• Início
  • Sobre o IHU
    • Gênese, missão e rotas
    • Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros
    • Rede SJ-Cias
      • CCIAS
      • CEPAT
  • Programas
    • Observasinos
    • Teologia Pública
    • IHU Fronteiras
    • Repensando a Economia
    • Sociedade Sustentável
  • Notícias
    • Mais notícias
    • Entrevistas
    • Páginas especiais
    • Jornalismo Experimental
    • IHUCAST
  • Publicações
    • Mais publicações
    • Revista IHU On-Line
  • Eventos
  • Espiritualidade
    • Comentário do Evangelho
    • Ministério da palavra na voz das Mulheres
    • Orações Inter-Religiosas Ilustradas
    • Martirológio Latino-Americano
    • Sínodo Pan-Amazônico
    • Mulheres na Igreja
  • Contato
close
search
  • Início
  • Sobre o IHU
    • Gênese, missão e rotas
    • Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros
    • Rede SJ-Cias
      • CCIAS
      • CEPAT
  • Programas
    • Observasinos
    • Teologia Pública
    • IHU Fronteiras
    • Repensando a Economia
    • Sociedade Sustentável
  • Notícias
    • Mais notícias
    • Entrevistas
    • Páginas especiais
    • Jornalismo Experimental
    • IHUCAST
  • Publicações
    • Mais publicações
    • Revista IHU On-Line
  • Eventos
  • Espiritualidade
    • Comentário do Evangelho
    • Ministério da palavra na voz das Mulheres
    • Orações Inter-Religiosas Ilustradas
    • Martirológio Latino-Americano
    • Sínodo Pan-Amazônico
    • Mulheres na Igreja
  • Contato
search

##TWEET

Tweet

“A revolução começa quando mudamos de desejo”. Entrevista com Juan Evaristo Valls Boix

Mais Lidos

  • Ser aprendiz na escola de oração de Jesus. Comentário de Adroaldo Palaoro

    LER MAIS
  • “A revolução começa quando mudamos de desejo”. Entrevista com Juan Evaristo Valls Boix

    LER MAIS
  • Leão XIV e a ilusão conservadora: o fim de um espelho?

    LER MAIS

Vídeos IHU

  • play_circle_outline

    Maria Madalena e o nome de quem Ele conhece

close

FECHAR

Revista ihu on-line

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

A extrema-direita e os novos autoritarismos: ameaças à democracia liberal

Edição: 554

Leia mais

Arte. A urgente tarefa de pensar o mundo com as mãos

Edição: 553

Leia mais
Image

COMPARTILHAR

  • Twitter

  • LINKEDIN

  • WHATSAPP

  • IMPRIMIR PDF

  • COMPARTILHAR

close CANCELAR

share

25 Julho 2025

Em tempos em que estar esgotado é quase um motivo para ganhar uma medalha e que ter uma vida à margem do trabalho parece um ato subversivo, falar de preguiça soa, no mínimo, como heresia. E se justamente aí, na suspeitosa figura de quem para, estivesse a semente de outra ideia de vida boa?

A entrevista é de María Martínez Collado, publicada por Público, 30-06-2025. A tradução é do Cepat.

Em El derecho a las cosas bellas (Ariel), o filósofo Juan Evaristo Valls Boix ensaia uma reivindicação da preguiça como forma de afeto dissidente e um modo de habitar o mundo que nos permitiria contemplá-lo a partir da lentidão e, sobretudo, do cuidado.

O texto propõe uma aproximação à ideia de preguiça ativa e nos convida a refletir sobre até que ponto a procrastinação ou o “não fazer nada” podem supor - sob extenuantes condições neoliberais - uma pequena fissura para nos libertar de tanto coaching e narcisismo absurdos.

O autor pensa em voz alta sobre a necessidade de se recriar no inútil, entediante e improdutivo, ao menos por um tempo. Menciona-se o direito a descansar, a dizer “não” ou a rejeitar um plano sem se sentir culpado. E são lembrados os laços não produtivos que sustentam o direito à preguiça, aqueles que até o momento podem desfrutá-la e à custa de quem.

Uma conversa, em suma, que incentiva, como diria Paul Lafargue, a ser “preguiçosos em todas as coisas, exceto em amar e beber, exceto em ser preguiçosos”.

Eis a entrevista.

No índice e na seleção de epígrafes que estruturam ‘El derecho a las cosas bellas’ são apresentados alguns dos focos mais candentes do nosso presente: o direito à preguiça (em um momento em que se discute a redução da jornada de trabalho), o direito à greve (questionado por normativas como a lei da mordaça), o direito à aposentadoria (quando cada vez mais é postergada), o direito à cidade (diante do avanço incessante da gentrificação e do problema do acesso à moradia) e, inclusive, os direitos da literatura (com a abordagem das condições materiais, institucionais e afetivas necessárias para escrever, imaginar, criar). Este livro não contém, de fato, um programa político? Se sim, em que consistiria essa proposta folgada ou preguiçosa? E quão longe estamos de poder alcançá-la?

A ideia do livro, efetivamente, é pensar a preguiça a partir do conceito de direito, que é um conceito muito forte. Tem justamente a vocação de articular uma política social na qual a preguiça para todos seja materialmente viável. Hoje, quando pensamos no descanso, todas as referências e formas que temos para articular esses desejos estão cooptadas por diferentes nichos de mercado capitalista. Ou seja, existe toda uma indústria do turismo ou dos cruzeiros para as férias, toda uma indústria para o descanso, seja farmacológica, seja de smartwatches, seja de wellness... Vivemos em um sistema onde não podemos parar, onde a forma como somos alienados se dá porque não podemos parar de produzir, mas, sobretudo, de desejar, sonhar e aspirar a algo.

Nesse sistema, onde o descanso e a preguiça são justamente um bem ao alcance de poucos, parece-me que a vida boa passa por parar. Se há uma coisa que um modo de vida capitalista não suporta é a perda, porque vive apenas segundo o lucro e o benefício.

Em relação à segunda parte da sua pergunta, são muitos os diagnósticos - e muito acertados - que destacam o quão longe estamos disso. Ou seja, destacam que nosso desejo é um desejo capitalista, organizado segundo o crescimento e a acumulação de lucro. Nossos ideais de boa vida estão perfeitamente alinhados com o sistema. Durante muitos anos, aprendemos a viver e a desejar como uma empresa. Ou seja, de acordo com uma lógica capitalista que tem a ver com crescer e se excitar.

No entanto, parece-me que, na última etapa política, há pelo menos dois acontecimentos importantes que geram algo como uma falha, uma fissura nessa forma de afirmar uma vida boa ou de ter um imaginário de como gostaríamos de viver. A mais antiga tem a ver com a crise de 2008, que pode ser entendida como a geração da precariedade, com toda uma série de ativismos ligados ao movimento 15M, que tem a ver com a denúncia de que não podemos trabalhar assim, que essas condições de vida não valem a pena.

Há outro momento nessa espécie de revolução social ligado ao que ocorre logo após a pandemia e as políticas de confinamento. Foi quando o nível de mal-estar, a vida de merda em que nos encontramos, rompeu com essa fantasia de uma vida boa que a contínua autossuperação e o entusiasmo traziam. Penso que, desde então, há uma mudança de sensibilidade.

Convém ter presente que a revolução não começa quando nossas demandas são satisfeitas, porque nossas demandas são capitalistas. Começa quando mudamos nossas demandas. Ou seja, quando mudamos de desejo. Como na revolução, que é sempre primeiro uma revolução do desejo. Parece-me que há algo desta revolução que já aconteceu, que está acontecendo. Penso que isso não tem nada de abstrato, mas que se materializa justamente nos ativismos que você aponta. Os ativismos contra a aposentadoria postergada, contra o turismo da gentrificação, a favor da moradia digna, as críticas porque a lei da mordaça segue sem ser revogada... Com essa mudança de sensibilidade, paramos de acreditar que o trabalho é o lugar por excelência onde nos realizaremos e alcançaremos uma vida boa. Isso me dá um pouco de esperança e, sobretudo, me faz ver que há um processo social de mudança que já está acontecendo.

O que significa, exatamente, o direito à preguiça? O que tem a ver ou não com o “vaguear”? Que poder transformador e emancipatório há nisso?

Todos e todas, de uma forma ou de outra, somos muito preguiçosos. Temos esse desejo. Mas é um desejo que contemos constantemente, que reprimimos, e pelo qual também nos sentimos culpados. E isso já nos diz algo. Não apenas no trabalho, mas também no plano afetivo. Vivemos acumulando capital social ou erótico: queremos aumentar nossos contatos, melhorar nosso networking, cuidar da nossa imagem na academia, nas redes sociais... Estamos sempre investindo em nós mesmos. Esse desejo de parar atravessa a nós todos porque estamos esgotados, mas ainda assim o reprimimos. E isso me parece importante porque falar de preguiça é falar a partir do corpo.

Quando começamos a escutar nosso corpo, quando conversamos com amigos sobre como somos, sobre como é a nossa realidade material, percebemos que nossas vidas são bastante miseráveis. Isso já foi dito pela primeira pessoa que pensou filosoficamente sobre a preguiça: o escritor e ativista franco-cubano Paul Lafargue. Quando pensamos a partir do corpo, entendemos que esse ritmo frenético de vida imposto pelo sistema está nos deixando esgotados, devastados. Há uma série de mal-estares (da insônia ao burnout, passando por somatizações como a queda de cabelo, inflamações na pele, dores nas costas e contraturas musculares) que são, na realidade, a marca de um mundo centrado na eficiência que atravessa nossos corpos.

O fundamental é entender que todos os mal-estares não são individuais. Não são sintomas privados. São o sinal de que há estruturas que estão nos prejudicando coletivamente. Quando entendemos isso, pensamos: deve haver outra maneira de vivermos em comum. Uma vida que não transforme nossos corpos em trapos.

Em O direito à preguiça (1880), Lafargue já explicava isso. Comparava os cavalos de tração, esgotados e cheios de feridas, com os cavalos do campo, que viviam soltos, alegres, exuberantes. Uma imagem talvez um pouco comum, mas poderosa. Queria ressaltar que se esse sistema funciona à custa de destruir sistematicamente nossos corpos, então, não pode ser um sistema bom. Como explicar isso de forma simples? Vivemos em um sistema centrado no trabalho que torna nossas vidas miseráveis porque nos reduz à função produtiva.

Precisa de nosso trabalho, mas quando paramos nos expulsa da cidade, do espaço público, do lugar comum. Portanto, pensar a partir da preguiça é pensar a partir da rejeição a essa devastação. Intuímos, mesmo que nem sempre façamos essa afirmação, que outra vida é possível. Um pensamento a partir da preguiça é, portanto, um pensamento situado. Um pensamento que diz a você: não importa quais fantasias de sucesso você tem, não importa o seu número de seguidores, não importa em qual empresa você sonha em trabalhar... Olhe para si mesmo. Escute a si mesmo. Seu corpo está cheio de sinais: contraturas, insônia, estresse, dor. Esse corpo danificado é o sintoma de que esse sistema não funciona, pois é um sistema que se desenvolve contra a vida.

Essa é uma das reflexões centrais do livro: que a vida boa não pode ser garantida pelo capitalismo. Só uma reflexão pública, coletiva, pode oferecer formas de vida que o capitalismo nem sequer se atreveria a sonhar, pois o capitalismo só sonha com o capital. E é isso que me leva a proclamar o direito às coisas boas.

O capítulo intitulado 'O direito à preguiça' cita Sara Ahmed para lembrar que as emoções são coletivas, que adquirem contornos ao circular entre corpos, signos e tecidos sociais. E argumenta que nem a política institucional, nem os movimentos sociais estão à margem disto. Fala-se muito em capital cultural, mas e quanto à energia emocional? Como se relaciona com o fato de que hoje certos afetos (como o entusiasmo e o empreendedorismo) são potencializados e outros (como a tristeza, a melancolia e a vulnerabilidade) são sistematicamente excluídos?

Por um lado, hoje, esta frase “não tenho tempo” é quase proverbial. Vivemos dizendo que não temos tempo para nada talvez pelo fato de termos vindo de uma sociedade, a da primeira metade do século XX, marcada pelo tédio: havia muito tempo, mas nenhum objeto no qual investi-lo. Agora, parece que isso se inverteu: vivemos com muitos objetos, com muitas coisas para fazer, mas sem tempo para abordá-las. É como se agora tivéssemos um objeto sem tempo. Aí entra em jogo o que se conhece como FOMO, o medo de perdermos algo (fear of missing out).

Se o livro fosse moralista, eu poderia dizer: é preciso trocar o FOMO por JOMO (joy of missing out)”. Mas, na realidade, propõe muito mais: “Ei, se já estamos fartos de ter mil coisas para fazer, de viver na multitarefa, por que não deixar para lá, por que não renunciar?”. Afirmar essa perda. Quando dizemos “não tenho tempo”, na verdade, o que não temos é tempo para os outros. Sempre encontramos tempo para “nós mesmos”, mas esse “nós mesmos” costuma estar capturado pela lógica produtiva: é hora de pagar coisas, de progredir profissionalmente, de administrar nossa própria empresa pessoal. É um tempo alienado. Sendo assim, a falta de tempo é, fundamentalmente, uma falta de tempo para o outro. Uma falta de tempo para sustentar uma relação com o outro que não necessariamente nos traga um benefício direto.

A vida folgada, sobre a qual também falo no livro, é uma vida com folga, com um buraco no centro. E quando deixamos esse buraco, quando soltamos o empresário que carregamos dentro de nós, surge um tempo sem objeto, sem desempenho, que nos permite escutar. Aí está a primeira reflexão.

A segunda reflexão também tem a ver com os vínculos. A partir da teoria dos afetos, podemos ver que o capitalismo não apenas destrói vínculos ou os fragiliza, porque um vínculo requer tempo e presença material, mas também os substitui por outros. O capitalismo promove vínculos de competição, hierarquia, privados, como os familiares (muito funcionais ao neoliberalismo), ou diretamente vínculos de exploração: chefe-trabalhador, cliente-fornecedor etc. Nesse contexto, o outro se torna um obstáculo ou então uma oportunidade para o crescimento. Ou seja, é instrumentalizado. Diante disso, com a horizontalidade se propõe outro tipo de relação, uma relação baseada na inutilidade, na incompetência, na amizade.

E aqui vem a terceira reflexão, sobre o desejo. O capitalismo contemporâneo produz mais-valia governando o desejo, excitando-o constantemente. O mandato do dominador hoje é: “desfrute”, “corra atrás dos seus sonhos”, “desafie seus limites”, “seja a melhor versão de você mesmo”. E isso, que parece uma forma de liberdade, na verdade, é uma forma de dominação, porque a única coisa que está verdadeiramente proibida é parar. Não podemos parar. Estamos presos em uma roda, como em A solidão do corredor de fundo, onde o protagonista é condenado a continuar correndo.

Os afetos que mais se alinham com o capitalismo hoje não são os “negativos”, mas os alegres, ainda que de forma perversa: a ilusão, a motivação, o entusiasmo. São afetos que geram um forte vínculo com o trabalho e que nos levam a nos explorar com alegria, com um sorriso, acreditando que tudo está bem. Enquanto isso, o emprego é cada vez mais precário, os salários mais variáveis, o ambiente de trabalho mais instável... Mas nos mantêm entusiasmados. Nesse contexto, os chamados “afetos negativos”, como a tristeza, a raiva, o cansaço, a melancolia, o asco e a desesperança ficam completamente fora da esfera visível. São afetos críticos que interrompem o circuito. Por isso, são relegados.

Pensemos naquele chefe que entra no escritório dizendo: “aqui, só boas vibrações”. O que na verdade está dizendo é: “A discrepância afetiva está proibida”. Não se pode duvidar, não se pode questionar, tem que sorrir. Esse sorriso é obediência. Há tempo, li um artigo que falava de “lugares para chorar” (places to cry): no carro, antes de entrar no trabalho, no elevador, no banheiro... Espaços onde você pode chorar sem ser visto, sem que isso afete seu “desempenho”, pois se sua tristeza e seu esgotamento forem notados, você fracassará em seu papel de bom trabalhador.

E é aí que a preguiça entra como um afeto negativo, que tem uma enorme potência política. Ela mistura a rejeição às fantasias capitalistas com a afirmação de uma vida prazerosa, possível, habitada a partir do corpo. Os afetos negativos permitem outros tipos de vínculos. Não vínculos competitivos, mas vínculos entre corpos cansados. Entre pessoas fartas, que se encontram a partir da experiência compartilhada do esgotamento. E não importa a ideologia: o que compartilhamos é o cansaço. São também esses afetos, e a depressão generalizada, por exemplo, que nos mostram que este sistema não é o melhor possível, nem o único. Deve haver outra coisa. Por isso, acredito que a preguiça não é apenas uma rejeição ao trabalho. É também uma reivindicação pelos cuidados, pelas relações de camaradagem, por outra forma de estarmos juntos que não pode ser absorvida pela lógica do lucro.

Você considera que estamos em um momento de esgotamento das formas políticas barulhentas e que as resistências que surgirem a partir de agora deverão ser articuladas justamente nesses resquícios, onde a liberdade seja optar por parar?

Penso que a preguiça é a força de não fazer nada. E quando digo que é a força de não fazer nada, ou a força de se render, estou dizendo, sobretudo, que é uma força. Em um mundo onde a inércia e a obrigação contínua é avançar, a preguiça é uma força de sinal contrário. Nesse sentido, essa força em parar está, claro, nas greves, nas manifestações. Justamente porque essa forma de parar tem algo de antieconômico. Mobiliza-nos, sim, mas nos mobiliza porque dizemos: “Chega, basta, queremos parar, que cessem os despejos”.

Acredito que meu trabalho, ou a reflexão que precisa ser feita a partir da filosofia, tem a ver com a reivindicação desses direitos e com o apontamento de sua urgência e pertinência. Mas, ao mesmo tempo, penso que qualquer pesquisa é sempre coletiva, sempre colaborativa. Este pequeno ensaio diz uma coisa, faz uma contribuição dentro de uma frente muito mais ampla, que deve contar com uma série de especialistas e disciplinas que pensem como articular esses direitos. E se tivéssemos que aterrissar mais, tocar mais o solo, acredito que reivindicar o direito às coisas belas e realizar esses direitos preguiçosos implica ações muito concretas.

Por exemplo, se queremos fazer valer o direito à greve, temos de revogar a lei da mordaça. É uma medida muito simples, clara e direta. Se queremos fazer valer o direito à cidade, então, temos de garantir moradia pública, deixar de especular com a moradia, remodelar ou repensar a indústria do turismo, limitar profundamente empresas como a Airbnb, que tornam a moradia impossível. E garantir que haja um senso do ócio e dos espaços comuns que não estejam colonizados por instâncias de consumo, como terraços ou espaços pagos.

Muitas vezes, perguntam-me se este ensaio é utópico, se imagino um mundo por vir, e eu sempre digo: “Não, não tem nada de utópico. De fato, vigio os direitos”. Certamente, meu trabalho é pensar sobre o que está em jogo em cada direito ou em cada privação desse direito. Mas também acredito que existem medidas muito claras. Essa era a ideia. A ideia de que esses direitos devem ser proclamados e que articulem toda uma série de políticas sociais para construir uma noção plebiscitária do público. E para ter uma noção de realidade, ou seja, do bem comum, ao alcance de todos.

No livro, você pensa muito o desejo. Concretamente, o desejo sob condições capitalistas. Mas é difícil falar de capitalismo sem, em algum momento, falar também da ordem patriarcal. De fato, você menciona e destaca como muitos dos valores defendidos nesse sistema têm a ver com o masculino: com a rigidez, com estar ereto, com a hierarquia, com a verticalidade... Em que medida o direito à preguiça, todos esses direitos propostos, questionam a masculinidade herdada? O ensaio também pode ser lido como uma crítica às formas dominantes do desejo e do conhecimento, não apenas capitalistas, mas também falogocêntricas?

Quando falo do direito à preguiça como forma de libertá-la de sua condição de classe, estou ressaltando que, muitas vezes, a possibilidade de descanso ou de ócio para alguns é sustentada pelo trabalho de muitos outros. E esses “outros” costumam ser corpos racializados, corpos migrantes, corpos feminizados. Costumam ser as mulheres que, com seu trabalho, sustentam a preguiça de outros (dos homens, em muitas ocasiões) e, além disso, de forma especialmente perversa. Os trabalhos reprodutivos ou de cuidados, historicamente feminizados, têm sido confinados à esfera privada.

Muito poucas vezes se colocou sobre a mesa uma reflexão profunda sobre a socialização desses trabalhos. Sempre foram consideradas tarefas “naturais” para as mulheres. E, além disso, como não são remuneradas, nem sequer foram reconhecidas teórica ou filosoficamente como trabalho. Ficaram invisibilizadas.

Então, quando se reivindica o direito à preguiça, em parte, isso também está sendo ressaltado. E é aí que entra o que você menciona: uma reflexão mais profunda sobre o que está em jogo. Porque o paradigma do sujeito moderno (esse sujeito individual, autônomo, que se realiza, que progride, que ascende) foi construído com elementos que pertencem ao imaginário da masculinidade hegemônica no Ocidente: força, dureza, impenetrabilidade, autossuficiência, resistência, ereção, crescimento... E isto é importante não apenas por ser um modelo dominante, mas porque, basicamente, é uma ficção. Todo sujeito, nós todos, somos sempre apoiados por outros: por corpos que cuidam de nós, que nos ensinam a falar, a desejar, a ocupar um lugar no mundo. Mesmo que não os vejamos, estão aí.

Pensar a sociedade a partir de uma condição horizontal implica desmantelar essa fantasia da autossuficiência masculina, que é uma mentira, e que só se sustenta sobre um trabalho submerso e uma violência também submersa: a violência contra as mulheres. Trata-se de pensar a sociedade como uma rede de cuidados. Uma ecologia política na qual todos nós estamos, queiramos ou não, apoiando-nos mutuamente. O verdadeiramente político passa por aí.

E, sim, é verdade que estamos assistindo a uma ascensão muito clara da ultradireita que passa, entre outras coisas, pela reabilitação de um modelo de masculinidade “forte”, centrado mais uma vez no trabalho. Aí você tem a figura do “currante”, que diz com orgulho que vai até tarde, ou a lógica ‘criptobro’. Tudo isso faz parte de uma reabilitação de valores como a dureza, a resistência, a impenetrabilidade, a solidão absoluta... que definem esse discurso da masculinidade hegemônica. E, curiosamente, é uma masculinidade profundamente triste. Muito sozinha. Muito frustrada.

Há aí uma conexão bastante óbvia com a manosfera, com o mundo incel, com esse sentimento estrutural de separação daquilo que eles mais desejam. E, ao mesmo tempo, como bem explicava Alicia Valdés, há também uma espécie de comunidade na manosfera: os manos se protegem, resguardam o privilégio, autorizam-se mutuamente a exercer a violência. Há aí uma lógica do cuidado, mas uma lógica fechada, excludente, baseada na cumplicidade na agressão.

Por isso, considero importante destacar não apenas a tristeza e a raiva que ali se movem, mas também o pressuposto ontológico que as sustenta: a ideia de que alguns corpos valem mais que outros. Que existem seres “superiores” e outros que não o são, como os corpos feminizados, para os quais o cuidado é essencialmente atribuído. Enquanto isso, o homem tem de crescer, desenvolver-se, explorar, impor-se... Então, sim, o ensaio aborda tudo isso.

Antes, deixava entender que a liberdade não pode ser compreendida sem a igualdade. Se teve quem defendeu isso em sua época, foram justamente os revolucionários franceses, que não falavam apenas de liberdade e igualdade, mas também de fraternidade. Parece, no entanto, que este terceiro termo foi se diluindo com o tempo... O que fraternidade tem a ver com o direito à preguiça? No livro, não se menciona diretamente a renda básica universal como política, o que me chamou a atenção. Pensei: reivindicando o direito à preguiça, como não aparece esta opção? Não sei se foi uma omissão intencional ou não... Gostaria de saber o que você pensa sobre isso...

O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” triunfa com a Revolução Francesa, mas não podemos esquecer que esse slogan sempre esteve em tensão com outro que também circulou muito: “liberdade, igualdade e propriedade”. Este segundo slogan reflete o que seria a posição puramente liberal, e hoje podemos dizer que é a bandeira levantada pelo capitalismo. A “propriedade”, neste contexto, implica, por exemplo, a liberdade de vender nossa força de trabalho, de investir o capital onde quisermos, de consumir o que quisermos... Mas isso distorce completamente a ideia de liberdade, e também a de igualdade, porque acabamos tendo igualdade como consumidores, como clientes, mas não igualdade real em termos de condições de vida ou acesso a direitos. É importante enfatizar isso.

Em 1848, com a revolução social que deu origem à Segunda República Francesa, o “direito ao trabalho” foi proclamado. Embora essa ideia acabou sendo pervertida nas mãos de autores mais conservadores, o que os trabalhadores reivindicavam originalmente era algo muito mais radical: queriam organizar o trabalho a partir da base, coletivamente, e garantir que todos tivessem um emprego digno e atrativo. Era uma proposta que se aproximava muito da ideia de que os próprios trabalhadores controlassem e definissem o modo de produção.

Ora, tudo isso também tinha seus limites. Por exemplo, naquele momento, a demanda era trabalhar 12 horas por dia. A jornada de oito horas não foi alcançada até adentrar bem o século XX. É nesse contexto que Paul Lafargue escreve O direito à preguiça. E denunciou que os trabalhadores estavam apaixonados pelo trabalho. Que enquanto não fosse questionado esse amor ao trabalho, essa espécie de servidão voluntária, não haveria avanço. O que O direito à preguiça propõe é mudar de ideal: passar de uma vida centrada no trabalho para outra que gire em torno do gozo compartilhado, do ócio, da ociosidade, como forma de vida boa em comum.

Quando falo sobre essas questões no livro, sobretudo na parte dedicada à reivindicação dos direitos preguiçosos, não menciono diretamente a renda básica, é verdade. Mas quando falo em “desemprego para todos” ou do “trabalho zero”, estou me referindo a ideias como as propostas por Nick Srnicek e Alex Williams, em Inventar el futuro, onde uma renda básica é claramente proposta.

A questão é que meu interesse está em permanecer no plano mais filosófico, também porque meus conhecimentos sobre economia ou políticas públicas são bastante limitados. Ainda assim, estou convencido de que existem muitas formas de pensar o descanso livre a partir da preguiça. A renda básica universal é uma delas, mas também a redução da jornada de trabalho ou o aumento do salário-mínimo. Há muitas políticas possíveis que podem articular essa ideia. Mas, sim, sem dúvida, propostas como a renda básica ou a jornada de zero horas (ou o desemprego para todos, não apenas para os ricos) estão no cerne deste pensamento sobre a preguiça.

De fato, uma das ideias que o livro busca ressaltar é que essa preguiça deve ser para pessoas comuns, para qualquer um. Que não deve ser um privilégio de classe, nem algo reservado a pessoas excepcionais, mas absolutamente banal, cotidiana, sem pedigree. E, nesse sentido, efetivamente, políticas como a renda básica tornam possível uma política social centrada no direito à preguiça. Uma política que não subordine a vida à produtividade ou ao mérito, mas que defenda uma vida boa e valiosa em si mesma.

Eu me pergunto até que ponto o livro pode ser entendido como um ensaio que busca não apenas nos lembrar, mas também lembrar a você, que todas essas coisas belas ainda existem. E que, para apreciá-las, precisamos aprender a como fazer: aprender a delegar, a retroceder, a pausar... Em suma, a nos permitir uma certa forma de lentidão. Sinto que, em algumas passagens, o livro funciona como uma espécie de reconciliação com a escrita. Há momentos em que se percebe um desejo de voltar a habitar o pensamento, de reconectar-se com a criatividade, de recuperar esse espaço de lucidez...

Há alguns meses, já estava querendo escrever este livro, mas não encontrava o momento de parar. É verdade que, para mim, a escrita tem muito a ver com isso: com um tipo de experiência que não é simplesmente transmitir ideias. Nos filósofos e filósofas que mais amo, como Kierkegaard ou Hélène Cixous, a escrita nunca é apenas uma forma de comunicar informação ou de defender uma tese. É uma experiência em si mesma. Barthes dizia algo como: ler é colocar o corpo para trabalhar. Sentir que algo se movimenta. O prazer do texto é esse momento em que o corpo segue suas próprias ideias, porque o corpo também tem ideias que a consciência não alcança.

Acredito muito nessa ideia: que a escrita é uma experiência, e que algo precisa acontecer com o leitor, mas também com o escritor. Que haja um momento em que a soberania da razão, da consciência, seja desestabilizada. Por causa do meu trabalho, como acadêmico, a gente se acostuma a uma escrita muito eficiente, quase compulsiva. Uma escrita perfeitamente unívoca, clara, executiva: “O propósito deste paper é demonstrar isto”, e então vem a lista de argumentos, perfeitamente ordenados. Eu penso que a escrita, na realidade, é outra coisa. E há temas de pensamento que também exigem uma revolução na própria escrita. Não se pode escrever sobre o silêncio como se estivesse redigindo um relatório técnico. Não se pode escrever sobre a preguiça a partir de uma lógica completamente operacional e trabalhosa. É aí que a coerência entre conteúdo e forma, entre o que se diz e como se diz, torna-se importante.

Este livro, nesse sentido, é uma espécie de máquina construída com técnicas preguiçosas. É isso que sempre procuro na escrita: algo que seja tão bom que se torne vertiginoso. Que seja tal esbanjamento de energia, tão antieconômico, tão improdutivo, que provoque vertigem. Mas que, ao mesmo tempo, seja como essa aventura gozosa. Como deitar-se em uma cama e rolar, deixando-se levar por um sonho cheio de imagens que não se controla.

Para mim, escrever tem a ver com isso. Às vezes com medo, porque sei que algo vai mudar. Mas também com a sensação de que é a única coisa que realmente vale a pena. Por isso, aparecem esses fragmentos, esses devaneios: deitado na grama, nadando, na praia... Linhas de fuga que surgem quando o texto se cansa de dizer, e decide convidar, imaginar, levar você para o deserto. Uma escrita preguiçosa deve ser uma escrita vacante, que sai de férias. Uma escrita que vagueia, que às vezes adormece, que mergulha, que dá voltas... por isso, pareceu-me importante que este ensaio sobre a preguiça fosse, sobretudo, um ensaio preguiçoso.

Leia mais

  • “A nova geração não está mais interessada no trabalho, não acredita no conto do ‘dream job’”. Entrevista com Juan Evaristo Valls Boix
  • Sob herança de retrocessos, Brasil enfrenta ‘epidemia de adoecimento mental’ no trabalho, aponta Fundacentro
  • A geração Z, trabalho remoto e a condição do entretenimento. Artigo de Robson Ribeiro de Oliveira Castro Chaves
  • A perda de espaços contemplativos: a geração Z, a comunicação escrita e o trabalho. Artigo de Robson Ribeiro
  • Redução da jornada de trabalho: 65% dos brasileiros apoiam a mudança
  • O Brasil da escala 6x1 e a naturalidade da exaustão. Algumas análises
  • Fim da escala 6x1: transição do modelo de trabalho favorece sustentabilidade econômica, social e humana. Entrevista especial com Gabriela Brasil
  • De onde surgiu Rick Azevedo? O drible do trabalhador no enfrentamento do 6×1
  • A íntima relação entre o trabalho precarizado e o sofrimento psíquico
  • O mundo do trabalho de pernas para o ar. “A fronteira entre a vida pessoal e o trabalho não existe mais”. Entrevista com Jean-Philippe Bouilloud
  • “A precarização do mundo do trabalho é o terreno onde se fertiliza o fascismo”. Entrevista especial com Gilberto Maringoni
  • Trabalhos análogos à escravidão aumentam em 64,6% em 2023
  • 'Lógica do capitalismo': Sul Global faz 90% do trabalho mundial, mas detém apenas 20% da riqueza
  • Regulamentação do trabalho subordinado às plataformas: disputas e narrativas à direita
  • O fenômeno da plataformização: um laboratório de luta de classes. Entrevista especial com Julice Salvagni
  • Reforma trabalhista completa quatro anos e enfrenta informalidade, uberização e precarização de direitos
  • “O desafio é muito mais complexo do que simplesmente revogar a reforma trabalhista”. Entrevista com Clemente Ganz Lúcio
  • “Não podemos mais ignorar o debate sobre a redução da jornada de trabalho porque funciona para muitas empresas”. Entrevista com Pedro Gomes
  • Geração online: muitos jovens querem viver sem redes sociais
  • Renda básica e feminismo: um passo radical para caminharmos juntos. Artigo de Sarah Babiker
  • A atualidade radical da Renda Básica. Artigo de Ladislau Dowbor
  • “A Renda Básica Universal nos permite colocar na mesa o debate sobre as fronteiras”. Entrevista com Aliou Diallo
  • “A renda básica universal é uma forma de parar de julgar quem é digno de comer e quem não”. Entrevista com Karl Widerquist

Notícias relacionadas

  • Transição e novos cenários de contrapoder

    LER MAIS
  • "Nossas cidades são insustentáveis". Entrevista especial com Luciana Ferrara

    LER MAIS
  • Vamos para uma nova revolução industrial: assim será

    A concentração de inovações científicas e técnicas deram lugar a um novo sismo no mercado mundial. Assistimos a uma nova re[...]

    LER MAIS
  • “Assusta-nos o fato de que os Estados Unidos estejam negociando duas bases com Macri”. Entrevista com Leonardo Boff

    Franciscano até 1992, Leonardo Boff concedeu uma entrevista a este jornal, na qual narrou sua própria experiência perante a Inq[...]

    LER MAIS
  • Início
  • Sobre o IHU
    • Gênese, missão e rotas
    • Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros
    • Rede SJ-Cias
      • CCIAS
      • CEPAT
  • Programas
    • Observasinos
    • Teologia Pública
    • IHU Fronteiras
    • Repensando a Economia
    • Sociedade Sustentável
  • Notícias
    • Mais notícias
    • Entrevistas
    • Páginas especiais
    • Jornalismo Experimental
    • IHUCAST
  • Publicações
    • Mais publicações
    • Revista IHU On-Line
  • Eventos
  • Espiritualidade
    • Comentário do Evangelho
    • Ministério da palavra na voz das Mulheres
    • Orações Inter-Religiosas Ilustradas
    • Martirológio Latino-Americano
    • Sínodo Pan-Amazônico
    • Mulheres na Igreja
  • Contato

Av. Unisinos, 950 - São Leopoldo - RS
CEP 93.022-750
Fone: +55 51 3590-8213
humanitas@unisinos.br
Copyright © 2016 - IHU - Todos direitos reservados