13 Mai 2025
"Hoje, um Papa agostiniano sucede a um Papa jesuíta. A Cidade de Deus, que Santo Agostinho escreveu em um mundo devastado pela queda do Império Romano, oferece uma interpretação mais complexa e dialética da modernidade e do secularismo. Santo Agostinho é a figura-chave da teologia contemporânea, particularmente do catolicismo anglo-americano. A escolha de um Papa agostiniano representa, portanto, uma forte mensagem política para os Estados Unidos hoje, onde o nacional-populismo, alimentado pelo fundamentalismo católico, substituiu o protestantismo nos círculos de poder", escreve Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, em artigo publicado por Le Monde, 10-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O novo Papa se insere na tradição do catolicismo social, o oposto da interpretação da Casa Branca e do vice-presidente J. D. Vance, que estão brincando com o fogo do fundamentalismo e do iliberalismo.
Do jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, "Papa do fim do mundo", ao novo Papa agostiniano Leão XIV, "made in USA", o papado está se movendo para o norte e se tornando pan-americano.
Hoje, as Igrejas Católicas da África e da Ásia têm um lugar mais importante do que nunca na mesa do catolicismo mundial, mas o papado continua sendo um assunto transatlântico. Os Estados Unidos podem não ser mais a superpotência global que eram no século XX, mas continuam sendo uma superpotência católica, e não apenas do ponto de vista financeiro. O mundo católico anglo-americano parecia marginalizado pelo pontificado do Papa Francisco. O fato é que ele deu à luz o primeiro Papa dos Estados Unidos. Leão XIV terá que se confrontar com um catolicismo EUA diferente daquele da Chicago onde nasceu, que não existe mais nem sociologicamente nem politicamente. Ele não se verá diante do catolicismo dos Kennedy e nem de Joe Biden, mas sim daquele de Donald Trump e de seu vice-presidente, J. D. Vance, que agora chegou à Casa Branca.
Hoje, um Papa agostiniano sucede a um Papa jesuíta. A Cidade de Deus, que Santo Agostinho escreveu em um mundo devastado pela queda do Império Romano, oferece uma interpretação mais complexa e dialética da modernidade e do secularismo. Santo Agostinho é a figura-chave da teologia contemporânea, particularmente do catolicismo anglo-americano. A escolha de um Papa agostiniano representa, portanto, uma forte mensagem política para os Estados Unidos hoje, onde o nacional-populismo, alimentado pelo fundamentalismo católico, substituiu o protestantismo nos círculos de poder.
Apenas há poucas semanas, em 3 de fevereiro, o futuro Leão XIV havia criticado abertamente o vice-presidente J. D. Vance, que havia proposto uma leitura reducionista e discriminatória da ordo amoris de São Tomás de Aquino para justificar a exclusão daqueles que não fazem parte da comunidade familiar, local e nacional: "J. D. Vance equivoca-se: Jesus não nos pede para estabelecer uma hierarquia entre as pessoas a quem demonstramos nosso amor", escrevia o então Cardeal Prevost nas redes sociais. Do ponto de vista religioso, sua interpretação, que é exatamente o oposto daquela da Casa Branca, não se insere apenas na tradição do catolicismo social, mas também naquela de Santo Agostinho.
Ao eleger Robert Francis Prevost, o conclave decidiu responder à crise dos Estados Unidos: uma crise política, religiosa e teológica. Escolheu esse Papa para dar a Donald Trump não uma resposta frontal, mas sutil. De fato, será difícil para os católicos tradicionalistas trumpianos acusar Robert Francis Prevost de progressismo radical ou antiamericanismo – mesmo que alguns já estejam tentando. E os progressistas estadunidenses desta vez não poderão rejeitar esse Papa sob a alegação de que é um tradicionalista. Para todos os católicos nos Estados Unidos, o novo Papa é um filho do país, um filho destes Estados Unidos que o conclave está, em certo sentido, tornando grandes novamente – num sentido muito diferente daquele que Donald Trump e J. D. Vance pretendem.
Parece distante da época em que esses mesmos bispos conservadores se opunham fortemente à presidência de Barack Obama e sua reforma do sistema de saúde aprovada em 2010. Agora, diante de Donald Trump, nada restou de sua feroz oposição. Alguns bispos ou grupos de bispos estão levantando suas vozes e tomando medidas legais, mas é preciso constatar que, por enquanto, as políticas do presidente estadunidense não estão desencadeando uma mobilização católica nacional.
Do ponto de vista religioso, a principal novidade é a ascensão ao poder, em particular com o vice-presidente J. D. Vance, de um novo tipo de catolicismo: uma forma de neotradicionalismo apoiada pelos poderosos do Vale do Silício. Um neotradicionalismo que se serve da fé para travar suas batalhas na vida pública e política e que, com o Papa Francisco, não hesitou em dar um passo à frente no embate teológico com o Vaticano. Um neotradicionalismo que extrai sua força de uma franja marginal, mas militante, revanchista e quase cismática do catolicismo estadunidense.
A eleição de Robert Francis Prevost não porá fim ao projeto teológico e político do neotradicionalismo católico estadunidense, que continuará a longa marcha iniciada há duas décadas. Mas tornará sua vida muito mais difícil.