07 Dezembro 2021
"Há algo de robustamente libertador no fato de que a fragilidade do Filho de Deus encarnado tenha sido protegida não por um herói com um perfil já pronto para se tornar lendário, mas por um homem manso e confiável, que para salvar seus entes queridos não considera humilhante nem mesmo o exílio", escreve Michela Murgia, escritora italiana e ex-animadora da Ação Católica italiana, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, edição de dezembro de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O incurável problema que o patriarcado tem com José é que é difícil reconhecer nele qualquer forma de poder no sentido dominante do termo. Ele não manda em sua esposa, não manda em seu filho, ao contrário de Maria, ele não induz Jesus a realizar qualquer milagre e ao longo da história do Cristianismo ele será marcado por aquele adjetivo de certa forma terrível - putativo - que no senso comum nunca significou nada além de falso. No entanto, é graças a ele que Maria não foi morta devido a uma gravidez difícil de explicar a uma aldeia inteira já com as pedras nas mãos. É graças a ele que Jesus e sua mãe sobreviveram à fúria do tetrarca da Judéia e seus capangas.
É graças a ele que o Filho de Deus teve uma infância e uma adolescência tão serenas que não ofereceram, naquela banal alegria de aldeia, nenhum ponto de apoio narrativo aos evangelistas.
O ponto principal é que José é um homem que nada tem a ver com o machismo (e, portanto, com os machistas), porque nele o "por quê" e "para quem" coincidem de forma perfeita.
Não é Ulisses, que sonha com outro lugar. Não é Enéias, que foge perdedor de Tróia em chamas, mas apenas para fundar outra cidade. Não é Arthur, que une com a espada as contradições da Grã-Bretanha. Nem é, para permanecer nos Atos, um Paulo de Tarso mais espiritual, tão eloquente a ponto de converter os pagãos à uma fé que não poderia ser mais distante da deles. José não tem que convencer ninguém e talvez nem saberia como fazer, de fato ele nunca abre a boca. Ele é o verdadeiro guardião do santo silêncio, não Maria, que nos Evangelhos, ao contrário do que se consuma considerar, fala bem mais de uma vez.
Para o carpinteiro de Nazaré, não há missões especiais dignas dos cantos dos trovadores, porque o propósito da vida de José não é um algo, mas um quem: sua empreitada, sua epopeia e sua vitória são duas pessoas indefesas e preciosas que só podem contar com a sua proteção. A masculinidade do presente e do futuro poderia encontrar ampla inspiração em uma figura tão difícil de enquadrar nas categorias da dominação e da posse, alguém que, dentro da lógica de alcateia estruturada pelo patriarcado, nasceria pária para ser e permanecer um macho beta.
Há algo de robustamente libertador no fato de que a fragilidade do Filho de Deus encarnado tenha sido protegida não por um herói com um perfil já pronto para se tornar lendário, mas por um homem manso e confiável, que para salvar seus entes queridos não considera humilhante nem mesmo o exílio. Para reconhecer valor a um homem capaz de agir tão fora dos esquemas do sistema normativo dos gêneros, não é possível prescindir de um renovado espelhamento dos papéis e, portanto, é imprescindível que existam mulheres dispostas por sua vez a romper com aqueles já desgastados, em primeiro lugar para si mesmas. Por isso talvez não seja inútil recordar neste discurso que, afinal, apesar das histórias apócrifas, não foi Deus quem escolheu José. Foi Maria.
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Escolhido por Maria fora das normas do patriarcado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU