01 Outubro 2025
Uma pergunta se impõe a todos, e ela é inevitável: como suceder Francisco sem ser Francisco? A isto, Ney de Souza também questiona: "este será um pontificado surpreendente e de surpresas, atento aos sinais dos tempos para reconhecer o que o 'Espírito diz às Igrejas' (Ap 2,7)?"
O artigo é de Rodolfo Gasparini Morbiolo, doutor e mestre em Teologia Cristã pela PUC-SP, presbítero diocesano da Arquidiocese de Sorocaba e professor do Instituto de Teologia “São João Paulo II” da província eclesiástica de Sorocaba, afiliado a PUC-SP.
Eis o artigo.
O livro "Leão XIV: a paz esteja convosco! Estudo biográfico" é a mais recente obra publicada pelo Doutor em História Eclesiástica (Gregoriana, Roma) e pós-Doutor em Teologia (PUC-Rio), professor Ney de Souza, do Programa de Estudos Pós-graduados em Teologia da PUC-SP. Publicado pela Edições Loyola, seu novo livro é dedicado ao percurso histórico de Francisco a Leão XIV, enunciando reflexões para muito além destes papados emblemáticos atuais.

Líder do Grupo de Pesquisa Religião e Política no Brasil Contemporâneo (PUC-SP, CNPq), Ney de Souza, evidencia uma longa lista de questionamentos teológicos a respeito dos desafios internos e externos à eclesialidade católica, para o atual pontificado e para o porvir de uma Igreja em diálogo com o mundo, como ensejou o patrimônio documental legado pelo Concílio Vaticano II.
O caminho pedagógico de apresentação dos conteúdos é preciso em função da definição que o próprio Robert Francis Prevost fez de sua escolha de nome papal referindo-se ao Papa Leão XIII, em seu discurso ao Colégio Cardinalício, logo após sua eleição, antes da Missa de início de ministério petrino.
Por este caminho, primeiro Ney de Souza apresenta um percurso histórico sobre a vida dos papas que escolheram o nome Leão. Seguindo pela apresentação do pontificado de Leão XIII, iniciador da Doutrina Social da Igreja e impulsionador do projeto papal atual que poderia ser apresentado assim: da Revolução Industrial à Revolução Digital (um projeto ambicioso!).
Num segundo bloco, recupera a síntese do ministério do Papa Francisco radicada no princípio evangélico da misericórdia, que se reflete no livro da vida e no rosto que o papa recém-falecido ofereceu à Igreja e ao mundo. Em articulação apresenta a biografia de Leão XIV; de fato: um estadunidense-peruano na Cátedra de Pedro (algo incrivelmente inusitado!).
De volta para o passado, em direção ao coração do primeiro milênio cristão, recupera a vida e o pensamento de Santo Agostinho, de quem o Papa Prevost afirmou ser "filho" em sua primeira apresentação pública como bispo de Roma e papa da Igreja. E em seguida, quase perguntando como encurtar mil e quinhentos anos de história trazendo Agostinho para os nossos dias e para os desafios atuais, apresenta num novo capítulo algumas falas já recentes do novo papa diante dos desafios hodiernos, lembrando seus leitores, com admirável erudição, a aclamação dos bispos do Concílio de Calcedônia ante a leitura da carta enviada pelo então Papa Leão Magno: "Pedro fala pela boca de Leão" (hoje fala pela boca de outro Leão!).
E assim, somos guiados pela boca do recente Leão XIV, por meio da qual já se ouviu novamente os seguintes temas bastante familiares à Igreja Bergoglio-Francisco: guerras e paz, o Concílio Vaticano II e a sinodalidade, a necessária abertura de fronteiras, os pobres, a relação entre fé e amor ensejando uma religião atraente e contextual, revolução digital e "fake news".
Por último, o historiador ensaia num último capítulo as emergências para Leão XIV, que brotam do sonho do Papa Francisco de uma Igreja Sinodal, modelo para um mundo em colapso e policrises. Uma instituição religiosa em processo de reformas que precisa recuperar a unidade interna sem perder diversidade e autonomias, sempre norteada pela tríade comunhão-participação-missão; edificadora da paz, integradora da cultura digital e da inteligência artificial na salvaguarda da dignidade humana. Uma Igreja adaptada ao novo estilo papal, agora leonino, mas que cumpre o programa de progresso sinodal pela participação mais ativa do laicato, pela luta acirrada contra a vergonha dos abusos sexuais, bastante preocupada com a formação dos futuros presbíteros (e bispos!), aberta aos ministérios femininos; profética na aplicação concreta dos princípios da Doutrina Social, da ecologia integral, e, sobretudo, transparente, para garantir sua credibilidade. Sem esquecer o desafio dialógico de acolhimento das pessoas LGBTQIAPN+, cuja sigla aumenta cada dia mais, integrando novos excluídos e descartados à espera de um julgamento misericordioso da instituição eclesiástica, semelhante àquele ofertado pelo Papa Francisco (quem sou eu para julgar?).
O livro, ricamente elaborado, termina com o resultado de uma breve pesquisa apresentada em anexo sobre as principais preocupações teológicas de docentes, discentes e amigos (da qual participei!), sobre as questões que desafiam o futuro da Igreja e do mundo, que podem ou não vir a ser tratadas no novo pontificado, mas que certamente já se impõem como horizonte de sobrevivência da Igreja e da humanidade em contínuo progresso.
Uma pergunta se impõe a todos, e ela é inevitável: como suceder Francisco sem ser Francisco? A isto, Ney de Souza também questiona: "este será um pontificado surpreendente e de surpresas, atento aos sinais dos tempos para reconhecer o que o 'Espírito diz às Igrejas' (Ap 2,7)?". De fato, não sabemos. A Igreja navega pelas mesmas águas, mas no leme institucional está outro condutor, com novas prioridades e possibilidades. Já há quem diga que será um papa "normal" e de "governo" ou de "gabinete", em distinção ao anterior, que foi verdadeiramente revolucionário (Galeazzi, 2025). Ou de forma mais moderada um papa que instaura a inquietação da continuidade (Spadaro, 2025). De uma forma ou de outra: um outro papa para um outro tempo. Indiscutivelmente: a era Francisco terminou; e já não vemos mais seu rosto na Cátedra de Pedro.
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