12 Agosto 2025
"O estado da Nação se apresenta hoje também como um grande palco teológico: com a pretensão do rei-messias, enviado para devolver a terra americana à sua promessa original; e com os juízes que funcionam como katechon, ou seja, como poder que tenta frear uma supremacia executiva que se estende além dos limites da lei", escreve Marcello Neri professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 11-08-2025.
O conclave que elegeu o Papa Leão XIV foi muito mais geopolítico do que seus principais atores admitiam. Além disso, mostrou que, diante de uma ordem mundial em profunda transformação, ou mesmo em desintegração, a Igreja Católica é capaz de tomar decisões a tempo, impulsionada pela urgência do contexto global.
O temido "efeito dispersivo" da estratégia de nomeações cardinalícias de Papa Francisco não se concretizou. Pelo contrário, essa estratégia se mostrou uma oportunidade para unir em torno do novo papa um sentimento que se espalhou por todo o mundo.
Esse sentimento global identificou claramente nos Estados Unidos de Trump um tema decisivo para o próximo pontificado. E o fez escolhendo o caminho que mais permite à Igreja Católica se posicionar, nos próximos anos, como referência para um mundo que corre o risco de cair em um vórtice incontrolável de conflitos sem qualquer governo.
O conclave se deparou com duas possíveis abordagens para o "caso Trump". A primeira, defendida pelo Cardeal Dolan, arcebispo de Nova York e representante daquele grupo católico americano mais abertamente em conflito com a Igreja de Papa Francisco, sugeria que os cardeais eleitores considerassem a administração Trump uma questão puramente americana — a ser deixada, portanto, a cargo da Conferência Episcopal Americana e do desejo de sua maioria de retornar a uma Igreja Católica pré-Francisco. Para esse grupo de cardeais, o candidato ideal era o arcebispo de Budapeste, Cardeal Péter Erdő.
A segunda abordagem encontrou no Cardeal Tobin, arcebispo de Newark, seu ponto de referência — auxiliado por aqueles cardeais americanos mais em sintonia com o papado de Francisco: Cupich de Chicago e McElroy de Washington, em particular.
Nessa visão, a perspectiva eclesial e geopolítica era completamente invertida: os Estados Unidos de Trump são um assunto direto da Santa Sé, porque não podem ser simplesmente rotulados como uma questão americana. Na desordem mundial organizada pela atual administração americana, o mandato confiado ao futuro papa, segundo essa opção, era o de iniciar uma profunda renovação da doutrina social da Igreja — que permitiria sua eficácia global em uma modernidade já terminada, ou seja, além daquele quadro de referência que a caracterizou desde o seu surgimento até hoje.
Quando Papa Francisco, em 8 de julho de 2013, foi repentinamente à ilha de Lampedusa, fazendo dos migrantes e refugiados o indicador do verdadeiro desafio social ao qual o mundo (e a Igreja Católica) deveria responder com uma justiça mais forte do que qualquer economia e interesses particulares, ele havia posto em prática a abertura dessa nova doutrina social da Igreja Católica — que ainda precisa ser pensada, escrita e implementada em práticas globais eficazes e evangélicas.
Diante desses dois imaginários geopolíticos e eclesiais, os cardeais eleitores rapidamente optaram pela segunda opção: aquela que faz da Santa Sé o interlocutor eclesial dos Estados Unidos de Trump, por um lado, e que transfere o peso do investimento público da Igreja Católica de questões de moral individual para a justiça social em nível global, por outro.
A figura do Cardeal Prevost deve ter parecido a essa maioria cardinalícia no conclave um ponto de síntese quase natural. Na dialética com os bispos americanos mais próximos de Trump do que da Igreja de Francisco, era necessário identificar um papa que falasse (literalmente) a língua deles, mas que não fosse assimilável ao sistema eclesial americano que se mostrou teimosamente hostil não apenas em relação ao Papa Francisco, mas também à Santa Sé e aos seus órgãos institucionais.
Prevost garantia, e ainda garante, uma distância tripla do novo americanismo católico — apresentando-se como uma garantia também para os territórios mais distantes e marginais da fé católica no mundo: religioso, bispo no Peru, oficial da Santa Sé.
Sua eleição ao sólio pontifício também mostra que a tolerância do catolicismo global em relação a um episcopado americano alinhado com a adesão ao modelo trumpiano de uso da religião e em constante conflito com a Santa Sé chegou ao seu limite.
O espanto ao ver pela primeira vez um cidadão americano ascender à cadeira de Pedro foi sincero no seio da Nação — e isso constitui um crédito que Prevost deverá gerenciar com cuidado e sabedoria, empregando-o na direção inscrita no mandato recebido do conclave e esculpida no nome com o qual escolheu levar adiante o ministério petrino em favor da Igreja Católica em sua universalidade.
Desde as primeiras intervenções, Papa Leão XIV se fez ouvir pela Igreja e pelos bispos dos Estados Unidos, dirigindo-se aos fiéis e às pessoas de todo o mundo. Fez isso falando a língua deles, com alusões que não podem ser mal interpretadas ou descartadas por aqueles que, na Igreja americana, veem em Trump o caminho para um novo privilégio, permitindo-lhes realizar um modelo de Igreja Católica dos fortes em detrimento dos frágeis e daqueles que vivem à margem da sociedade global e da própria instituição eclesial.
A indicação de que a justiça social vem em primeiro lugar, e não pode ser negociada em troca de medidas superficiais em matéria de moral individual ou de benefícios para os interesses da Igreja americana, foi clara. A Igreja americana foi imediatamente posta à prova pela "Big Beautiful Bill" da administração Trump.
Enquanto a Conferência Episcopal tentou fazer uma crítica condescendente, aprovando os cortes de financiamento para as associações pró-escolha e as contribuições federais para escolas privadas, por um lado, e criticando em detalhes as consequências da lei no âmbito da segurança social, por outro, alguns bispos católicos (incluindo Cupich e McElroy) assinaram uma declaração ecumênica das Igrejas americanas na qual toda a lei de orçamento é estigmatizada por seu caráter elitista em detrimento da população mais fraca e frágil da Nação — incluindo imigrantes.
Diante da clareza das indicações de Papa Leão XIV, os espaços se estreitam para aquela parte do catolicismo americano que quer se colocar como representante da ortodoxia católica e, ao mesmo tempo, condescender em grande parte com o projeto trumpiano. Os espaços também se estreitam porque essa fatia do mundo católico americano, neste momento, não pode emergir como uma força de oposição a um papa filho da Nação americana — e da qual ela se orgulha.
Nem Prevost nem os cardeais americanos que intermediaram sua eleição pretendem colocar no banco de reservas aquele catolicismo que se sente alinhado com as políticas de Trump; exatamente porque sua nomeação visa também a uma recomposição das tensões católicas nos Estados Unidos e em outros lugares. No entanto, muda a direção da mediação entre as diferentes almas católicas e quais delas são chamadas a justificar as posições tomadas no debate público e nas escolhas políticas.
Acima de tudo, porém, muda o critério que preside o posicionamento da Igreja Católica no contexto global contemporâneo: o da justiça social, que exige um esforço coletivo para a realização efetiva de procedimentos de pacificação dos muitos e dramáticos cenários de guerra — onde realismo diplomático e profecia da fé devem aprender a se combinar e não a se opor.
Leão XIV pareceu aos cardeais eleitores o sujeito mais adequado para iniciar essa mediação entre as muitas almas do catolicismo global — o que tem repercussões não marginais na eficácia da diplomacia da Santa Sé. Diante disso, Prevost, pressionado pelas expectativas de ser ou um clone de Francisco ou um replicante de Ratzinger, escolheu um duplo registro.
Uma estética de apresentação de si que fosse de alguma forma tranquilizadora para todos aqueles que se sentiram desconfortáveis com o estilo de Papa Francisco no exercício do ministério petrino; e um discurso eclesial que recupera todos os conteúdos-chave desse estilo do predecessor. Por mais salomônica que essa decisão possa ser considerada, é provável que Prevost não tivesse tantas margens de escolha.
O fato é que, em uma sociedade global da imagem, a estética do modo de aparecer pode facilmente se sobrepor aos conteúdos que o novo papa quer colocar em prática como marca de seu governo na Igreja Católica. Tanto mais se o tom tranquilizador de sua apresentação, ou seja, sua imagem pública, for assumido como chave de leitura de seu pontificado pelos media globais.
Encontrar o equilíbrio certo entre esse duplo registro, ao qual Prevost se viu em parte forçado, representa um desafio importante para este seu início de pontificado. O risco é que o novo papa americano acabe perdendo aquele "povo dos muitos" que Francisco foi capaz de convocar como parte integrante do povo de Deus da Igreja Católica. Homens e mulheres que, graças a Papa Francisco, sentiram e viveram uma proximidade inesperada com a missão de uma Igreja que sai de suas seguranças e de seus hábitos de povo eleito.
Leão XIV precisará dessas pessoas ao longo de seu pontificado: são aliados importantes que não podem ser facilmente descartados. Em relação a elas, nos Estados Unidos e em outros lugares, o Papa Leão deve conquistar seu crédito através de gestos concretos; porque os discursos refinados, que o colocam em uma linha de continuidade com a idealidade global proposta por seu predecessor, não são suficientes.
Não se trata de repetir o que Francisco fez, mas de encontrar práticas do ministério petrino que atestem a esse "povo dos muitos" aquela surpreendente proximidade com a e da Igreja de que Francisco foi capaz.
Em tempos em que parecem reinar a desordem global e uma profunda crise constitucional nos Estados Unidos, Leão XIV precisa convocar para si e para a Igreja Católica as melhores forças do espírito humano — onde quer que estejam e queiram estar.
Para o seu segundo governo, Donald Trump se apresentou como o grande resolvedor das guerras em curso (Ucrânia e Gaza) e da crise de identidade dos Estados Unidos. Seis meses depois, sua presidência — nessas frentes — parece ter ficado atolada. A confusão internacional que suas decisões e contra-decisões criaram acabou por acelerar o fim de uma era do Ocidente que há muito tempo estava em declínio sem querer terminar.
O preço pago por esse realinhamento é certamente alto, talvez alto demais para ser suportado por equilíbrios internacionais cada vez mais voláteis. A incapacidade das grandes instituições multilaterais, da ONU à União Europeia, de acompanhar esses "novos tempos" abre espaço para um protagonismo geopolítico da diplomacia vaticana. Além disso, a falta de confiabilidade demonstrada pelos líderes políticos, unida à falta de uma estratégia americana clara em relação ao continente asiático, poderia permitir ao Papa Leão XIV desempenhar um papel de destaque na construção de uma nova ordem mundial.
O tempo disponível para a Igreja Católica, hoje liderada por um cidadão americano, para aproveitar essa oportunidade, que é ao mesmo tempo geopolítica e de cuidado evangélico por um mundo sedento de justiça e equidade, é certamente curto. Uma oportunidade que não pode ser aproveitada indo contra o atual governo dos Estados Unidos, mas através de uma relação dialética com ela que seja ao mesmo tempo construtiva e crítica.
Nessa perspectiva, o primeiro papa americano representa uma chance e uma oportunidade também para uma Nação que não consegue parar de ser hegemônica, mesmo que queira. O catolicismo americano que se reconhece, queira ou não, no caminho eclesial que levou Robert Prevost à cadeira de Pedro é chamado neste momento a responder à urgência civil da fé para colocar a mão em um "new deal global" — da política à economia, do cuidado com a criação à educação, da formação das consciências à liberdade religiosa e de expressão. Também em casa.
Houve um tempo em que a Santa Sé olhava com suspeita para o americanismo dos católicos americanos — ou seja, para a sua familiaridade, justamente como crentes, com as práticas democráticas de convivência civil e negociação política. Com o Papa Francisco, por um lado, e com a atração do episcopado americano pelas políticas de Trump, por outro, as posições se inverteram.
Hoje, é a Santa Sé que vê não simplesmente na democracia em si, mas no estado constitucional algo mais do que um simples instrumento para organizar a negociação política entre alguns privilegiados. Diante desse fato, a tarefa do catolicismo americano se torna hoje paradoxalmente mais árdua: porque, para se apoiar na convicção democrática da Santa Sé, eles são chamados à invenção de uma nova temporada constitucional que redesenhe os arranjos de poder no governo da Nação.
A possibilidade de uma supremacia do poder executivo nos Estados Unidos tem raízes tanto na história passada quanto na recente. A proteção de imunidade que a Suprema Corte garantiu a Trump (investigado), na fase final do governo Biden, muito provavelmente quebrou equilíbrios institucionais e constitucionais que hoje permitem a Trump (presidente) um uso arbitrário do poder executivo — driblando um sistema de "check and balance" (pesos e contrapesos) que pressupunha, porém, a disponibilidade a uma ascese política por parte desse poder executivo.
O próprio poder judiciário americano se dividiu em dois: com a Suprema Corte, por um lado, que tende a preservar o expansionismo de Trump no uso do poder executivo; e com os juízes federais, por outro, que, pelo meio ordinário das sentenças, tentam manter esse poder dentro do perímetro de um estado de direito efetivo.
O estado da Nação se apresenta hoje também como um grande palco teológico: com a pretensão do rei-messias, enviado para devolver a terra americana à sua promessa original; e com os juízes que funcionam como katechon, ou seja, como poder que tenta frear uma supremacia executiva que se estende além dos limites da lei.
Uma situação, esta, que não pode ser sustentada por muito tempo; diante da qual o catolicismo americano é chamado a investir a melhor inteligência civil do Evangelho e todas as competências que tem à disposição — para evitar a implosão daquele experimento americano que estruturou e deu ordem ao mundo nos últimos cem anos.