25 Julho 2025
O jesuíta, próximo a Bergoglio por doze anos, identifica uma chave de leitura da transição na condição espiritual própria de uma Igreja que não se conforma. E aborda com vigor os desafios da geopolítica, das reformas internas e da inteligência artificial.
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista Avvenire, publicado por Avvenire, 23-07-2025.
Um caminho pessoal e coletivo. Com duas obras inéditas.
Apresentamos a introdução do livro do jesuíta Antonio Spadaro, Da Francesco a Leone (EDB, 136 páginas, € 14,50, nas livrarias a partir de 31 de julho). O volume é enriquecido por dois textos inéditos: um texto do Papa Francisco sobre Santo Agostinho e uma longa entrevista na qual o então Cardeal Prevost relata sua visão eclesial e sua relação com Francisco. Muito mais do que uma crônica dos últimos dias de Jorge Mario Bergoglio e dos primeiros passos do novo Papa, o livro é uma viagem espiritual, pessoal e coletiva dentro de um tempo de passagem. Leão XIV, um Papa vindo dos Andes e marcado profundamente pela espiritualidade agostiniana, apresenta-se desde o início com um estilo sóbrio e desarmante. O livro aborda os grandes desafios que ele terá que enfrentar. Um deles é o da inteligência artificial. "Ela deverá proteger o humano na era dos algoritmos. A teologia também é chamada a se tornar ciberteologia, capaz de questionar o sentido da vida em uma época dominada pelos dados", escreve Spadaro, que é subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano. Diretor de "La Civiltà Cattolica" de 2011 a 2023, foi o primeiro a entrevistar Francisco em 2013.
Livro "Da Francesco a Leone" de Antonio Spadaro
Este livro é, em primeiro lugar, o diário de uma experiência pessoal. Não era inicialmente. Não nasceu como tal. Mas se tornou. As páginas deste livro foram escritas ao longo de dias extraordinários, aqueles do desaparecimento do Papa Francisco, do seu funeral, da espera que antecedeu o Conclave e, finalmente, da eleição de Leão XIV. Trata-se, portanto, de contribuições escritas "no calor do momento", publicadas em jornais, revistas e canais digitais. Foram escritas em momentos de profunda emoção pessoal e coletiva, e de grande intensidade espiritual. Agora, reunidas e relidas com o distanciamento de algumas semanas, revelam-se como fragmentos de uma narrativa unitária.
Constituem seu diário íntimo e reflexivo, escrito a partir da perspectiva de alguém que viveu aqueles dias não apenas como observador, mas de dentro, com todo o envolvimento que advém da proximidade pessoal e espiritual com o falecido pontífice e com o sucessor recém-eleito. Após receber a mensagem comunicando-me da mtomar a palavra ou não. Senti que precisava fazer isso. Eu devia isso a um pontífice que segui com grande intensidade por doze anos, acompanhando-o em suas viagens apostólicas em mais de sessenta países do mundo, participando de seis assembleias sinodais e comentando suas palavras e ações em "La Civiltà Cattolica" como diretor, enquanto me foi permitido por meus superiores da Companhia de Jesus, a começar pela primeira entrevista que realizei com ele em agosto de 2013.
Para mim, escrever foi uma maneira de processar, passo a passo, a despedida de um Papa que conheci, frequentei e com quem compartilhei reflexões e projetos. E, ao mesmo tempo, uma maneira de acolher o novo, de abrir o olhar para Leão XIV, de discernir os sinais de continuidade e de novidade que já se percebiam em seus primeiros gestos, nas primeiras palavras, nos primeiros silêncios. Aquele que escreve, naqueles dias, nunca o faz de uma distância neutra. Escreve-se enquanto o coração está abalado, a mente é atravessada por mil perguntas e a alma busca ler os sinais dos tempos à luz do Espírito.
Este livro, portanto, reúne não apenas uma crônica reflexiva de passagens importantes, mas também um testemunho: de um olhar, de um caminho, de uma interioridade que escuta. Quando o bastão passou de Ratzinger para Bergoglio, escrevi um livro instantâneo para a Lindau intitulado De Bento a Francisco. Hoje, aqui está De Francisco a Leão, encomendado pela EDB. Este livro nasceu de uma necessidade interior de compreender e acompanhar uma passagem eclesial que se apresentava não apenas como uma mudança de pontificado, mas como um verdadeiro limiar entre épocas. Mesmo a emoção serena que emerge pode ter valor para o entendimento e a interpretação, para além das análises que o tempo e a história nos concederão. Uma transição delicada, profundamente marcada por uma palavra que para mim se tornou uma chave para sua interpretação: inquietação. Francisco a recomendou com veemência em mais de uma ocasião — especialmente aos agostinianos — como uma autêntica dimensão espiritual, uma fonte de discernimento. E é precisamente com essa palavra que Leão XIV iniciou seu ministério petrino.
A inquietude é o fio condutor que percorre todo este livro. É a condição espiritual própria de uma Igreja que não se contenta, que não se fecha, que não se encolhe, mas permanece na escuta da história, mesmo quando ela se torna difícil. Os capítulos que seguem, portanto, acompanham o leitor em uma trajetória. A primeira contribuição concentra-se no legado de Francisco, entendido não como um bloco doutrinário ou um programa político, mas como um impulso espiritual, um estilo de governo animado pelo discernimento e não por planos pré-prontos. Em seguida, amplio o olhar para três pilares que estruturaram o pontificado de Francisco: a misericórdia, como rosto concreto do Evangelho; o discernimento, como método; e a fraternidade, como horizonte.
A terceira contribuição, "Reforma eclesial", aprofunda-se mais diretamente na arquitetura institucional: sinodalidade, envolvimento dos leigos, valorização das mulheres, combate ao clericalismo e ao "retrocedismo". São temas complexos, mas atravessados por uma visão profunda: a reforma da Igreja é conversão, não apenas reorganização. É espiritual, não técnica. É eclesiologia vivida.
O quarto e o quinto capítulos — "A visão social e geopolítica" e "Da história como produto à história como processo" — ajudam a situar Francisco no contexto global. Aqui, percebemos a força profética de sua visão: um Papa capaz de falar à Igreja, mas também ao mundo, ciente de que o Evangelho se dirige não apenas aos "fiéis", mas a toda a humanidade. O princípio de que "o tempo é superior ao espaço" torna-se a chave de leitura de uma geopolítica espiritual que rejeita atalhos identitários e abraça uma lógica de processo, maturação e acompanhamento.
O sexto capítulo se aventura no discernimento de temas-chave do Conclave. Intitulado "O verdadeiro desafio não é a unidade, mas a diversidade", aborda uma das tensões mais fortes vividas pela Igreja hoje: a diversidade interna. Diferenças de cultura, sensibilidades teológicas e práticas pastorais.
Francisco soube enfrentar com sucesso essas tensões sem as anestesiar, convencido de que a unidade eclesial não é uma ideologia, mas uma comunhão espiritual construída ao longo do tempo, encarando os conflitos e não os evitando. É um passo crucial para compreender a visão católica da Igreja como povo plural, não como um partido compacto.
Os capítulos sétimo e oitavo — "O declínio do 'regime de cristandade'" e "Aquele fio entre inteligência humana e fronteira digital" — são aqueles que pretendem ter uma projeção sobre o futuro. Francisco decretou o fim da cristandade como regime cultural e político. Ele o fez devolvendo à Igreja à sua vocação evangélica, que é serviço, não poder. Ao mesmo tempo, ele lançou um olhar sobre o futuro marcado pela inteligência artificial, não para fugir para o passado, mas para ajudar a Igreja a pensar o ser humano dentro de um novo ecossistema. Em 7 de maio, defini a inteligência artificial justamente como o desafio qualificador do novo pontífice. E no dia seguinte, ocorreu sua eleição, com a escolha do nome que confirma esse desafio.
Com os capítulos nono e décimo, entramos no tempo novo: "Leão olha para longe" e "As palavras para uma Igreja espiritual longe do poder" marcam a transição para o pontificado de Leão XIV. É o momento em que o legado é transmitido. Aqui começa uma nova voz que afundas as raízes em Agostinho, como Francisco as havia afundado em Inácio.
Seguem-se quatro capítulos que oferecem uma visão mais ampla e profunda do pontificado de Leão, assim como o entendemos até o fechamento do livro. No primeiro capítulo, "A passagem do bastão", quis explorar a continuidade espiritual entre Francisco e Leão XIV, centrada em uma palavra-chave: inquietude. É o fio condutor que une os dois pontificados, uma tensão evangélica que nunca se satisfaz e nos convida a caminhar.
O segundo capítulo, "Francisco e Leão XIV: as duas inquietudes", desenvolve esse tema, mostrando como a unidade da Igreja nunca é homogeneização, mas sim sinodalidade vivida, escuta das diferenças e busca compartilhada. Por fim, "A inquietação geopolítica de Leão" propõe um vislumbre sobre a vocação internacional do novo Papa, que retoma e revitaliza o legado diplomático de Francisco: não uma política de poder, mas um testemunho de paz, proximidade e responsabilidade global.
Mesmo no plano geopolítico, a inquietude se revela um recurso espiritual e um critério de discernimento. Concluindo o volume, o capítulo "O desafio do pós-liberalismo" aborda uma questão crucial do nosso tempo: como a Igreja pode responder à crise do liberalismo sem cair na tentação de um retorno à ordem autoritária. A resposta do pontífice é clara: a fé autêntica nasce da liberdade, não da imposição. Diante daqueles que propõem um cristianismo identitário e funcional ao poder, o Papa relança a imagem de uma Igreja extrovertida, que não pretende ser dona da verdade, mas a testemunha com criatividade evangélica. O leitor encontrará no apêndice dois preciosos textos de Bergoglio — um prefácio e uma homilia — sobre Santo Agostinho, e a transcrição de uma conversa espontânea que o então Cardeal Prevost teve em uma paróquia agostiniana em Illinois, na qual expressa de forma simples e direta seu pensamento sobre Francisco, e muito mais.
Minha principal preocupação foi evitar me deixar levar pelas polarizações que proliferaram na rede e que retrataram Leão XIV ora como o restaurador da "verdadeira" tradição ora um clone de seu antecessor. Procurei prestar muita atenção às suas primeiras palavras, às prioridades que emergiam e a uma visão da Igreja que lentamente começou a se delinear.
As duas últimas contribuições retomam o fio condutor inicial e o concluem. Inquietude é a palavra que liga os dois pontificados. Francisco nos deixou o fogo, não as cinzas. Leão XIV o acolhe com mãos mansas, mas firmes. É a fé como caminho, como busca, como disposição para se deixar ferir pela realidade. Uma Igreja inquieta é uma Igreja viva.