres. E, como todos os cristãos compartilham as mesmas Escrituras, os capítulos também fornecem material rico para o diálogo ecumênico entre cristãos sobre como devemos pensar e agir em relação aos pobres”. Em resumo, afirma, “o argumento fundamentalmente bíblico do documento é que ‘o contato com aqueles que são humildes e impotentes é uma forma fundamental de encontrar o Senhor da história’”.   

Que neste Advento, possamos ouvir e responder à Palavra de Deus, optando pela radicalidade do Evangelho: fazer algo aos irmãos mais pequeninos e, neles, encontrá-Lo. 

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