26 Abril 2025
Diplomacia também é isso, desobstruir o campo de dúvidas e polêmicas. Dada a natureza excepcional do evento, as autoridades rabínicas italianas, europeias e israelenses consultaram-se. Como resultado, o rabino-chefe da comunidade judaica de Roma, Riccardo Di Segni, decidiu comparecer às exéquias do papa, apesar da religião judaica proibir a participação em funerais durante o Shabat. E também Noemi Di Segni, presidente da União das Comunidades Judaicas Italianas (Ucei), pouco antes de ir a Santa Marta para prestar suas condolências, informou ontem que irá ao funeral de Bergoglio.
“A dúvida sobre a ausência não estava nem por um momento ligada ao mérito e às relações com o Papa. Em vez disso, a questão era como tornar nossa participação compatível com as regras a serem observadas no dia do sábado judaico. E para evitar interpretações por motivos distintos”. Os “motivos distintos” são aquele caldeirão de críticas e polêmicas no qual vem fervendo há dias o controverso silêncio do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu sobre a morte do pontífice. Para Di Segni (Ucei), estar presente, no funeral, é uma “homenagem obrigatória do judaísmo italiano como um todo, pelo que o pontífice representa na Itália e em todo o mundo, no empenho recíproco pelo diálogo e por todo o esforço possível na afirmação da cultura da convivência”.
A entrevista é de Fabiana Magrì, publicada por La Stampa, 24-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Em outras palavras?
Em casos como esse, o Estado judeu também representa o judaísmo, porque existe uma conexão entre Israel e as comunidades, sobre muitas questões existenciais. Mesmo que não sejamos a única presença judaica, queremos deixar claro que o judaísmo italiano está ciente da grandeza de um momento e de uma figura como o Papa Francisco.
O governo israelense por fim decidiu ser representado por seu embaixador junto à Santa Sé, Yaron Sideman. O que acha dessa escolha?
Considero que ele é a pessoa certa. É fundamental que haja uma presença de Israel por causa das relações formais e diplomáticas muito importantes que existem com o Estado judeu há décadas e por causa de todo o caminho que foi percorrido. Esse caminho existe, deve ser salvaguardado e deve continuar.
A gélida não reação de Netanyahu lhes causou constrangimento?
Eu esperava uma manifestação de Netanyahu. Seria natural que acontecesse. Mas o mais importante é que houve uma declaração imediata do presidente Isaac Herzog, que é o representante do Estado judeu. E que, no funeral, Israel será representado por seu embaixador. Este é um momento de buscar sinergias, tentar entender e unir forças justamente para dar respostas às situações terríveis e dilacerantes em que vivemos e que enfrentamos como judaísmo e como povo judeu em Israel.
O que espera para o próximo pontificado?
A morte de um papa tem um impacto muito forte e, enquanto se participa do luto, fica difícil decifrar a complexa geografia interna da Igreja que guiará a eleição de um sucessor. Espero que exista uma visão clara do caminho trilhado de relação com o judaísmo. Ainda há muitos pontos complicados e nós a serem desatados. Essa consciência está presente nos níveis mais altos das hierarquias do Vaticano, mas a luta contra o antissemitismo, que também inclui componentes de antijudaísmo e de distorção, ainda precisa chegar aos pontos mais periféricos da Igreja. Obviamente, o fundamental é a relação com Israel. Os apelos da Igreja deveriam gerar identificação positiva no empenho pela paz e a convivência, mesmo aqui, mesmo entre as nossas comunidades.
O dia do funeral lhe oferecerá um ponto de observação privilegiado sobre as dinâmicas geopolíticas. A senhora vê uma oportunidade?
A presença de todos os grandes do mundo em Roma é uma ocasião para desejar um momento de virada para melhor nesses anos conturbados. Porque, no final, tudo depende das pessoas e de suas decisões. Não somos observadores passivos de fenômenos naturais, mas assistimos aos terremotos provocados pelos seres humanos.
Leia mais
- Da amizade ao rancor: a difícil relação entre o papa e o mundo judaico. Artigo de David Assael
- 'Sede vacante' no Vaticano: duas semanas de velório, funeral e sepultamento para o Papa até o conclave
- São divulgadas as primeiras imagens do Papa Francisco no caixão
- A sucessão do Papa mergulha a Igreja na incerteza diante da onda ultraconservadora
- Francisco, um papa “ad vitam”. Artigo de Matheus Oliveira Lemos
- Breves considerações sobre o Papa Francisco, por Tales Ab’Saber
- É impossível ignorar o crescente problema do Papa Francisco com os judeus
- Carta aos rabinos italianos irritados com o Papa (e não é para defender Francisco)
- Papa Francisco diz claramente: “Isto não é guerra, é terrorismo”
- Audiência do Vaticano com os palestinos: Bruni, “o Papa não usou a palavra genocídio”
- O Papa Francisco recebe vítimas israelenses e palestinas e se pronuncia sobre o conflito: “Não é uma guerra, é terrorismo”
- “Ouvi como sofrem Israel e a Palestina”: o Papa menciona os dois povos e envia uma mensagem
- O Papa e as escolhas dramáticas para Gaza
- O Papa pronunciou a melhor palavra para sair da crise dos últimos dias: Palestina
- Enquanto o Papa apela pela paz, Israel alerta o Vaticano contra falsos “paralelismos”
- Israel, o Vaticano insiste na solução de dois Estados e continua a ser a única voz construtiva
- O Papa garante que a invasão de Gaza “já não é uma guerra, é terrorismo”
- Estão chamando o Papa inimigo da guerra até de antissemita
- O problema do antissemitismo atual. Artigo de Andrea Zhok
- A Igreja romana e o antissemitismo. Artigo de Luigi Sandri
- O adeus ao Papa da Indiferença. Artigo de Gabriel Vilardi