O artigo é de Consuelo Vélez, teóloga colombiana, publicado por Religión Digital, 14-11-2023.
No dia 19 de novembro será comemorado o VII Dia Mundial dos Pobres. Estas Conferências foram uma iniciativa do Papa Francisco, no encerramento do Ano da Misericórdia (2016). Naquela ocasião, o Papa celebrou uma Eucaristia com cerca de 6.000 moradores de rua. Ali Francisco fez um sincero pedido de perdão: “Perdoe-me por todas as vezes em que os cristãos passam por um pobre e olham para o outro lado”. E não querendo que essas palavras fossem esquecidas, decidiu estabelecer que todos os anos a Igreja em todo o mundo teria um dia exclusivo para os pobres, no domingo antes de Cristo Rei. Desde então, já foram realizados seis dias e estamos nos preparando para o sétimo. Em cada dia foi dada uma mensagem que aqui podemos recordar: I Dia (2017): “Não amemos com palavras, mas com obras”; II Dia (2018): “Este pobre gritou e o Senhor o ouviu”; III Conferência (2019): “A esperança dos pobres nunca será frustrada”; IV Dia (2020): “Estende a mão aos pobres” (Cf. Si 7,32); Dia V (2021): “Tu sempre contigo os pobres” (Mc 14,7); VI Dia (2022): “Jesus Cristo se fez pobre por vós” (Cf. 2 Cor 8,9) e VII Dia (2023): “Não desvieis o rosto dos pobres” (Tb 4,7).
O texto deste dia retirado do livro de Tobias está inserido na história do testamento espiritual que Tobias dá ao seu filho: “Lembre-se do Senhor todos os dias da sua vida, meu filho, e não peque deliberadamente nem quebre os seus mandamentos. Faça obras de justiça todos os dias da sua vida e não siga os caminhos da injustiça (…) Dê esmola com os seus bens e ao fazê-lo, que o seu olho não tenha desavença. Não vire o rosto diante de nenhum pobre e Deus não desviará o rosto de você.” Este testamento de Tobias ao seu filho não foi uma teoria, mas sim uma experiência própria. Pelo seu testemunho de caridade, o rei privou-o de todos os seus bens, deixando-o completamente pobre. Mas o Senhor permitiu-lhe recuperar a sua posição de administrador e Tobias continuou a praticar a solidariedade com os pobres. Porém, enquanto ia enterrar um homem pobre, caiu esterco em seus olhos e ele ficou cego. Mas isto não foi um impedimento para que continuasse comprometido com as numerosas formas de pobreza que o rodeavam. No final, Deus lhe restaura a visão e ele consegue ver seu Filho. Com esta referência a Tobias nos pedem que, quando estivermos diante de um pobre, não voltemos o olhar para outro lugar, porque isso nos impedirá de encontrar o rosto do Senhor Jesus. E somos convidados a prestar muita atenção à expressão “nenhum pobre”, independentemente da cor da pele, posição social ou origem.
Francisco continua a mensagem deste ano referindo-se ao mundo atual que privilegia apenas o bem-estar e torna invisíveis as situações de dor humana. No entanto, estas continuam a crescer e hoje podemos reconhecer novas faces e formas de pobreza. Tudo o que ameaça a dignidade da pessoa, como a falta de serviços básicos, de trabalho digno ou a negação de qualquer direito, constitui um forte desafio à vida cristã porque nos pobres Deus se manifesta de forma preferencial e é neles onde Devemos responder: “Todas as vezes que vocês fizeram isso ao menor dos meus irmãos, vocês fizeram isso a mim” (Mt 25, 40). Francisco recorda também o que escreveu na Evangelii Gaudium: “Somos chamados a descobrir Cristo neles, a dar a nossa voz às suas causas, mas também a ser seus amigos, a ouvi-los, a interpretá-los e a recolher a sabedoria misteriosa que Deus quer comunicar-se conosco através deles” (n. 28).
Para a vida cristã a realidade dos pobres não é desconhecida e são muitas as obras apostólicas que os acolhem e servem. Mas ainda precisamos de pôr em prática a solidariedade com o mundo dos pobres, isto é, ser testemunhas de uma vida sóbria, o único lugar onde a nossa ajuda não é uma esmola do que sobra, mas uma vida dividida e distribuído como Jesus o fez. E esta é a diferença fundamental entre aqueles que fazem obras de caridade, mas mantêm os seus privilégios, o seu estatuto, os seus títulos honoríficos, a sua vida de luxo e conforto, o seu desperdício de bens, enfim, a separação de classes que permite o escândalo de o “imensa abismo entre ricos e pobres”, de quem entende a mensagem do reino e entende que a pobreza não se transforma se a vida não for desalojada, não for desinstalada, não estiver disposto a dar e a se doar.
Infelizmente, estas Jornadas Mundiais dos Pobres não tiveram o impacto eclesial que poderiam ter. Não há insistência neles. Não marcam em profundidade a celebração dominical. É anunciado no início da liturgia, mas tudo continua como sempre. Para este dia o Papa propõe que, como Tobias que pede ao seu filho que procure algum pobre entre os irmãos deportados de Nínive e partilhe com ele a sua comida, também convidemos algum pobre para o almoço de domingo, depois de ter partilhado a comida mesa porque “se ao redor do altar tivermos consciência de que somos todos irmãos, quão mais visível seria esta fraternidade partilhando a refeição festiva com aqueles que carecem do necessário!”
A mensagem termina com referência aos 150 anos do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus que, na sua profunda experiência espiritual, compreendeu que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração, mas deve iluminar e trazer alegria, não só aos mais amados, mas a todos, sem exceção de ninguém. E invoca- a para nos ajudar neste Dia Mundial, a “não desviar o rosto dos pobres” porque eles são o rosto humano e divino de Nosso Senhor Jesus Cristo.