21 Junho 2022
Hoje é imprescindível e urgente repensar, tanto do ponto de vista sociopolítico quanto nível simbólico, a categoria do “masculino”, do modo como ela tem sido associada até agora ao conceito de poder, força, dominação. A dimensão “patriarcal” da masculinidade pode ceder lugar a uma identidade modelada na relação com quem vive ao lado do homem: compartilhar e não discriminar, sem deixar de ser homem. Falamos sobre isso com a Ir. Marzia Ceschia.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada em Settimana News, 18-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É urgente e evangelicamente necessário que também a Igreja reflita sobre as desigualdades internas e ative processos de redefinição da masculinidade e da feminilidade, em um horizonte de reciprocidade libertada e libertadora.
Falamos sobre esse tema com a Ir. Marzia Ceschia, professora da Faculdade Teológica do Triveneto, na Itália, que no próximo ano letivo realizará um curso online no ciclo de licenciatura intitulado “Repensar a masculinidade” (nos dias 3, 10, 17 e 24 de novembro de 2022; informações e inscrições pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
Ir. Marzia, qual é o ideal dominante de masculinidade hoje?
O ideal de masculinidade que se afirmou ao longo da história, embora se expresse em contextos diferentes, sempre esteve associado à dimensão do poder e da autoafirmação, correspondente a uma posição hierárquica do masculino que justifica o seu protagonismo, a sua superioridade e, portanto, a subordinação feminina ou o confinamento da mulher a âmbitos de cuidado, mas não de decisão. Os símbolos de virilidade introjetados se tornaram critérios para “medir” o masculino e a partir dos quais se definiu ao mesmo tempo o feminino, com evidentes consequências em nível cultural, político, eclesial e educacional.
O patriarcado oprimiu as mulheres – os feminicídios são a ponta do iceberg – mas também prejudicou os homens, confinando-os em estereótipos de dominação. Em que termos podemos falar hoje de crise da masculinidade?
Na sociedade atual, os símbolos tradicionais do masculino são inadequados em relação à consciência adquirida pelas mulheres, à sua emancipação, à sua autonomia. Os papéis tradicionalmente veiculados pelo patriarcado não resistem à prova da história. Que reações, então, se desencadeiam nos homens? Frustração, sensação de ameaça, desorientação, contraposição, violência como tentativa extrema de controlar, reavaliação e busca de outra representação. É toda uma linguagem, um sistema simbólico que está em crise, e, consequentemente, os modelos tradicionais de referência não se sustentam mais.
Como repensar uma masculinidade livre das leituras patriarcais da diferença sexual?
Esse é o desafio que o percurso proposto se levanta, sem a presunção de chegar a conclusões exaustivas, mas abrindo perspectivas de pensamento e de reflexão. Acredito que é importante ter a consciência de quais narrativas masculinas estão surgindo no nosso tempo, captando as resistências, as mudanças em andamento, para sondar os seus pontos críticos, os seus estereótipos e as suas oportunidades. Também é importante trabalhar, mais do que sobre o conceito de igualdade, sobre o de diferença nos valores que o fato de ser diferente expressa. Uma diferença que não exclui, mas cria espaços de inclusão: é paradigmático, nesse sentido, o caminho de Jesus de Nazaré, que as mulheres acompanharam e em cuja experiência estiveram presentes ativamente, nada marginais, até o espaço extremo da Cruz. Também é significativa a masculinidade expressada por José de Nazaré, livre de qualquer reivindicação de poder, dedicada à custódia dos seus afetos, manso e silencioso.
A “questão da masculinidade” reúne identidades, funções e papéis. Quais são os novos modelos de masculinidade?
Partilha, relação e cuidado: essas me parecem ser três palavras-chave que permitem superar modelos de masculino – e também de feminino – reduzidos a funções catalogadas como típicas do homem ou da mulher. Na participação comum nos territórios da partilha e do cuidado, o masculino e o feminino podem narrar-se em relação, em um clima oposto ao do poder e do controlo, em uma reciprocidade em que é impossível dizer-se e dar-se sem o outro/outra. Só a dinâmica da reciprocidade pode transformar – dar origem a novos modelos, portanto – pelo fato de estar em contínua reelaboração, livre de esquematismos, fixismos, preconceitos a defender, a imobilizar, por estar aberta à descoberta de um outro/outra inesgotável e, de vez em quando, único.
Que direção poderia ou deveria tomar uma reflexão sobre as relações de gênero no âmbito da Igreja?
Uma das palavras mais recorrentes hoje é “sinodalidade”, termo que coloca no centro o princípio da comunhão, da valorização de cada contribuição em vista de uma missão comum, exigindo uma escuta atenta do outro, a acolhida da sua originalidade de visão, um discernimento compartilhado. Como se expressa hoje de maneira sinodal o estilo, a vivência de fé, a práxis dos homens e das mulheres? Como homens e mulheres entram juntos nesse processo espiritual? Não se trata, acima de tudo, de conceder espaços com base em avaliações meramente humanas, mas, em primeiro lugar, de se colocar em uma atenção recíproca aos carismas e às palavras que surgem dos carismas. E escutar também significa obedecer “àquilo que o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2,7). A ressonância dessa Palavra nos homens e nas mulheres de hoje interpela as comunidades cristãs, mas até que ponto o ver e o julgar são realmente precedidos pela escuta?
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É preciso repensar o universo masculino. Entrevista com Marzia Ceschia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU