A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 2º Domingo do Advento, ciclo B do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Marcos 1,1-18.
“Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!” (Mc 1,3)
Desejo, anseio, expectativa... Isso é o que nos invade quando sentimos que se aproxima algo/alguém que esperamos profundamente. Pois isso é o Advento. Tempo para os grandes sonhos. Só os medíocres ou os desesperançados renunciam sonhar. Pois bem, se um grande desejo nos move, é tempo para levantar a cabeça de novo, ampliar o olhar, tanto para fora quanto para dentro. Deixar que ressoe como uma promessa o grito de um Deus que atravessa o tempo para nos dizer: “aproxima-se vossa libertação!”
O Advento é um tempo inspirador. Talvez porque seja um tempo de espera. Como na gravidez, um tempo de interioridade, onde uma vida vai crescendo no escuro e protegido ventre materno. Advento nos chama a olhar-nos por dentro, a descobrir aquilo que já não serve para deixá-lo; também descobrir a vida que pulsa buscando sair à luz. Ali podem se esconder os brotos verdes dos quais ainda não se manifestaram.
Por isso, viver o Advento é viver em permanente travessia, em contínuo deslocamento. A imagem do “fazer caminho” perpassa todo esse tempo litúrgico. E o apelo mobilizador que emerge é este: “fazei-vos itinerantes!” O Advento vem ao nosso encontro e nos desafia: “Tu és caminho!”
Os caminhos estão dentro de nós; temos “fome e sede de estradas”. Todo ser humano é “homo viator”, um caminhante pelos caminhos da vida; ele não recebe a existência pronta. O “ser humano é terra que caminha” (Yupanqui). Seu caminho pessoal tem de ser desbravado com criatividade, ousadia e destemor.
O caminho não é só o trajeto de uma pessoa para Deus, mas também o trajeto de Deus em sua aproximação a cada um de nós. A realidade está perpassada por um Deus que também empreendeu um caminho em direção à humanidade.
O ser peregrino por parte do ser humano corresponde ao ser peregrino por parte de Deus.
O caminho se converte, então, em caminho para um encontro mútuo, um encontro de dois peregrinos.
Todo caminho é um mundo de relações; relações livres porque não sabemos com quem vamos encontrar; falamos de igual para igual, compartilhamos alegrias e tristezas, nossa conversação, nossa ajuda. Não há pré-juizos no trato mútuo, ajudamos e somos ajudados, carregamos a mochila de nosso irmão cansado, curamos suas bolhas nos pés; aproximamo-nos das pessoas sem barreiras, superando fronteiras de raça, credo e cultura.
O caminho faz do peregrino um obsessivo-apaixonado, pois está centrado numa única preocupação que é fazer o percurso, chegar à meta. “Nós pensamos e sentimos a partir de onde estão nossos pés” (Frei Betto).
O caminho nos põe em contato conosco e ajuda a nos conhecer melhor (o percurso externo é visibilização da viagem interior). O caminho externo é prolongamento do caminho interno, percorrido e saboreado. Só quem transita com liberdade pelos caminhos interiores será capaz de ir ao encontro dos outros e entrar em sintonia com eles pelos caminhos da vida. Viver percursos internos expande a mente, alarga o coração, eleva os sentimentos.
No contexto pós-moderno, onde predomina o uso dos meios eletrônicos, os “lugares virtuais” acabam determinando nossa vida, nosso modo de pensar, nossa visão, nosso sentir... Enquanto a tecnologia nos permite transitar por todos os lugares e encontrar pessoas mais distantes, cresce, no entanto, o medo do outro, daquele que é “diferente” de nós, daquele que não pensa como nós, encerrando-nos em pequenos mundos.
Assim, os “percursos virtuais” acabam atrofiando nosso horizonte, nossos desejos e inspirações; as relações são frias, neutras, não nos comprometemos com o outro e não permitimos o confronto.
Não tem sentido fazer caminho externo se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade sente-se bloqueada...
Portanto, Advento significa contínuo êxodo do lugar estreito e dispersivo ao lugar expansivo e unificante, travessia dos lugares autorreferenciais para os amplos lugares humanizadores. Assim, este tempo litúrgico nos pede deslocamento de nossos lugares onde controlamos; supõe travessia para espaços onde não somos o centro. Falamos de diferentes espaços: religioso, afetivo, gênero, ideias, crenças, ideologias...
Assim, ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas. Quando os caminhos interiores são abrasados e iluminados pela força do Espírito peregrino, começam a cair nossas falsas seguranças, suspeitas e preconceitos e a nossa vida se abre à grande novidade que o Deus surpreendente nos reserva.
O caminho é a experiência de uma grande liberdade pela via do desprendimento (coisas, apegos, ideias fixas, posturas fechadas, conservadorismo...) e aí se abre a possibilidade de um encontro com o Transcendente, com Deus; é muito comum que uma pessoa, ao fazer esse caminho exterior e interior, espontaneamente eleve os olhos ao alto, expresse gratidão, ou se retire para orar...
Assim, Advento nos move à conversão pois se manifesta como um chamado a uma vida mais simples, partilhada, apaixonada, natural, livre, transcendente, intensa, comprometida...
Nosso caminhar pessoal, familiar, social, histórico... é um caminhar para frente, para o melhor, para a superação constante...; é um caminhar que se abre a nós cheio de possibilidades, que alimenta a esperança, que nos enche de novas energias..., porque Deus, que é novidade constante, nos impulsiona a partir de dentro.
Se considerarmos o novo ano litúrgico a partir desta perspectiva, seremos capazes de romper com a rotina para deixar-nos surpreender, comover e mobilizar. Já não será “outro Advento a mais”, senão “um Advento novo e diferente”; nem “um Natal a mais”, senão “um Natal novo e inesquecível” ...
“Aplainai o caminho do Senhor!”. É o grito do profeta João. O que devemos ter em conta hoje é que “o Senhor” não tem que vir de fora, mas deixá-lo surgir a partir de dentro. Como conseguir isso? Afastando de nós tudo o que impede a manifestação do divino em nós.
Por isso, preparar o caminho do Senhor implica desejo, conversão, empenho e confiança.
Tudo na vida requer preparo, e toda preparação exige empenho e mudança..., envolve uma espera.
Somos feitos disso: desejo, súplica, anseio, busca, esperança... No mais profundo de cada um há uma carência que nos faz bradar ao Eterno, pedindo ajuda: “Vem, Senhor, nos salvar! Vem sem demora nos dar a paz!” Tudo aponta para o vazio infinito dentro de nós, ressoando uma certeza: Ele vem!
Despertos e libertados podemos sair ao encontro d’Aquele que nos quer encontrar.
O caminho que temos de percorrer durante o ano litúrgico é longo: entrar em nossa casa, entrar em nosso interior requer tempo. Como dizia S. Bernardo: “não se trata de atravessar mares, de escalar o céu, de ultrapassar as nuvens, de cruzar vales ou de escalar montanhas. É para ti mesmo que deves caminhar; habitar-te e não ser casa vazia ou cheia de espíritos que não são teu espírito, tu mesmo”.
- Aproveita este Advento para sacudir a preguiça e sair para Aquele que vem ao teu encontro; propicia espaços nos quais possas escutar a voz do Espírito que em teu interior te recorda quem és: filho(a) e irmão(ã)!
- Está dentro de ti o caminho que tens a percorrer; para o mais profundo teu; é ali onde Deus te espera e deseja encontrar-se contigo, realizar o Natal.
Comentário de Ana María Casarotti: