13 Mai 2025
O novo Papa enfrenta uma difícil renovação da Cúria, abordando a crise econômica do Vaticano e respondendo à tragédia da pedofilia e, segundo aqueles ao seu redor, ele está disposto a fazê-lo, além de apoiar a defesa dos direitos: sua primeira encíclica pode se concentrar no trabalho, na escravidão e na IA.
A reportagem é de Jesus Bastante, publicada por El Diario, 12-05-2025.
Robert Prevost começa a delinear as principais linhas de seu pontificado. “Plena adesão” aos princípios do Concílio Vaticano II, ao compromisso com a participação, a defesa dos pobres e os direitos dos trabalhadores. Estes foram alguns dos compromissos que Leão XIV procurou obter do Colégio Cardinalício no seu primeiro discurso programático, durante o encontro que manteve com os cardeais no sábado na Sala Paulo VI.
Além das palavras, as ações de Prevost enviam uma mensagem interna clara: ele continuará o caminho de reformas iniciado por seu antecessor. No sábado à noite, ele se aproximou de Santa Maria Maggiore para rezar no túmulo de Francisco, o que alguns interpretam também como uma resposta aos grupos ultraconservadores que, ainda lambendo as feridas da derrota no conclave, começaram a ventilar diferenças entre o atual Papa e seu antecessor, desde a mozeta usada em sua primeira saudação até a decisão, ainda não confirmada, de voltar a morar no Palácio Apostólico em vez de Santa Marta, residência usada por Bergoglio.
Segundo fontes próximas ao pontífice, Leão XIV está disposto a atender à proposta apresentada nas congregações gerais de convocar uma espécie de "conselho de ministros" permanente, do qual participarão cardeais de todo o mundo e especialistas leigos. A ideia é oferecer respostas aos desafios que, como destacou um dos fazedores de reis neste conclave, "devem estar fundamentados na realidade".
"Os pobres são uma realidade, os direitos dos trabalhadores são uma realidade, a situação das mulheres na Igreja é uma realidade. Chega de pensar, como muitos ainda pensam, que devemos levar a salvação ao mundo. Devemos oferecer a mensagem da fé 'no' e 'do' mundo", observa este cardeal, um dos mais próximos do atual pontífice.
Quais são os desafios deste pontificado? Entre as mais urgentes está a questão econômica. As contas da Santa Sé estão no vermelho e, pior, suas entidades estão operando sem coordenação. O papel da mídia vaticana – se este conclave demonstrou alguma coisa, foi o papel da mídia italiana, que tentou influenciar o que considerava a única candidatura possível, a de Pietro Parolin –; e a questão do abuso.
A esta altura, o próprio Leão XIV sofreu, nos dias anteriores à sua eleição, uma furiosa campanha criada por grupos ultraconservadores como o Sodalício, financiados pelos Estados Unidos e convenientemente multiplicados em redes e pseudo-meios de comunicação, especialmente na Itália, América do Sul e até na Espanha, onde o Infovaticana, site fundado por Gabriel Ariza, hoje um dos colaboradores diretos de Santiago Abascal no VOX, desempenhou um papel fundamental. Ariza conseguiu até mesmo se infiltrar no pré-conclave, espalhando imagens das reuniões dos cardeais e publicando um dossiê falso acusando Prevost de encobrir pedofilia na tentativa de destituir o candidato que acabou vencendo a maioria.
A questão da pedofilia é fundamental, e quem acompanhou seu trabalho no Peru garante que Prevost defende colocar as vítimas no centro. Ainda hoje, muitos cardeais exigem que as vítimas se comprometam a perdoar seus agressores, mesmo antes de oferecer respostas da justiça civil e canônica, e sem falar em reparações. Entretanto, Leão XIV, que desempenhou um papel de destaque na dissolução do Sodalício no Peru, tem o desafio de aprofundar o cumprimento da "tolerância zero" que Francisco implementou durante seu pontificado, mas que durante anos as conferências episcopais (e especialmente as nunciaturas) boicotaram.
Paralelamente à questão do Sodalício, o futuro do Opus Dei está no ar, já que a reforma de seus estatutos, que deveria transformá-lo em uma associação eclesial sem status de prelazia pessoal, foi suspensa com a morte do Papa.
Além disso, ele deve enfrentar uma difícil reorganização da Cúria, com uma maior presença de mulheres e leigos em cargos de responsabilidade, algo que tem gerado considerável resistência nos círculos de poder do Vaticano.
Uma das pessoas que melhor conhece Prevost, com quem ele trabalhou diretamente nos últimos anos, é a teóloga argentina Emilce Cuda. A secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina acredita que Leão XIV, embora “um homem de poucas palavras e talvez também inexpressivo”, tem “a virtude de sustentar suas ideias com palavras e atos”. A especialista acredita que Prevost "dará continuidade ao processo empreendido por Francisco, que não se esgota em uma geração", mas, ao mesmo tempo, estará ciente de que "a situação histórica muda, e esse processo deve ser flexível o suficiente para se adaptar a essa mudança histórica".
Em termos de política internacional, o novo Papa se apresenta como uma ponte (pontífice, em latim, significa construtor de pontes) entre diversas culturas. Por um lado, ele é o primeiro Papa norte-americano da história, mas seus anos de trabalho missionário no Peru lhe deram uma perspectiva mais ampla sobre o continente americano e seus conflitos. Sua jornada romana como parte da Cúria lhe deu uma perspectiva europeia, e suas funções como Prefeito da Congregação para os Bispos lhe deram a oportunidade de se aprofundar nos desafios das igrejas orientais e africanas, onde o cristianismo está crescendo mais e onde os problemas são radicalmente diferentes daqueles da velha Europa.
No nível geopolítico, espera-se que a Santa Sé faça esforços ainda maiores para alcançar cessar-fogo em Gaza, Ucrânia e Sudão do Sul. No seu primeiro Regina Caeli na Catedral de São Pedro, neste domingo, Leão XIV falou do cenário “dramático” atual e dirigiu-se “aos grandes do mundo” com estas palavras: “Nunca mais a guerra!”
Também se espera que ele mantenha uma postura beligerante em relação às políticas anti-imigração de Donald Trump. A missa de entronização, marcada para 18 de maio, proporcionará uma oportunidade para um primeiro encontro entre os dois líderes. No passado, Prevost criticou duramente as deportações anunciadas pelo governo dos EUA. "Sua condição de migrante reverso (é um americano que se tornou peruano) lhe dá a força moral para dizer a Donald Trump cara a cara, com firmeza, mas com sua doçura característica, que este não é o caminho cristão", analisa uma pessoa próxima ao Papa.
O verdadeiro desafio para Leão XIV será enfrentar diferentes respostas baseadas em cada realidade, sem ser acusado de tibieza por um lado, como aconteceu com Bergoglio, e por outro, atacado pela extrema direita e seus argumentos de "guerra cultural", nos quais assumem que sua posição é a única que a Igreja pode assumir, especialmente no que diz respeito à moral sexual.
A comitiva do novo Papa espera progressos em relação à realidade dos fiéis LGBTQI+ e ao protagonismo das mulheres na Igreja, embora os avanços doutrinários devam ser vistos dentro do caminho sinodal (de participação e discussão) e em velocidades diferentes.
Assim, o diaconato feminino ou padres casados poderiam ser promovidos em territórios como a Amazônia, enquanto bênçãos para homossexuais continuam sendo uma utopia em grande parte da África, onde gays são perseguidos simplesmente por serem gays.
O que Prevost fará — ou assim acredita seu círculo mais próximo — é defender claramente os direitos de todas as pessoas, em diferentes áreas. Não é à toa que seu nome, Leão XIV, faz referência a Leão XIII, o Papa que "inventou" a doutrina social da Igreja e que começou a falar de direitos trabalhistas e trabalho decente. O próprio Prevost explicou isso em sua mensagem aos cardeais no sábado e, de fato, algumas fontes consultadas pelo elDiario.es sugerem que a primeira encíclica do novo Papa se concentrará no trabalho no mundo de hoje, com foco específico nos novos direitos, na escravidão e no impacto da Inteligência Artificial.
Leão XIV enfrentou um pontificado cheio de desafios e que, em princípio, mostrava uma espécie de continuidade com o de Bergoglio. Prevost não é um "profeta", como Francisco foi descrito, mas ele reivindica seu papel como continuador de uma obra que, seguindo os gestos e intuições do argentino, deve ser trazida à realidade e desenvolvida. E o tempo, também na Igreja, urge.