A carne dos pobres no “Dilexi te”. Artigo de Marzia Ceschia

As experiências daqueles que estão à margem da lógica do lucro e da produção desafiam os crentes a se deixarem medir por aqueles em quem Cristo escolhe ser encontrado e tocado. A partir dessa carne faminta, doente e aprisionada de Cristo, os teólogos são impelidos a inspirar práticas capazes de ação transformadora e inclusiva.

O artigo é de Marzia Ceschia, professora de Teologia Espiritual na Faculdade de Teologia da Região do Triveneto, publicado por Settimana News, 03-11-2025.

Eis o artigo.

Dando continuidade à encíclica Dilexit nos, escrita pelo Papa Francisco em 2024, a exortação apostólica sobre o amor aos pobres, Dilexi te, a primeira assinada pelo Papa Leão XIV, retoma o projeto do Papa Bergoglio de colocar a questão da pobreza no centro da reflexão eclesial, com a palavra autorizada do magistério.

Fica imediatamente claro que o documento não pretende reiterar uma prioridade sociológica, mas sim destacar uma precedência teológica: “Não estamos no horizonte da caridade, mas da Revelação: o contacto com aqueles que não têm poder nem grandeza é uma forma fundamental de encontrar o Senhor da história” (n.º 5).

A teologia, portanto, não pode ignorar este aspecto, a atenção a este modo de Deus se fazer presente no mundo, porque – declarou o Papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium, à qual se refere a exortação do Papa Leão XIV – “deve-se afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissociável entre a nossa fé e os pobres” (cf. n. 36).

Os pobres, um lugar teológico

Os pobres são, portanto, um lugar teológico por excelência, visto que Cristo assumiu a pobreza para estar entre os homens. Recordando o que o Cardeal Lercaro expressou durante o Concílio Vaticano II, em 06-12-1962, a exortação prossegue destacando que "o mistério de Cristo na Igreja sempre foi e é, mas especialmente hoje, o mistério de Cristo nos pobres" (cf. n. 84).

A autenticidade do culto cristão se verifica nos pobres: "Por isso, recomendam-se as obras de misericórdia como sinal da autenticidade do culto que, ao mesmo tempo que louva a Deus, tem a tarefa de nos tornar abertos à transformação que o Espírito pode realizar em nós, para que todos nos tornemos imagem de Cristo e da sua misericórdia para com os mais fracos" (n. 27).

A exortação menciona muitas experiências e testemunhos daqueles que, ao longo da história da espiritualidade cristã, abraçaram a pobreza como o caminho preeminente para a conformidade com Cristo, como um espaço privilegiado para a ação cristã performativa, capaz de sintonizar a experiência do fiel com o estilo do Senhor.

“O cuidado com os pobres faz parte da grande tradição da Igreja, como um farol de luz que, desde o Evangelho, ilumina os corações e os passos dos cristãos de todas as épocas. Por isso, devemos sentir a urgência de convidar todos a entrar neste rio de luz e vida que brota do reconhecimento de Cristo diante dos necessitados e dos que sofrem. O amor pelos pobres é um elemento essencial da história de Deus conosco e, do próprio coração da Igreja, irrompe como um apelo constante aos corações dos fiéis, tanto das comunidades quanto dos fiéis individualmente” (n. 103).

Na experiência eclesial

A presença sacramental dos pobres na vida eclesial desafia os teólogos e o serviço que prestam à comunidade de fé. Significativa a este respeito é a afirmação de que "a opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se principalmente numa atenção religiosa privilegiada e primordial" (n. 127).

A experiência e a vida daqueles que vivem à margem da lógica do lucro e da produção exigem ser abordadas não apenas como objeto de iniciativas de caridade e assistência social, mas como um mundo que desafia os crentes a se deixarem medir por aqueles em quem Cristo escolhe ser encontrado e tocado, e que guiam – partindo de uma “pobreza de espírito” assumida como a verdade do seu ser cristão – os estilos e as formas da presença da Igreja no mundo.

A teologia é chamada a pesquisar, refletir e desenvolver perspectivas que possam inspirar práticas capazes de ações transformadoras e inclusivas, que não vejam os pobres apenas como receptores de caridade (cf. n. 100), mas também como sujeitos que podem e sabem promover uma visão alternativa da realidade, no contexto mais amplo e fundamental que é a alternativa proposta pelo Evangelho de Cristo.

Por esta razão – sublinha o Papa Leão XIV – é necessária uma conversão espiritual (cf. n. 98), para reconhecer a necessidade de nos deixarmos evangelizar pelos pobres e de acolher a sabedoria que Deus manifesta através deles (cf. 102).

A teologia, finalmente, é desafiada a se engajar verdadeiramente com os mistérios que enuncia e explora: “A realidade é que, para os cristãos, os pobres não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo. De fato, não basta simplesmente declarar em termos gerais a doutrina da encarnação de Deus; para realmente entrar nesse mistério, ao contrário, devemos especificar que o Senhor se faz carne, faminto, sedento, doente e preso” (n. 110).

É uma questão de vida e é uma questão de fé.

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